No seu pior momento político, o governo exibiu toda sua incompetência para enfrentar a CPI
Olá! Até hoje, Jair Bolsonaro jogou na ofensiva e teve a iniciativa no jogo político. Agora, acuado diante de uma CPI, o governo acumula derrotas e ainda vê mais problemas no horizonte com a economia, as amizades milicianas e o meio ambiente.
1. Todo mundo em pânico. No seu pior momento político, o governo exibiu toda sua incompetência e falta de unidade para enfrentar a CPI. Começando pelo fracasso da liminar encomendada para proibir o voto em Renan Calheiros para um cargo em que não há eleição. O gesto foi entendido pelos senadores como uma provocação e tornou sem efeito outra manobra, a que tentava agradar Renan com uma indicação de aliado ao TCU. A lista de respostas da Casa Civil às acusações também se tornou uma confissão antecipada. Numa inacreditável sequência, o ex-ministro Pazuello passeou sem máscara; o general Luiz Eduardo Ramos confessou que tomou a vacina escondido; Paulo Guedes chamou o vírus de criação chinesa e o atual ministro da Saúde admitiu que não sabe quando vai entregar as próximas doses. O Planalto ainda viu o líder do centrão votar contra o governo. Além disso, o governo aposta em duas estratégias fadadas ao fracasso. Primeiro, a mirabolante ideia de defender a cloroquina na CPI, como mostram os requerimentos governistas elaborados dentro do Palácio do Planalto. Segundo, jogar toda culpa no general Pazuello, como aliás, já estão fazendo Mourão e o exército. A CPI está sendo preparada para sangrar Bolsonaro até 2022 e não vai se contentar só com a cabeça do ex-ministro. Para começar, a Comissão vai mirar na crise da saúde em Manaus e nas onze recusas do governo em adquirir vacinas. Mas os requerimentos incluem ainda o “gabinete do ódio”, os documentos da CPI das fake news e os ministros Marcos Pontes e Damares Alves. Da sua parte, Bolsonaro vai continuar atacando os governadores com seu aparato jurídico-policial e acenando com a vaga no STF para os aliados. O problema é que ela é uma só e interessa tanto à Augusto Aras quanto à exigente base evangélica no Congresso.
2. Mortalmente estável. Com mais de 200 mil óbitos só nos quatro primeiros meses deste ano, a irresponsabilidade do governo vai além dos cortes das bolsas de pesquisa do CNPq para cientistas. Cerca de 25% das cidades do país pararam a vacinação por falta de doses, segundo a Confederação Nacional dos Municípios. O Ministério da Saúde contribuiu com a desorganização do processo ao mudar pela segunda vez as orientações sobre a prioridade de aplicação da primeira e da segunda dose. E, podem acreditar, Marcelo Queiroga “achou” 100 mil doses da Coronavac perdidas nos estoques do Ministério. Para piorar, a rejeição da Sputnik-V pela Anvisa jogou um balde de água fria nos 12 estados que solicitaram a aprovação da vacina russa. A decisão é inédita, grave e polêmica. Apesar de crítico à política sanitária do governo, o ex-diretor da Anvisa Gonzalo Vecina Neto defendeu a decisão da agência. Seja por motivação política, como acusam os representantes russos, seja por razões puramente técnicas, o fato tem repercussões geopolíticas, já que a Sputnik-V está sendo utilizada em 62 países. Apesar do revés, os governadores do consórcio nordeste pretendem contestar a avaliação da Anvisa e cogitam ir à Justiça se necessário. A única boa notícia foi que nesta quinta (29) o Senado aprovou o projeto de lei de autoria de Paulo Paim (PT-RS) que autoriza a quebra de patentes das vacinas contra o coronavírus no Brasil. Mesmo com os elevados índices de contaminação e de óbitos, assiste-se a uma nova ofensiva pela reabertura das escolas em estados como São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Porém, especialistas da Fiocruz alertam que mantendo o patamar atual poderemos ultrapassar os 600 mil mortos até o final do primeiro semestre. E já há quem fale de uma terceira onda da pandemia no Brasil que poderá ser agravada pelas aglomerações familiares no dia das mães.
3. Telhado de vidro. As relações íntimas entre a família Bolsonaro e as milícias cariocas deveriam ser tratadas com mais gravidade. Mas de tão frequentes, quase se tornaram banais. Não se trata só da alusão que Bolsonaro fez a uma gíria típica do universo miliciano - “CPF cancelado” - com foto postada nas redes sociais. A denúncia do portal Intercept de que o Ministério Público carioca grampeou ligações de milicianos vinculados ao chefe do chamado Escritório do crime para uma pessoa identificada como “Jair”, “O cara da casa de vidro” e “HNI (PRESIDENTE)” deveria ter sido recebida como uma bomba. Certamente há muitos Jairs, casas de vidros, mas seria muita coincidência que todos eles fossem presidentes de alguma coisa. Ou da República. A denúncia parece tratar mesmo do dito cujo, tanto porque a investigação foi imediatamente suspensa, visto que os MPs estaduais não podem investigar o presidente da República. Mas também porque são fartas e públicas as relações entre a família e o Escritório do crime. Como lembra o jornalista Bruno Paes Manso, a partir de 2014 Fabrício Queiroz deixou de ser apenas uma peça burocrática, o gestor da rachadinha, para ampliar os vínculos dos Bolsonaro com as milícias. O coquetel ideológico que os une precisa de um antiestatismo radical (olá, Paulo Guedes), porque só há milícia onde não há Estado, combinando a apologia do armamento da população com a defesa de uma noção de liberdade individual em face da autoridade do Estado. E, como lembra Celso Rocha de Barros, o problema não está no passado, mas na ameaça constante de que Bolsonaro se valha das polícias e milícias para sobreviver pela força à crise política.
