A aguardada inquirição de Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, acabou sem que o ex-bolsonarista apresentasse nomes, documentos ou qualquer nova informação que cooperasse para os fins da CPI da Pandemia, que pretende apurar a responsabilidade do governo federal na crise do coronavírus.
A reunião da CPI começou às 10h30 desta terça-feira (4), mas a primeira pergunta só foi feita 11h35, pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da comissão. Por uma hora, os parlamentares governistas travaram a agenda com questões de ordem que irritaram o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM).
“Não é a primeira vez que o senhor gasta meia hora para uma questão de ordem. Vossa Excelência seja objetivo em sua questão de ordem”, pediu Aziz, chamando a atenção do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que tentava atrasar a CPI, em parceria com Ciro Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-AL).
Em um dos poucos momentos que saiu da previsibilidade, Mandetta expôs Nogueira ao constrangimento. Após o senador ler sua pergunta, o ex-ministro afirmou que a mesma indagação chegou, por engano, em seu celular no dia anterior, encaminhada pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria.
“Ontem, eu recebi essa pergunta, exatamente nessa íntegra do ministro Fábio Farias. Acho que ele inadvertidamente mandou para mim a pergunta. Quando eu ia responder, ele apagou a mensagem. Então vou responder para o senhor e também para o meu amigo Fábio Faria”, explicou Mandetta.
Nogueira e Faria queriam saber porque o ex-ministro havia recomendado que as pessoas procurassem os hospitais somente em casos de sintomas graves.
"Quando temos doenças virais, você tem alguns princípios e questionamentos a fazer: temos vacina? Não temos. Temos medicamento retroviral? Não. Como vamos conduzir? Vamos observar o paciente, vamos vê-lo, vamos cuidar desse paciente", respondeu Mandetta.
A pergunta escancara que o governo federal usa senadores para tentar influenciar o andamento da CPI e orienta o comportamento dos bolsonaristas.
Visivelmente constrangido, Fábio Faria publicou um vídeo em suas redes sociais. "Comentei com ele. Já tinha falado disso em várias entrevistas e nunca tinha ouvido palavra do senhor. Então, quem sabe agora, na CPI, seja o momento em que o senhor possa esclarecer isso para os brasileiros."
Sem novidades
Durante o depoimento, Mandetta evitou o confronto direto com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e justificou suas decisões à frente do ministério. Nas raras vezes em que cruzou a fronteira, acusou os filhos do presidente de interferirem em decisões do governo sobre a pandemia.
“Eu vi reunião de ministros em que o filho do presidente, que é vereador no Rio de Janeiro (Carlos Bolsonaro (Republicanos)), estava sentado, tomando notas”, explicou Mandetta, que em outro momento acusou os herdeiros de Bolsonaro de vetarem uma reunião entre o Brasil e a China.
“O filho do presidente, o Eduardo estava em rota de colisão com a China. Eu fui em uma reunião no Palácio do Planalto em que estavam os três filhos do presidente e mais assessores e disse a eles que precisava falar com o embaixador da China. Posso trazer aqui? ‘Não’. Eles tinha uma dificuldade de superar essas questões.”
Mandetta, que não esconde suas pretensões eleitorais para 2022, quando deve ser candidato à presidência ou ao governo do Mato Grosso do Sul, seguiu levando em banho maria o depoimento e evitando o confronto com Bolsonaro. Quando perguntado sobre os critérios usados para tomar decisões à frente do ministério, respondeu pragmaticamente.
“Todas as recomendações, as fiz com base na ciência, vida e proteção. As fiz em público, as fiz nos conselhos de ministros e as fiz diretamente a todos os secretários municipais e estaduais”.
Após insistência de Renan Calheiros, Mandetta confirmou que havia discordância de sua posição com o Bolsonaro.
Sobre isolamento, sem citar nomes, o ex-ministro admitiu que havia resistência no governo. “O que eu vi, foi o que todos viram. Nós fizemos as recomendações em três pilares: preservar vida, quem não valoriza a vida, tem dificuldades com essa doença; o segundo era o SUS, que fosse um meio; e o terceiro pilar, a ciência. Eu vi várias (pessoas) que ficaram fora desses pilares e acabaram conspirando a favor (do vírus).”
Mandetta afirma que passava ao presidente as previsões de mortos no Brasil com o avanço da pandemia, mas ele as ignorava em público. “Eu torcia muito pelas teorias que o vírus não chegaria no Brasil, mas não podia considerar. Se eu adotasse aquela teoria, teria sido uma carnificina.”
“Cada vez que se conversava com o presidente, ele compreendia. A gente falava: 'Olha, não pode aglomerar; não vamos aglomerar; vamos usar máscara; usa o álcool gel'. Então, a gente saía de lá, sim, animado, porque era um corpo total que falava: 'ok.'. E ele compreendia, ele falava que ia ajudar. Só que passavam dois, três dias e ele voltava para aquela situação de aglomerar, de fazer as coisas”, lamentou Mandetta.
Pouco criativos e previsíveis, os senadores não conseguiram arrancar do ex-ministro nenhuma denúncia ou fato relevante que já não tenha sido noticiado.
Como a tentativa do governo de modificar a bula da cloroquina, colocando em seu novo texto que o medicamento seria útil contra o coronavírus, fato que já havia sido publicado pela imprensa em maio de 2020.
Edição: Leandro Melito
