A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 tem data para começar, anunciou o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-RO), na última segunda-feira (19).
Com o início dos trabalhos previsto para a próxima terça (27), o comissão pode encurralar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), acusado de omissão na condução da pandemia no Brasil.
Nas palavras de Matheus Albuquerque, analista de risco político da empresa Dharma Political Risk and Strategy, o governo Bolsonaro irá trabalhar numa lógica de “conter danos e frear o mar de dificuldades que vêm pela frente” durante os 90 dias de funcionamento da CPI.
Além da abertura da comissão, o que em si já é visto como um prejuízo político pelo Planalto, “nesses três meses muitas coisas podem acontecer, como o fim do auxílio emergencial, o agravamento da pandemia, que já é muito dramática, e a escassez de doses. Junto a tudo isso, Bolsonaro precisa também lidar com o fato de as atenções serem direcionadas à sua condução do enfrentamento da pandemia”, avalia Albuquerque.
Esse cenário pode gerar insatisfação popular que recaia sobre os posicionamentos dos parlamentares, pressionando-os a se manifestar contra o presidente. Caso o auxílio emergencial não seja prorrogado, por exemplo, o governo federal irá pagar a última parcela no dia 30 de julho, o que coincide com o fim da CPI, caso esta também não seja prorrogada por mais 90 dias.
Consequências para o presidente
De acordo com a legislação, os integrantes de uma CPI podem realizar diligências, tomar depoimento de qualquer autoridade, inquirir testemunhas, solicitar informações ou documentos de qualquer natureza para um órgão público e até mesmo quebra de sigilos.
Não é possível, no entanto, abrir um processo jurídico contra os alvos da investigação. Os parlamentares devem encaminhar as conclusões para o Ministério Público para que este possa iniciar um processo de responsabilidade civil ou criminal no Judiciário.
A depender dos resultados encontrados pelo caminho, pedidos de abertura de impeachment podem surgir. Esse é o maior temor de Bolsonaro. “Só Deus me tira da cadeira presidencial. E me tira, obviamente, tirando a minha vida. Fora isso, o que estamos vendo no Brasil não vai se concretizar. Não vai mesmo! Não vai mesmo!”, afirmou o presidente em uma de suas transmissões ao vivo às quintas-feiras.
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Além de todo o desgaste político e um possível impeachment em meio a um ano pré-eleitoral, a comissão fustiga uma possível reeleição de Jair Bolsonaro em 2022.
“Levando em consideração que a popularidade de Bolsonaro vem diminuindo com o fim de auxílios e com o agravamento da pandemia, os seus opositores, como o ex-presidente Lula, Ciro Gomes, Luciano Huck, ganham um pouco mais de força num possível embate em um segundo turno para 2022”, afirma o analista político Matheus Albuquerque.
Na última pesquisa realizada sobre os possíveis cenários em 2022, do PoderData, o capitão reformado não derrotaria ninguém. Num eventual segundo turno, Bolsonaro perderia por 18 pontos percentuais para o ex-presidente Lula: 52% contra 34%.
Também perderia para o apresentador da TV Globo Luciano Huck: 48% contra 35%. No cenário mais otimista para o atual presidente, Bolsonaro empataria com João Doria, Sergio Moro e Ciro Gomes: 38% x 37%; 38% x 37%; e 38% x 38%, respectivamente.
Nomes para o comando da CPI preocupa Bolsonaro
Soma-se aos reveses contra o Planalto os nomes já ventilados para ocupar os cargos de comando da CPI. Um acordo estabelecido entre a maioria dos congressistas que irão participar da comissão prevê Omar Aziz (PSD-AM) como presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) como vice e Renan Calheiros (MDB-AL) como relator.
Desses, apenas Aziz é visto com bons olhos pelo governo, ainda que seja crítico da gestão de Bolsonaro durante a pandemia. Calheiros, além de ser oposição ao capitão reformado, é apoiador do ex-presidente Lula (PT).
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“Ele [Renan Calheiros] obviamente é um forte opositor do governo e uma posição de tanto poder como a relatoria desta comissão pode criar problemas para o governo federal. Nesse sentido, o governo possivelmente criará diálogo com aqueles que são apoiadores do seu governo para conseguir retardar ou criar estratégias que consigam frear a condução dos trabalhos referentes à CPI”.
Isso significa que o movimento de aproximação em direção ao Centrão, que começou no início de 2020, deve se aprofundar nos próximos meses, inclusive com possíveis negociações de cargos.
Segundo Aziz, dos 11 integrantes da comissão, há um grupo fechado de sete senadores em torno dos nomes escolhidos. “Temos a maioria e respeitamos a correlação de forças. Se os outros quiserem se somar a nós, serão bem-vindos. Mas não pretendo mudar nada”, afirmou o senador em entrevista ao El País.
A divisão da comissão segue a regra da proporcionalidade das maiores bancadas no Congresso, sendo 11 vagas para titulares e sete para suplentes.
Entre os titulares, conforme disse Aziz, estão Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros, Omar Aziz, Otto Alencar (PSD-BA), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Humberto Costa (PT-PE ) e Randolfe Rodrigues.
Há apenas quatro membros da tropa de choque bolsonarista: Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC).
Os nomes para os cargos de comando serão oficialmente escolhidos na reunião inaugural da CPI, na próxima terça (27). Conforme o Ato do Presidente [do Senado] nº 8, que contém as regras para a reunião, lançado nesta segunda (19), o primeiro encontro será realizado de maneira semipresencial, mas a votação para a presidência e a vice-presidência da comissão será restrita somente aos parlamentares que comparecerem pessoalmente.
Escolhidos os comandantes, a CPI passa então a definir as próprias regras de funcionamento.
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Como forma de retardar o início da CPI, o Palácio do Planalto tem feito pressão sobre os congressistas, por meio do líder do governo no Parlamento, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), para que a CPI funcione totalmente de forma presencial e somente depois de todos estarem vacinados.
É improvável que isso ocorra, uma vez que o formato da CPI é compatível com as atividades virtuais, como afirmou o senador José Serra (PSDB-SP) em entrevista ao portal Congresso em Foco.
"Em CPIs não há contraditório ou ampla defesa. É um procedimento inquisitivo e a regra é a publicidade. Em caso de necessidade de oitivas secretas, a tecnologia permite o acesso restrito a parlamentares e a assessores designados. Vários direitos já consagrados na jurisprudência dos tribunais podem ser preservados virtualmente. Estamos certos de que a CPI não será prejudicada".
Ampliação para governadores
O objetivo da investigação é apurar o fluxo de compra de vacinas e a promoção, por parte do governo federal, de medicamentos cientificamente comprovados ineficazes contra a doença, como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina.
A CPI também irá investigar se o governo federal ignorou os alertas e os pedidos do governo de Manaus acerca da iminente escassez de cilindros de oxigênio e vagas em leitos hospitalares. Com isso, a expectativa é que a comissão jogue luz naquilo que se tornou a tônica do governo Bolsonaro: a negligência diante da pandemia.
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Em conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), tornada pública pelo próprio parlamentar, o capitão reformado solicitou a ampliação da CPI da covid-19 aos governadores e prefeitos, como forma de tirá-lo da posição de único alvo.
"Se não mudar a amplitude, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana. Tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto, é um limão que está aí. Dá para ser uma limonada", afirmou ao senador.
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Em resposta, o senador Otto Alencar (PSD/BA), que irá presidir a primeira reunião da comissão por ser o parlamentar mais velho entre todos os integrantes da CPI, disse que Bolsonaro “acha que o estamos perseguindo e diz que ele não tem nada a esconder. Mas, quando ele se irrita com a abertura da CPI, é claro que ele veste a carapuça. Ou seja, quem persegue o Bolsonaro é o próprio Bolsonaro. Ele age contra si mesmo, sempre”, disse ao El País.
No entanto, houve a ampliação da CPI aos governadores e a um prefeito, David Almeida (Avante), de Manaus, justamente onde o sistema de saúde colapsou, em janeiro de 2021.
Bolsonaro tenta, desde o início da pandemia, dividir a responsabilidade da crise sanitária com os governadores.
No entanto, iniciativas como o Consórcio Nordeste e a abrangência da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em São Paulo, no Brasil – cerca de 85% de todas as vacinas distribuídas no país são do imunizante chinês – mostram o peso dos governadores no combate ao novo coronavírus se sobrepõe ao movimento negacionista do presidente.
Quem está no banco de investigados do Senado?
A versão preliminar do plano de trabalho da CPI da Covid prevê acareações, quebras de sigilo e a convocação dos principais auxiliares do presidente Bolsonaro para prestarem esclarecimentos sobre ações e eventuais omissões do governo federal no enfrentamento ao novo coronavírus.
Para isso, entram no banco de investigados do Congresso Nacional funcionários do alto escalão do governo, como ministros e ex-ministros, além de secretários do Ministério da Saúde, governadores e o prefeito de Manaus.
Antes, os senadores querem abrir a CPI escutando especialistas, como epidemiologistas, infectologistas e sanitaristas. “Eles terão de dar as primeiras respostas para sabermos porque chegamos até aqui”, disse Randolfe Rodrigues.
Depois, dois nomes, por enquanto, são centrais: do general e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em relação ao primeiro, a CPI quer apurar a omissão do governo federal no envio de oxigênio para a capital do Amazonas e o uso do aplicativo TrateCov, que preconiza o tratamento precoce da doença com medicamentos cientificamente comprovados ineficazes.
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Do ministro da Economia, a comissão quer saber sobre o funcionamento do auxílio emergencial e outras medidas de socorro durante a pandemia.
Os senadores também querem ouvir os dois outros ex-ministros da Saúde, o oncologista Nelson Teich e o ortopedista e ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta, e não está fora do baralho a possibilidade de escutar o atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga.
Também devem ser ouvidos o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para prestar esclarecimentos sobre as tratativas da compra de vacinas no exterior, e Fernando Azevedo, ex-ministro da Defesa, para falar sobre o aumento da produção de cloroquina pelo Exército.
Confira a lista de autoridades que a comissão pretende ouvir:
Eduardo Pazuello - ex-ministro da Saúde;
Henrique Mandetta - ex-ministro da Saúde;
Nelson Teich - ex-ministro da Saúde;
Marcelo Queiroga - atual ministro da Saúde;
Elcio Franco - ex-secretário executivo do Ministério da Saúde;
Airton Cascavel - ex-assessor especial do Ministério da Saúde;
Luiz Otavio Franco - secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde;
Helio Agotti - secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde;
Mayra Pinheiro - Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde;
Paulo Guedes - ministro da Economia;
Bruno Funchal - secretário do Tesouro;
Nilza Emi - Secretária Nacional do Cadastro Único do Ministério da Cidadania;
Ernesto Araújo - ex-ministro das Relações Exteriores;
Otávio Brandelli - secretário-geral do Itamaraty;
Fábio Wajngarten - ex-secretário de Comunicação Social;
Flávio Rocha - secretário de Assuntos Estratégicos e ex-secretário de Comunicação Social;
Edson Pujol - ex-comandante do Exército.
Edição: Poliana Dallabrida