As cozinhas solidárias são mais do que uma iniciativa emergencial de enfrentamento à crescente insegurança alimentar, especialmente a partir da crise acentuada pela pandemia. Para Guilherme Boulos e Paola Carosella, são verdadeiros espaços de resistência em tempos de Jair Bolsonaro e sua insensibilidade à doença, à fome e à morte. A dupla realizou um bate papo virtual promovido pela Mídia Ninja na noite do último sábado (17).
Levantamento divulgado pelo Food for Justice – Power, Politics and Food Inequality in a Bieconomy, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UNB), mostrou que 13,6% dos brasileiros com mais de 18 anos passaram ao menos um dia sem refeição, entre os meses de agosto e outubro de 2020.
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A pesquisa, realizada com 2 mil pessoas entre novembro e dezembro de 2020, mostrou que a insegurança alimentar chegou a 59,4% dos domicílios brasileiros.
“Há um grande sentimento de impotência nesse momento que não podemos nem ir para as ruas. Além disso, a fome é desmobilizadora. Mas é preciso esperançar. Visito as cozinhas solidárias não só como atividade de militância, mas porque aquece meu coração. Cozinhas solidárias são espaços de resistência”, disse Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
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O movimento já inaugurou cinco cozinhas em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Alagoas e Roraima. Até o final de abril, serão abertas 16 cozinhas em 11 estados brasileiros.
Fome já era prevista
O agravamento da insegurança alimentar já era previsto, conforme lembrou a cozinheira, empresária e ativista social Paola Carosella.
Carosella avalia que o prolongamento da pandemia da covid-19, o aprofundamento da crise econômica e o abandono de famílias vulneráveis, trabalhadores informais e donos de pequenos negócios começaram junto com a chegada do coronavírus no Brasil.
“Já dava para prever. Em março do ano passado, eu já fazia articulações com produtores do cinturão verde que precisavam vender sua produção, embora muitos restaurantes tinham fechado. Nada mudou. Não tem auxílio emergencial, nem políticas do governo federal. Não tem nada”, disse.
Para completar, o Brasil assiste ao desmonte das políticas públicas de segurança alimentar a partir de 2016, com o governo de Michel Temer (MDB-SP). Os programas de estímulo à produção de alimentos pela agricultura familiar foram minguando, assim como as políticas de escoamento desses produtos.
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“Não há sequer estoques reguladores de alimentos na Conab [Companhia Nacional de Abastecimento]. Frei Sérgio, da coordenação do Movimento dos Pequenos Agricultores, nosso parceiro, disse recentemente que o feijão estocado, se fosse distribuído para toda a população, daria para apenas um dia. A fome não é só culpa da pandemia”, completou Boulos.
Cozinhas nas escolas
As iniciativas de organizações e de pessoas que estão fazendo marmitas em casa para distribuir na comunidade foram elogiadas por Paola. No entanto, ela cobrou do poder público. “As escolas que estão fechadas têm cozinhas. Por que não são abertas? Temos cozinhas e redes de compra, por meio do programa nacional de merenda escolar. É mais comida no prato”, disse, ressaltando que a fome não deve ir embora tão cedo.
Por isso, a cozinheira sugeriu que as cozinhas solidárias sejam estimuladas e organizadas em rede, articuladas com hortas urbanas e agricultura sustentável, sem agrotóxicos, porque “plantar e cozinhar é revolucionário”. Quando a crise sanitária passar, Carosella deseja que esses espaços se transformem no embrião para o resgate da vida comunitária, onde as pessoas possam se juntar para cozinhar, comer e ter um novo modo de vida.