O governo discutiu a proposta de mudança na bula da cloroquina
Olá!
Bolsonaro aposta nos tratores do agronegócio e do Congresso para sobreviver até o próximo ano, mas Renan Calheiros mal começou a colocar lenha na fogueira da CPI que aguarda pelo general Pazuello.
1. Preliminares. Como já era de se esperar, vão aumentando os riscos e o desgaste político daqueles que sentam na cadeira para depor na CPI. A fala do presidente da Anvisa Antônio Barra Torres reforçou os argumentos da oposição ao confirmar que o governo discutiu a proposta de mudança na bula da cloroquina.
Na quarta-feira (12), foi a vez do ex-secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten. O relator Renan Calheiros afirmou que Wajngarten é “a primeira pessoa que incrimina o presidente da República”, referindo-se à hipótese de que havia um comando paralelo ao Ministério da Saúde que tomava decisões a respeito da pandemia.
Wajngarten chegou a ser ameaçado de prisão ao desmentir o que havia dito à revista Veja, quando acusou o ministério de incompetência. O episódio vai render um novo depoimento de acareação entre Wajngarten e o repórter da Veja Policarpo Júnior e um pedido para que o Ministério Público indicie o ex-secretário por falso testemunho.
Pela primeira vez também os bolsonaristas resolveram bagunçar a CPI. A tática de Bolsonaro e família parece ser atacar Renan Calheiros, o que é arriscado pois “queima a última ponte entre o governo e o relator que fará o parecer, que pode contribuir para culpar Bolsonaro, inclusive perante cortes internacionais”.
Já na quinta-feira (13), o representante da Pfizer Carlos Murillo reafirmou que em maio do ano passado ofereceu ao governo brasileiro 70 milhões de doses, mas que na época Pazuello não assinou o contrato justificando problemas jurídicos e logísticos.
Mas tudo isso são apenas preliminares. O depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo pode esquentar ainda mais o cenário, já que telegramas diplomáticos comprovam que ele trabalhou para adquirir cloroquina no mercado internacional. Enquanto isso, o país espera a estrela da CPI, o general Pazuello, que causa calafrios nas forças armadas e pode incriminar decisivamente Bolsonaro.
2. O estranho surto de bom senso. É curioso ver como a CPI já começa a dar resultados e sensibiliza as autoridades. Ainda não é o aumento no ritmo da vacinação que 41% da população esperava da CPI. Pois, mesmo com a chegada de 2,2 milhões de doses da Pfizer, a lentidão deve continuar.
O Brasil está muito mal colocado na 58ª posição do ranking mundial da vacinação e as remessas de insumos da China continuam atrasando, com uma ajudinha dos discursos de Bolsonaro. Apesar disso, depois de mais de um ano de pandemia, o governo resolveu criar uma Secretaria Extraordinária de enfrentamento à Covid.
E o ministro Marcelo Queiroga quer mostrar serviço, dando um jeito de comprar 4,5 milhões de kits para intubação que há meses estão faltando em milhares de municípios pelo país. Em outra frente, o Supremo Tribunal Federal (STF) também dá a sua contribuição ao reduzir o tempo de validade das patentes de remédios, o que pode facilitar a produção de genéricos e similares.
Mesmo assim, nenhuma dessas iniciativas se compara ao efeito que a CPI causou nas redes bolsonaristas. A consultoria Novelo Data mostra que 358 vídeos e 34 canais que divulgavam ideias negacionistas foram excluídos da internet.
Só o comentarista Alexandre Garcia, bastante conhecido por defender ardorosamente a cloroquina, chegou a apagar 109 vídeos desde 14 de abril. Ou seja, mais por medo que por vergonha, agora eles mostram bom senso e querem ser amigos da ciência.
3. A Doce Vida. É difícil acreditar que Bolsonaro vive seu pior momento quando se vê o capitão passeando de moto com apoiadores e fazendo churrasco com picanha de mil reais. É verdade que ele tem usado as fórmulas de sempre para combater a CPI da Pandemia: arroubos autoritários, convocações de seus seguidores e pautas como o voto impresso.
Nada disso deu resultado, mas incrivelmente a popularidade não só parou de cair, como subiu um pouco, segundo a pesquisa Atlas. Assim, Bolsonaro teria lugar garantido num hipotético segundo turno. Já o Datafolha, com números melhores para a oposição, também demonstra que Bolsonaro recua, mas não baixa de 24% de apoio.