4. Instituições funcionando. Tal como Paulo Guedes, que desconhecia o número de “invisíveis”, sem renda no Brasil, o governo continua preferindo esconder a cabeça num buraco. Pelo menos é o que indica o cancelamento do censo do IBGE. Porém, agora as instituições estão funcionando, e “até demais”. O ministro do STF Marco Aurélio Mello determinou que o governo execute o censo ainda este ano. O problema, como lembra Gilberto Maringoni, é que censo não se improvisa. E como o orçamento do IBGE foi cortado, a decisão gerou preocupação nos servidores do Instituto que consideram que não há mais condições de realizá-lo este ano. Por outro lado, o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro se desmancha a olhos vistos sob pressão do centrão. Paulo Guedes tenta mostrar boa vontade e arrumar a casa, gerando duas novas baixas no Ministério da Economia, o secretário especial da Fazenda Waldery Rodrigues e a assessora especial Vanessa Canado. Por um lado, o ministro ganhou alguns pontos com o empresariado emplacando a MP 936 que permite redução de jornada de trabalho e salários. Por outro, a verdade é que parte da política econômica agora é feita pelo Judiciário e pelo Congresso. Com o preço do arroz e do feijão subindo 60% ao ano, segundo dados da FGV, o STF tomou para si os interesses da maioria e determinou que o governo institua um programa de renda básica que deve ser incorporado no orçamento de 2022. Com o vazio deixado pelo governo, até Augusto Aras se aventura na política econômica. Durante julgamento ajuizado por PT e PSol no STF, o procurador-geral da República solicitou a inconstitucionalidade da autonomia do Banco Central, aprovada pelo Congresso em fevereiro e sancionada por Bolsonaro. Já no Congresso, enquanto o Senado se mantém ocupado com a CPI da Pandemia, quem toca a pauta econômica e acena para o mercado é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que trabalha para retomar as reformas administrativa e tributária.
5. Em cinzas. Durou menos de vinte e quatro horas a versão “amigo da natureza” de Bolsonaro. Foi só saírem da videoconferência da Cúpula do Clima que Bolsonaro e Ricardo Salles cortaram justamente os recursos relacionados às mudanças climáticas, ao controle de incêndios florestais e ao fomento a projetos de conservação do meio ambiente. Ao contrário do incremento prometido aos líderes globais, Bolsonaro cortou R$240 milhões do Ministério do Meio Ambiente. E, nem bem tinha acabado a Cúpula, as praias do nordeste foram novamente atingidas, desta vez não por petróleo mas por uma montanha de mais de seis toneladas de lixo, inclusive hospitalar, de origem ainda desconhecida. E, por pouco, o Senado não votou o PL 510/2021, ou “PL da grilagem”, que iria facilitar a apropriação privada de terras públicas na Amazônia, acelerando o desmatamento. A verdade é que Bolsonaro não enganou ninguém na Cúpula e sua participação foi solenemente ignorada pelas potências mundiais que sabiam que ele só participava de temas internacionais para expressar seu amor não correspondido por Donald Trump. Sem seu grande ídolo, Bolsonaro pouco participou e despertou pouco interesse dos demais. Sem confiar no Brasil, o dinheiro para preservação está indo para outros países, como Colômbia e Indonésia. Mas, se só os problemas internos afetam Bolsonaro, talvez seja bom começar a se preocupar de fato com Ricardo Salles e o meio ambiente. Estimulados pela CPI da Pandemia e pelo contundente depoimento do delegado afastado da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva, a oposição prepara o pedido de uma CPI para investigar a devastação ambiental. Se colar, Bolsonaro vai ter que enfrentar dois flancos de ataques ao mesmo tempo e em outra área em que o governo é pródigo em gerar provas contra si mesmo.
6. Ponto Final: nossas recomendações.
.A política por trás da invasão de intimidade. No Outras Palavras, o economista Ladislau Dowbor apresenta seu novo livro sobre a sociedade vigiada na era das tecnologias da informação.
.Monocultura da soja pode deixar o brasileiro sem arroz e feijão na mesa. A partir de dossiê lançado pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, Catarina Barbosa do Brasil de Fato mostra os efeitos do avanço da monocultura da soja nas últimas décadas.
.Paul Singer: uma utopia militante. No A terra é redonda, Luiz Prado explora as diversas facetas do documentário sobre a vida e a obra de Paul Singer.
.Diversidade Racial e de Gênero nos 87 anos do Oscar. infográfico do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas mostra como é longo o caminho para a diversidade racial e de gênero em Hollywood.
.Como Jorge Amado e Dorival Caymmi encantaram a URSS. Podcast da BBC Brasil conta como “Capitães de Areia” se tornou a obra de referência de uma geração de jovens soviéticos, incluindo Vladimir Putin.
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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato, editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Poliana Dallabrida