Os primeiros cursos de Direito no Brasil foram instalados em 1828, em meio a construção do Estado nacional. A formação dos primeiros bacharéis em Direito constituiu uma elite intelectual para ocupar o comando da estrutura política e administrativa do país recém-independente.
Através de uma “modernização conservadora”, instituímos o curso de Direito já com raízes que não alteravam a estrutura de poder e de hierarquia social: os filhos de fazendeiros e grandes comerciantes se formariam “dotô” num regime latifundiário e escravagista. É o novo que nasce velho: os juristas brasileiros já nascem distantes dos interesses do seu próprio povo.
Quase 200 anos depois, convivemos com um ensino bancário em muitos dos mais de 1.700 cursos de direito oferecidos no Brasil, com leitura repetida de códigos, reprodução tecnicista de doutrinadores e pouca discussão da realidade social. No entanto, essa ampliação possibilitou que não apenas os filhos da elite se formem juristas.
Hoje, não são poucas as carteiras de sala de aula dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito ocupadas por um número cada vez maior de mulheres e negros(as), trabalhadores(as), lutando por uma democracia direta, (re)presentativa e real, em que nossa Constituição seja mais que letra morta, e não mais violentada diariamente.
Porém, reconhecendo essas raízes históricas e identificando os nossos desafios, nós concebemos fissuras e brechas. Nós buscamos meios de realização da justiça social, da efetivação dos direitos do nosso povo e do acesso à justiça. E nós somos fissuras. Alguém nos avisou pra pisar neste chão devagarinho… Pois nós finalmente chegamos na universidade, e vamos reinventando nossa história ao ocupar os espaços de poder. Organizando-nos coletivamente, gestamos as fissuras necessárias no sistema de justiça.
Os últimos anos passaram por diversos acontecimentos notáveis na esfera jurídica e política, caracterizando também grandes farsas que buscaram um revestimento num suposto combate à corrupção: tivemos o golpe da ex-presidenta Dilma em 2016, a condução da Lava Jato e prisão de Lula em 2018 e a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República. Em toda essa turbulência, a redução dos investimentos na educação foi uma constante.
Ademais, o sonho de estudar Direito sofre com várias ameaças em meio a pandemia em um país (des)governado por um assassino: apenas no ano passado, foram mais de 8 mil estagiários dispensados em meio a crise sanitária da COVID-19. Os estagiários que permaneceram, sem apoio para continuar o trabalho em casa, por vezes são os primeiros obrigados a retornar ao regime presencial, arriscando suas vidas em meio a novas mutações do vírus.
A falta de assistência estudantil para permanecer estudando afeta também o sonho do diploma de Direito de vários jovens: 1/5 dos domicílios brasileiros não têm Internet, e apenas o acesso a Internet não faz uma sala de aula: é necessário um computador, disponível em menos de metade dos domicílios em 2018 e um meio ambiente de estudo próprio, elementos que não são comuns a todos os estudantes. Além disso, metade dos domicílios brasileiros passa por insegurança alimentar. Já pensou estudar ou fazer uma prova passando fome?
Aos que se formam, resta uma etapa importante: o Exame da Ordem de Advogados do Brasil (OAB). Em meio à pandemia que já matou mais de 300 mil brasileiros, centenas de milhares de estudantes realizam exames presenciais, no mesmo estilo do ENEM, que podem definir seu futuro profissional.
São várias, portanto, as pedras no caminho dos estudantes de Direito. Mas tantas violações e retrocessos não passaram impunes: organizados na Federação Nacional dos Estudantes de Direito (FENED), por volta de 45 centros acadêmicos protocolaram no dia 31 de março de 2021 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro, responsável pela terrível gestão da pandemia que prolonga o prejuízo à educação e o risco à vida de tantos brasileiros.
Agora, os estudantes de Direito têm mais uma ferramenta de organização em defesa de seus direitos: foi criada a Secretaria de Assuntos Estudantis da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que reúne estudantes, professores, advogados, juízes, promotores e defensores em uma só organização jurídica). A Secretaria promoverá atividades de formação crítica aos estudantes e atuará como uma ponte para as demandas do movimento estudantil de Direito e os objetivos da ABJD em defesa da democracia e dos direitos sociais.
Fica o convite pra que se somem à Secretaria e às lutas de uma nova geração de juristas, que treme de indignação perante as injustiças no mundo, que não abaixa a cabeça ao autoritarismo e desmandos, e que quer construir um novo país, mais justo, solidário e democrático.
*Allanis Dimitria Pedrosa é Bacharel em Direito (UFRJ), pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário (UERJ), da Secretaria de Assuntos Estudantis da ABJD e militante do Levante Popular da Juventude.
**Artur Freixedas Colito é Coordenador de Relações Institucionais da Federação Nacional dos Estudantes de Direito (FENED), da Coordenação do Núcleo Minas Gerais da ABJD e militante do Levante Popular da Juventude.
Edição: Vinícius Segalla