Como alerta Ricardo Noblat, a estratégia da oposição institucional de não levar adiante o impeachment e deixar Bolsonaro sangrar até 2022 pode fracassar se o governo “receber uma transfusão de sangue”. Em outras palavras, se a economia melhorar.
O que não é impossível já que os dados de consumo de bens, serviços e uso de energia elétrica pela indústria já apontam para uma recuperação. Também conta a resiliência da popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres: a volta do auxílio emergencial, mesmo com valor reduzido e menos abrangente.
Por isso também, voltou à pauta no Planalto a possibilidade de um programa social robusto que combine o Bolsa Família e o atual auxílio. E, por via das dúvidas, Bolsonaro ataca em outras pontas. No judiciário, Augusto Aras já prevê que não levará a vaga no STF agora e, mesmo em campanha para reeleição na PGR, continua engavetando os problemas do padrinho político.
E não é que o escorpião picou o sapo? Dias Toffoli, que já sonhou em ser o fiel da balança entre a democracia e o bolsonarismo, viu a polícia política federal pedir abertura de inquérito sobre possíveis vendas de sentenças pelo ministro, num duro ataque ao STF.
4 .285 homens e um segredo. Dinheiro no bolso explica não apenas a resiliência de Bolsonaro entre os mais pobres, mas também no Congresso. O Estadão revelou um esquema de R$3 bilhões de recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional distribuídos para 285 deputados e senadores em troca da eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco e do apoio ao governo.
Parte dos recursos era distribuído através de tratores e equipamentos superfaturados em até 259% acima dos preços reais. As cotas individuais eram muito maiores do que as emendas parlamentares legais. Por ano, cada parlamentar pode destinar R$ 16 milhões em emendas. Mas, somente o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, determinou a aplicação de R$ 277 milhões, o que corresponde a 34 anos de emendas.
Diante das denúncias, todos negaram a existência do esquema, de Bolsonaro à Rodrigo Pacheco, passando pelos senadores, por Arthur Lira e Paulo Guedes. Ainda que, nos bastidores, Guedes tenha aproveitado para alfinetar seu arqui-inimigo no governo Rogério Marinho, apelidado de “fura teto”.
É verdade que o assunto não está encerrado. O Ministério Público e o Tribunal de Contas devem investigar o caso e a oposição cogita a possibilidade de uma nova CPI, que pode emperrar num pedido de instalação pelos próprios beneficiados.
A tranquilidade proporcionada por R$ 3 bilhões em emendas é suficiente para a base governista mudar os ritos de tramitação de urgência de projetos na Câmara, reduzindo a capacidade de obstrução da oposição, e instaurar a malfadada comissão para avaliar o voto impresso.
Por outro lado, só dinheiro no bolso não é garantia de articulação política, como se vê pela reforma tributária, uma das prioridades do governo e do mercado, que continua patinando no Congresso.
5. A salvação da lavoura de Bolsonaro. Se a sobrevivência de Bolsonaro passa pela economia, o agronegócio pode ser sua bóia salva-vidas. Ironia das ironias, os dois países que fizeram o contrário de Bolsonaro no combate à covid, a China e os EUA da gestão Joe Biden, experimentam uma retomada da economia e demandam minérios e alimentos da periferia.
A safra de grãos, por exemplo, deve crescer 4% e alcançar 264,5 milhões de toneladas até o final do ano. O novo boom de commodities não deverá ter a mesma abrangência dos anos 2000, mas impulsionará o agronegócio e a mineração, dois setores em permanente lua de mel com Bolsonaro.
A velocidade de Fórmula 1 com que a boiada passa na questão ambiental - literalmente abrindo caminho para o desmatamento, a soja e a pecuária - comprovam que o governo nunca se sentiu realmente constrangido pela Cúpula do Clima.
De volta à programação normal, Ricardo Salles criou uma portaria que informa com antecedência aos infratores ambientais sobre futuras fiscalizações.
Mas sejamos justos, o ministro conta com a ajuda do judiciário, que liberou parte da madeira ilegal apreendida pela PF e que custou o cargo do diretor do Amazonas, e do legislativo, que derrubou o licenciamento ambiental para 17 tipos de empreendimentos.
