Todos os anos, por volta do dia 8 de março, algumas feministas lembram nas manifestações de rua que "não estamos todas aqui, faltam as presas". Uma vez mais, é importante denunciar as condições nas quais as presas políticas palestinas são mantidas e como o Estado de Israel viola sistematicamente as normas internacionais de direitos humanos nessa área.
Em 21 de dezembro de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou as "Regras das Nações Unidas para o tratamento das mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras" , conhecidas como "Regras de Bangkok" (RB), que são complementares às Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, conhecidas como Regras Mandela. Estes princípios são reconhecidos internacionalmente como boas práticas no tratamento de pessoas privadas de liberdade e na gestão de prisões.
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O objetivo das Regras de Bangkok é reconhecer o impacto específico da experiência carcerária sobre as mulheres presas e o cuidado especializado. Ao longo dos anos, se tornaram padrões reconhecidos pelos diversos órgãos de proteção dos direitos humanos com respeito às mulheres presas.
O Estado de Israel, um violador sistemático dos direitos humanos da população palestina, descumpre permanentemente os poucos tratados de direitos humanos que assinou e mantém as mulheres palestinas prisioneiras políticas em condições desumanas e degradantes, se não sob tortura, descumprindo reiteradamente as normas de direitos humanos.
Desde o início da ocupação, em 1967, mais de 10 mil mulheres palestinas foram presas ou detidas pelas forças israelenses. Hoje, há mulheres presas ou em detenção administrativa, prisão preventiva ou cumprindo condenações. São estudantes, trabalhadoras, donas de casa, ativistas, políticas, de todas as idades e origens.
Algumas delas são mais conhecidas por sua relevância política, como a ex-membro do Conselho Legislativo Palestino Khalida Jarrar , ou a integrante da Secretaria Geral da União Geral das Mulheres Palestinas Khitam Saafin. Outras são menos conhecidas, mas todas têm em comum o fato de serem prisioneiras políticas que sofrem ao extremo com o poder punitivo patriarcal do colonialismo sionista.
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Muitas delas estão detidas na prisão de Damon, perto de Haifa, ou na prisão de Neve Terza, em Ramleh, ambas na Palestina histórica. O presídio Damon é um antigo depósito de tabaco e estábulo que não tem as condições básicas para abrigar nenhum detento. A prisão Neve Terza é uma antiga cadeia construída em 1960, onde os princípios da segregação também não são respeitados.
Além disso, tem sérios problemas de superlotação, e as prisioneiras políticas palestinas são colocadas com o resto das prisioneiras israelenses, permitindo que sejam ameaçadas, humilhadas e agredidas . Esta prática viola, por exemplo, o princípio estabelecido na RB 41, que afirma que a classificação e a colocação de mulheres presas devem levar em conta seus antecedentes e os efeitos particularmente prejudiciais do encarceramento sobre sua saúde e integridade.
Como veremos abaixo, esta não é a única regra que é violada; a violação das normas internacionais, na verdade, é a "regra" e não a exceção.
Proximidade do lar e normas de higiene
A RB 4 estabelece que as prisioneiras devem ser enviadas para prisões próximas a seus lares, para não mantê-las afastadas de seus filhos. O fato de as prisioneiras políticas palestinas serem mantidas longe de suas casas contradiz essa regra. Isso também é considerado um crime de guerra, em violação direta aos artigos 49 e 76 da IV Convenção de Genebra, que proíbe o poder ocupante de deportar pessoas protegidas, e especificamente detentos, do território ocupado.
A Regra Mandela 13 também prevê que as celas prisionais devem atender a todas as normas de higiene, particularmente no que diz respeito às condições climáticas e a volume de ar, área mínima de superfície, iluminação, aquecimento e ventilação. No entanto, as alegações feitas pela associação de direitos humanos e apoio a prisioneiros Addameer indicam que as condições de confinamento nas quais as prisioneiras políticas palestinas se encontram são de sujeira, superlotação, com insetos, falta de luz solar e ar fresco, alimentação ruim e isolamento de suas famílias.
