O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, depôs à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado Federal, por cerca de seis horas nesta terça-feira (11).
Questionado pelos senadores sobre supostas interferências do governo federal, ele poupou críticas a Jair Bolsonaro (sem partido), com quem disse ter "relação de amizade". Porém, suas respostas sobre temas centrais do enfrentamento à pandemia evidenciaram várias divergências com o capitão reformado.
A sinceridade ao tratar de temas considerados espinhosos no atual governo, como isolamento social e medicamentos sem eficácia comprovada, foi elogiada pelos membros da Comissão. Conforme notícia publicada no portal O Antagonista no início da tarde, a postura de Barra Torres na CPI fez Bolsonaro "bufar".
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Barra Torres foi informado pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) sobre a reação do presidente, e respondeu brevemente: “Não tenho controle sobre isso. Não vou modificar absolutamente nada na minha conduta.”
Cloroquina e "tratamento precoce"
A afirmação mais relevante feita pelo presidente da Anvisa foi a confirmação de um pedido de alteração da bula da cloroquina, para que o medicamento passasse a ser recomendado contra a covid-19. O fato já havia sido descrito pelo ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na mesma CPI.
Segundo Barra Torres, Bolsonaro não estava presente na reunião. O pedido teria sido feito pela médica Nise Yamaguchi, amiga do presidente, com quem se reuniu algumas vezes durante a pandemia.
"Não sei quem teve essa ideia [de mudar a bula]", disse Barra Torres à CPI. "Esse pedido provocou até uma reação deselegante da minha parte. Só quem pode mudar a bula é o laboratório fabricante. Não tem nenhum cabimento", completou.
#CPIda Covid I Não sei quem teve essa ideia", disse Barra Torres à CPI. "Esse pedido provocou até uma reação deselegante da minha parte. Só quem pode mudar a bula é o laboratório fabricante. Não tem nenhum cabimento", completou.
— Brasil de Fato (em 🏠) (@brasildefato) May 11, 2021
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Perguntado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) sobre a defesa do "tratamento precoce", encabeçada por Bolsonaro, o presidente da Anvisa foi categórico: "O único 'tratamento precoce' que existe é testagem e diagnóstico precoce. E não contempla a cloroquina, que é um medicamento sem eficácia comprovada contra a covid."
Mesmo no episódio do pedido de alteração da bula, Barra Torres não responsabiliza Bolsonaro. Em várias partes do seu depoimento, o diretor da Anvisa enfatizou que a agência não teve sua autonomia ferida durante a pandemia:
"Seria preciso um poder de convencimento sobrenatural para que toda uma coletividade de técnicos se flexionassem ao desejo de quem quer que seja", disse. "A Anvisa é uma agência de Estado, não de governo."
Atraso na vacinação
Barra Torres afirma que, depois que os documentos requeridos para uso emergencial foram entregues pelos fabricantes de vacinas, o Brasil foi "recordista mundial em termos de celeridade." A análise levou nove dias, em janeiro de 2021.
“Foram apenas 39 dias entre o 1º vacinado no mundo e o 1º no Brasil”, ressaltou.
Perguntado sobre as ofensas e provocações de Bolsonaro e sua família à China, o presidente da Anvisa disse que não vê "nexo causal" entre essas declarações e o atraso na entrega de insumos do país asiático ao Brasil.
Quanto à reprovação, em março de 2021, do laboratório indiano que produz a Covaxin, Barra Torres disse que a negativa foi baseada em “não conformidades técnicas”. Na ocasião, o Ministério da Saúde contratou 20 milhões de doses, mas Anvisa rejeitou a importação.
Imunizante russo
Um dos assuntos mais debatidos durante a sessão foi o parecer negativo da Anvisa para uso da vacina russa Sputnik V no Brasil.
O depoente afirmou que o fabricante apresentou dados conflitantes e não houve resposta a esclarecimentos que a agência brasileira considera essenciais.
O imunizante russo foi autorizado em 58 países, incluindo Argentina e México.
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Antonio Barra Torres lembrou que as fábricas da União Química, que aguardam autorização para produzir a Sputnik V, têm certificado de boas práticas da agência. Porém, "a análise está parada até o fabricante fornecer as informações requeridas."
O presidente da Anvisa relembrou a metodologia de análise da Anvisa para qualquer imunizante. "Não pegamos vacina e colocamos no microscópio para analisar. A análise é feita com base nos documentos enviados pelos desenvolvedores. Foi assim com as 5 vacinas aprovadas, e esta é a dificuldade com a Sputnik V", ressaltou.
"É uma questão regulatória, sem impacto na relação entre Brasil e Rússia", disse ainda o presidente da Anvisa sobre o embate para contratação da vacina. "Vacina não pode ter nenhum vírus replicante, e nos documentos que os russos nos enviaram, esse número é diferente de zero."
Barra Torres acrescentou que a Anvisa entrou em contato com autoridades da Argentina, do México e de outros países que autorizaram a vacina russa para obter mais informações. Porém, segundo ele, os esclarecimentos não foram contemplados, devido a acordos de confidencialidade com o desenvolvedor.
O depoente disse ainda que os dados sobre a vacina russa na Argentina causam preocupação: "Lá, a Sputnik representa 57% do universo vacinal e responde por 92% dos efeitos adversos."
Esses dados foram questionados por pelo menos três senadores, segundo os quais não houve efeitos adversos relevantes no país vizinho.
"Documentos estão chegando, e esperamos que seja possível rever a nossa decisão no futuro", prometeu Barra Torres.
Declarações e aglomerações de Bolsonaro
O presidente da Anvisa rebateu declarações em que o presidente da República desprezou a importância das vacinas e de medidas sanitárias como o isolamento social: “Vão contra tudo que temos preconizado em todas as manifestações públicas da Anvisa. A política de vacinação é essencial”.
Questionado sobre as manifestações convocadas por Bolsonaro no último domingo, Barra Torres reafirmou: "Sou contra qualquer tipo de aglomeração. Não faz nenhum sentido, do ponto de vista sanitário."
Em seguida, o presidente da Anvisa foi perguntado sobre uma foto, de março de 2020, em que ele aparece em uma manifestação em defesa do presidente em Brasília (DF), sem máscara e sem respeitar o distanciamento social. Barra Torres disse que se arrepende de ter participado daquele ato, mas ressalvou que as máscaras só se tornaram obrigatórias no Distrito Federal no mês seguinte.
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Depois do diretor da Anvisa, a CPI ouvirá o ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, que deu entrevistas recentemente dizendo que o Ministério da Saúde não foi diligente diante das ofertas para compra de imunizantes. O depoimento está previsto para quarta-feira (12), a partir das 10h.
Reveja os melhores momentos da sessão desta terça:
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Edição: Vinícius Segalla