É essa sensação de impunidade que permite que o agronegócio cause vítimas pela pulverização aérea de agrotóxicos em Goiás e no Maranhão sem ser incomodado. A mineração também não fica atrás e, incentivados por Bolsonaro, os garimpos ilegais seguem avançando sobre terras indígenas.
No caso mais recente, uma comunidade Yanomami em Roraima foi alvo de ataques armados por garimpeiros nas últimas semanas, sob o olhar silencioso e inerte do Exército e da Fundação Nacional do Índico (Funai). A represália à Polícia Federal no caso indica inclusive a presença do PCC entre os garimpeiros. Não à toa, o agronegócio atendeu aos pedidos de Bolsonaro e vai realizar uma Marcha pela Família neste sábado (15), com a tradicional aglomeração e com as pautas bolsonaristas: impeachment do STF e fim das medidas restritivas.
6. Lei da selva. A disputa por territórios no Brasil não é só uma questão agrária. Há uma semana da chacina do Jacarezinho, inúmeros fatos daquele 6 de maio ainda estão mal explicados. Dentre eles, a real motivação da operação, as circunstâncias, os abusos da polícia e detalhes sobre os 27 civis mortos.
Membros da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Assembleia Legislatva do Rio de Janeiro (Alerj) que estiveram no local relataram cenas de horror, como cômodos cobertos de sangue, além de alterações na cena do crime antes da chegada da perícia.
O MP-RJ criou uma força-tarefa para investigar o ocorrido, mas vale lembrar que o grupo interno que investigava abusos e má conduta policial foi extinto em abril passado, fragilizando os controles sobre o aparato repressivo. Além dos fatos em si, há implicações políticas a serem desvendadas.
Em primeiro lugar, houve um desafio explícito ao STF que determinou que operações policiais não urgentes não poderiam ser executadas durante a pandemia. Por isso, inicialmente a justificativa apresentada foi o combate ao aliciamento de menores pelo Comando Vermelho.
Porém, a nova versão da Polícia Civil confirma que ela teve caráter ilegal. Além disso, está claro que houve uma conduta de extermínio. Mas a verdade é que a lógica do “mata primeiro, investiga depois” não é novidade na Polícia Civil fluminense.
E não está claro é se isto foi uma espécie de retaliação pelo assassinato de um policial no início da operação ou se foi uma ação premeditada. Neste contexto, a visita de Bolsonaro ao Rio de Janeiro na véspera da chacina reforça a hipótese de que a ação visava “tocar o terror” no Comando Vermelho e abrir espaço para a milícia.
Porém, talvez o maior beneficiado tenha sido o governador recém-empossado Cláudio Castro (PSC), interessado em apresentar-se como tolerância zero contra o crime e que viu sua imagem melhorar nas redes sociais. De qualquer forma, tudo indica que este será mais um ato de terrorismo de Estado que ficará impune.
7. Ponto Final: nossas recomendações.
.PMs, milícias e governo Bolsonaro: uma relação de apoio, favores, vantagens, privilégios e carteiradas. Em entrevista para o Instituto Humanitas, a socióloga Jaqueline Muniz analisa os laços entre milícias e o Estado, mas adverte que não há adesão total das PMs ao governo Bolsonaro.
.Ana Cristina Valle, a segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro. O UOL traça o perfil da advogada que tem papel central no esquema das rachadinhas da família Bolsonaro.
.Cinquenta e cinco anos de História do Brasil em 300 cartas. A BBC Brasil celebra a publicação selecionada de correspondências de Celso Furtado com personalidades como Fidel Castro, Darcy Ribeiro e Bertrand Russel.
.Trabalho doméstico: origem racista e perspectivas. A organização antirascista e feminista CFEMEA discute a herança mais visível da escravidão no Brasil: o trabalho doméstico.
.Ruth de Souza, 100 anos de arte e inspiração que revolucionaram o teatro e o cinema brasileiros. O centenário do nascimento da primeira atriz negra a encenar no Theatro Municipal do Rio e a primeira brasileira indicada a um prêmio no Festival de Veneza é lembrado pelo El País.
.Senador Abdias Nascimento, uma vida dedicada à luta contra o racismo. Dez anos após a sua morte, o El País recupera a trajetória do pioneiro do movimento negro brasileiro, deputado e senador Abdias Nascimento.
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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Leandro Melito