Essas condições causam alterações na menstruação, doenças de pele, rins, cardiovasculares e oculares e uma grave deterioração da saúde mental, entre outras consequências.
Isolamento carcerário e proibição de visitas
A RB 43 refere-se à facilitação de visitas pelas autoridades penitenciárias, incentivando a prática como uma importante condição prévia para garantir o bem-estar psicológico e a reintegração social das mulheres presas. Apesar disso, a prática é isolá-las de suas famílias e dificultar-lhes o encontro com seus defensores e defensoras legais.
As RB 7 a 18 determinam quais devem ser os procedimentos de acordo com as necessidades de saúde das mulheres presas, estabelecendo que o acesso aos serviços médicos deve ser o mesmo de que gozam as mulheres de sua idade que não são privadas de liberdade. No entanto, os relatórios afirmam o oposto.
Há queixas constantes sobre a política de negligência na assistência médica das prisioneiras palestinas; tratamento discriminatório e não profissional; uso da mesma seringa para prisioneiras diferentes; falta de estoques de medicação; falta de tratamento médico; falta de cuidados ginecológicos especializados.
Da mesma forma, a RB 54 afirma que as autoridades penitenciárias devem reconhecer que as mulheres presas de diversas tradições religiosas e culturais têm necessidades diferentes e podem enfrentar múltiplas formas de discriminação. A prática revela, no entanto, que há uma ausência de médicos especialistas de língua árabe e, quando são transferidas para hospitalização, o cuidado ginecológico que recebem é culturalmente insensível, resultando muitas vezes em transtorno de estresse pós-traumático e depressão.
A RB 24 declara que nenhum meio de coerção será usado no caso de mulheres que estão prestes a dar à luz, seja durante o trabalho de parto ou no período imediatamente após o parto. No entanto, a realidade é que as prisioneiras políticas palestinas grávidas são levadas ao hospital com as mãos e os pés algemados e permanecem algemadas até praticamente o momento do parto, voltando a ser algemadas imediatamente depois.
Garantia contra violências de gênero
As RB 7, 25, 19, 20 e 31 referem-se à obrigação de proporcionar a máxima proteção às mulheres presas contra todas as formas de violência física ou verbal baseada no gênero, bem como o abuso e assédio sexual. São relatadas várias práticas frequentes, tais como desnudar e revistar os corpos indefesos das prisioneiras, forçando-as a fazer agachamentos quando estão nuas, e a realização de buscas internas invasivas.
Há também queixas de ameaças de estupro, incluindo a ameaça a membros da família, bem como insultos raciais e de gênero vexatórios e degradantes, como os sofridos pela ativista Ahed Tamimi durante o interrogatório na prisão.
A violência vivida pelas mulheres na prisão, segundo Angela Davis , é uma continuação da violência patriarcal vivida no exterior, sendo estes ataques uma forma de punição à qual a grande maioria das mulheres presas são rotineiramente submetidas em todas as prisões do mundo. Essas práticas, além de violar as Regras de Bangkok, violam os princípios do direito humanitário internacional, bem como a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
O último relatório da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher - CEDAW sobre Israel também destacou o número crescente de mulheres e meninas palestinas submetidas à detenção administrativa prolongada e transferências forçadas do Território Palestino Ocupado para prisões em Israel, bem como seu acesso limitado à justiça e aos serviços de saúde.
Em resumo, o Estado de Israel está violando as normas internacionais estabelecidas pelas Nações Unidas com relação às mulheres prisioneiras, sujeitando as prisioneiras políticas palestinas a condições desumanas e degradantes e praticando a tortura com impunidade.
É urgente pôr um fim às violações dos direitos humanos que suas condições de prisão implicam e exigir sua libertação. Porque na semana do 8 de março, nas ruas, não estamos todas. Faltam, entre outras, as presas políticas palestinas.
* Alicia Alonso Merino é advogada e fundadora do "Observatorio para la defensa de los derechos y libertades (Oteando)"
Edição: Vinícius Segalla