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Lustres e filosofia

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Na época, ele estava lendo o último deles. Fiquei curioso, querendo saber o que ele tinha achado, qual foi seu preferido, de qual filósofo não gostou - Unsplash
Eram calhamaços com umas 500 páginas, e ele leu. Todos!

Uma das figuras mais interessantes que conheci eu vou chamar aqui de Arquimedes.

Paraibano, veio para São Paulo, trabalhou como operário numa fábrica de lustres, e ficou craque nisso, um artista.

E era um grande leitor. Lia sem parar.

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Um dia, ele pediu demissão e se associou ao meu amigo Luizim, que também havia deixado o emprego e tinha um dinheirinho da indenização. Criaram uma fabriqueta de lustres.

O Arquimedes comandaria a produção e o Luizim se encarregava das vendas.

Pelo lado do Arquimedes, tinha tudo pra dar certo, mas o Luizim não levava jeito pra vendedor.

Eu estava desempregado e fui com ele pro interior num carro velho cheio de lustres, que eram o mostruário dos modelos à venda. O problema era que em todos os lugares ele encontrava algum amigo e dava a ele um lustre do mostruário.

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Chegou a um ponto que nem tinha o que mostrar aos possíveis compradores. Claro que a fabriqueta faliu.

Pouco antes da falência, fui morar na república do Luizim, em que ele e três amigos ocupavam os dois quartos. Eu dormia numa rede na sala.

O Arquimedes queria que o seu sócio fosse com ele à fabriqueta todas as manhãs. Antes das oito, tocava a campainha, eu me levantava para abrir a porta, aproveitava pra tomar um café e ficava acordado admirando a calma dele.

Mas o meu amigo se levantava sempre depois das 10 horas.

O Arquimedes, pacientemente, esperava ele acordar. Sentava num sofá a lia desvairadamente.

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A Editora Abril tinha uma coleção chamada “Os pensadores”, com 52 livros, que mandava aos compradores um por mês.

O Arquimedes leu todos!

Eu brincava com ele:

- Ô, Arquimedes... Você é o único a fazer isso. Aposto que nem o editor leu a metade...

Eram calhamaços com umas 500 páginas, e ele leu. Todos! Na época, ele estava lendo o último deles. Fiquei curioso, querendo saber o que ele tinha achado, qual foi seu preferido, de qual filósofo não gostou.

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Um dia, quando ele sentou para ler esse último volume, eu vi que faltava só um pouquinho. Acabaria a leitura naquele dia. Fiquei esperando que ele acabasse pra puxar conversa, porque, enquanto lia, não conversava com ninguém.

Na última página, eu nem disfarçava minha curiosidade, fiquei quase à sua frente, esperando...

Ele acabou de ler, fechou o livro, olhou pra mim e falou com sua voz fanha:

- Num concordei com nenhum!

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir