Ninguém sabia onde o procurado pela polícia se escondeu? Ora, todo mundo sabia
Não é à toa que acabei virando geógrafo e jornalista. Sempre tive curiosidade de conhecer o Brasil, o povo brasileiro, sua variedade de culturas e de crenças.
Mas não tinha condições de viajar, só conhecia um pouquinho de Minas Gerais e de São Paulo.
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Na primeira vez que resolvi dar uma esticada maior, já com mais de 20 anos, pensei em conhecer o Chile, que estava em efervescência, antes da ditadura de Pinochet.
Iria de ônibus.
Mas quando fui comprar passagem, encontrei o Ricardo, cearense, meu colega de faculdade. Ele queria rever sua terra, de onde saiu ainda criança, e me convenceu a mudar de rumo.
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Fomos pro Cariri. De ônibus até Belo Horizonte, de trem até Pirapora, de vapor pelo rio São Francisco até Juazeiro, e daí em diante de carona em estradas de terra, pois não havia asfalto na região.
Chegando à sua cidade, ele mostrou uma casa grande, onde morava sua tia, e ela nos hospedaria. Não havia hotéis.
Batemos na porta e fomos entrando. Paramos do lado de dentro. Veio uma moça cantando pra ver quem era e deparou com aqueles dois sujeitos com cara de malucos, com mochilas nas costas e sujos de poeira da estrada. Bateu um desespero nela, que começou a gritar: “Mãããe! Mãããe!”
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Escutamos os passos pesados da mulher vindo correndo, até ela chegar até a sala, olhar pra nós e murmurar, com cara de medo: “Viiiixeee Maria!”
Aí o Ricardo falou:
- Ô, tia... Não me conhece mais?
O rosto dela se iluminou, e ela gritou alegre:
- Ricardiiiiimmm!
Depois de um banho, fomos comer cuscuz com café, e ela justificou o susto que teve:
- É que um sujeito matou um homem aqui e sumiu. Todo mundo tem medo dele voltar e matar mais um, mas ninguém sabe onde ele tá. A polícia não descobre ele de jeito nenhum!
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Meu amigo Ricardo sabia como a polícia e a justiça funcionavam e perguntou, fingindo-se de bobo:
- Mas onde é que ele tá?
A tia contou:
- Sabe onde o teu pai tinha um sítio? Na grota perto dele tem uma casinha desde aquela época, e é lá que o homem tá, acoitado. Ninguém acha ele!
Quer dizer... Ninguém sabia onde o procurado pela polícia se escondeu? Ora, todo mundo sabia, mas como acontece até hoje, só a polícia não acha certos procurados.
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Que o digam os milicianos do Rio de Janeiro.
Edição: Daniel Lamir