Imagine chegar ao final do mês sem ter certeza de quanto receberá pelo seu trabalho e, ainda por cima, receber um valor menor do que geralmente recebe. Esse é o problema enfrentado por produtores de leite em Rondônia, que protagonizaram uma intensa paralisação ao longo das últimas semanas após a redução do valor pago pelos laticínios no litro do produto.
A média da remuneração varia de laticínio para laticínio em Rondônia, mas, os produtores sentiram uma brusca queda em abril. Fator que fez com que até 70% da categoria entrasse em greve no ápice da mobilização que reivindicou o valor mínimo de R$1,60 para cobrir os gastos da produção. Para fins de comparação, a média da quantia entregue aos trabalhadores em março foi de R$1,20.
Alessandra Costa Lunas, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Rondônia (Fetagro), afirma que em todo o estado são processados 1,6 milhão de litros de leite por dia.
Segundo ela, a falta de referência para os preços é um problema de longa data no estado e o Conselho Paritário de Produtores e Indústrias de Leite (Conseleite) passou o último período com o trabalaho desativado, sem manifestar-se sobre as cotações de referência e sem atualizar os custos de produção.
Isso porque o relatório com tais informações técnicas geralmente é produzido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR/FUNPAR), contratada pela Secretaria de Estado da Agricultura para fazer o levantamento do custo de produção do produtor e das indústrias. No entanto, nos último três meses o convênio os pesquisadores foi suspenso, o que implicou na ausência dos dados atualizados e que, agora, serão retomados.
“Tentamos mediar essa situação. É claro que a subida dos preços dos insumos foi assustadora no fim de 2020 e principalmente nesses primeiros meses do ano. Praticamente triplicaram de preço os insumos enquanto o preço do leite teve essa queda de uma só vez”, comenta Costa sobre a série de tentativas de negociação desde que a paralisação teve início.
No fim de abril, representantes da Fetagro e da Federação da Agricultura e Pecuária de Rondônia (Faperon) sentaram à mesa novamente com o Sindicato das Indústrias de Laticínios de Rondônia (Sindileite-RO) e chegaram a um consenso que arrefeceu a paralisação da categoria.
Os laticínios alegaram, na ocasião, que possuem grandes estoques de leite que não estão sendo encaminhados para comercialização devido a crise socieconômica e menor poder de compra das família, o que, por conseguinte impediria uma maior remuneração dos produtores.
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O resultado da negociação buscou alcançar o custo de produção estimado pela Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia (Emater-RO), de R$ 1,31.
Dessas forma, foi decidida a adição de R$ 0,5 a quantia padrão de R$1,25 para aos produtores em fevereiro e março. Ou seja, agora, o valor mínimo para que os trabalhadores façam a negociação direta com os laticínios é de R$ 1,30.
“Aqui se tem um costume de negociar bonificação direta com o pessoal dos tanques, conforme a estrutura e a condição de cada produtor, não de forma padronizada, no âmbito estadual. Nos próximos 90 dias já temos uma garantia que não haverá baixa e que o pagamento dos latícinios será o valor de referência padrão do Conseleite, mais R$0,5”, afirma a presidente da Fetagro.
Leila Denise, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da coordenação estadual da Via Campesina em Rondônia, conta que alguns produtores chegaram a receber somente R$0,90 pelo litro de leite no mês passado.
A militante afirma que a política de incentivo dos laticínios, na qual a depender da quantidade de leite produzida pelas famílias se oferece um bônus, faz com que muitos produtores foquem no monocultivo e dependam única e exclusivamente da renda do leite.
“O custo da produção do leite, em função de várias normativas e regras que se dão nessa cadeia produtiva, é caro. Tem famílias que tem um pasto bom, mas muitas dependem de insumos de fora. Adquirir rações balanceadas para manter a qualidade da produção de leite, por exemplo”, explica Denise.
Ela critica a oscilação no valor que os produtores recebem e aguarda com a ansiedade o pagamento referente a produção de abril.
“Como o preço do leite não é baseado de fato no custo, é pautado pelo mercado, cria uma instabilidade muito grande. O que poderia garantir uma estabilidade melhor? O governo federal constitur uma política de preço mínimo para todos os produtos agrícolas”, diz Leila.
“Não temos nenhuma política pública para a produção leiteira. O que o Estado de Rondônia são incentivos fiscais para os laticínios. Para o produtor de leite e agricultura camponesa, há inexistência de políticas públicas, de estoque e de produção de alimentos”, critica.
Outro elemento apontado pela produtora é a dinâmica de monopólio das empresas de laticínios que atuam na região, que, conforme ela relata, invibilizam pequenas agroindustrias cobrindo o preço de mercado, atropelam cooperativas e fazem com que os “produtores de leite sejam prisioneiros das grandes indústrias”.
Alessandra Costa, presidente da Fetagro, afirma que cerca de 70% do leite produzido em Rondônia é utilizado na produção de muçarela, um índice que torna urgente para os produtores encontrar uma alternativa à produção e explorar outros mercados.
Ela sugere a criação de um “PAA Leite” como uma boa saída, referindo-se ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), um das principais políticas de apoio e incentivo à agricultura familiar no Brasil.
Por meio da iniciativa, pequenos agricultores vendem a produção para órgãos públicos que repassa os alimentos para a parcela da população mais vulnerável.
A doação de alimentos foi um dos aspectos que marcaram a paralisação em Rondônia. Em greve, os produtores decidiram se somar a ações que já vinham sendo feitas por movimentos como Comissão Pastoral da Terra, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragens e MPA.
De acordo com Leila Denise, do MPA, foram doados mais de cinco mil litros de leite.
“É o momento de fazer diálogo com esse povo na cidade, que é consumidor. Por mais que o agricultor receba R$ 1,20, o preço praticado no supermercado é de R$4 a R$5, dependendo da região do estado. Sem contar o valor da manteiga, do queijo, do requeijão. E questionamos inclusive a qualidade desses produtos, se eles mantém de fato as propriedades nutricionais”, conclui a produtora.
Edição: Douglas Matos