O deputado federal Neri Geller (PP-MT), relator da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Projeto de Lei nº 3729/2004), aprovada no dia 13 de maio por 300 votos contra 122 na Câmara dos Deputados, é um dos principais representantes da bancada ruralista.
O texto, enviado para votação no Senado, é considerado a proposta mais radical em termos de flexibilização do licenciamento ambiental já apresentada no Congresso e ameaça Unidades de Conservação, terras indígenas e comunidades quilombolas.
Geller é o atual vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O deputado, que já ocupou o cargo de Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no governo de Dilma Rousseff, em 2014, e por duas ocasiões foi secretário de Política Agrícola do Ministério, em 2013 e 2016, tem berço político em um dos principais polos de soja do país, o município mato-grossense Lucas do Rio Verde, conhecido como a “capital da agroindústria”.
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No município, Geller exerceu dois mandatos como vereador, entre 1996 a 2000 e 2000 a 2004. Nas últimas eleições municipais, o deputado apoiou o candidato Flori Luiz Binotti, que acabou perdendo as eleições. Gaúcho e nascido em Selbach, o deputado, como a maioria dos grandes sojeiros no Mato Grosso, mudou-se para o estado na idade adulta para comprar terras na região.
O deputado foi citado em investigações contra a invasão de terras públicas e fraude na regularização de terras destinadas à reforma agrária no Mato Grosso, em 2014, quando era ministro da Agricultura.
Na mesma operação da Polícia Federal, batizada de Terra Prometida, foram expedidos 52 mandados de prisão. Entre os presos estavam Odair e Milton Geller, irmãos do então ministro.
O grupo foi investigado por aliciar e ameaçar posseiros da Reforma Agrária no assentamento Tapurah-Itanhangá, um dos maiores da América Latina, com 115 mil hectares, obrigando-os a vender seus lotes ilegalmente a preços baixos. As ameaças envolveram pistoleiros armados.
O ex-prefeito de Lucas do Rio Verde Marino Franz também foi preso na operação, apontado como braço financeiro da organização. O grupo movimentou mais de R$ 1 bilhão, segundo a denúncia.
Em doze anos, deputado multiplica por dez o seu patrimônio
Geller é um dos políticos que compõem o Mapa das Terras dos Parlamentares, projeto do De Olho nos Ruralistas. O ex-ministro da Agricultura é dono de terras em dois municípios mato-grossenses onde existem conflitos com povos indígenas que reivindicam seus territórios.
No município de Diamantino, no qual o povo Paresi disputa parte do território, o ruralista possui uma propriedade de 726 hectares. No município de Sorriso, onde Geller tem uma fazenda homônima, existem disputas com os povos Kaiabi, Arapiaká e Munduruku.
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Nas eleições gerais de 2018, Geller declarou à Justiça Eleitoral R$ 9.018.296,15 em bens, montante dez vezes maior que o declarado doze anos antes, quando disputou uma vaga para a Câmara e perdeu. A fazenda em Diamantino aparece nas declarações desde 2006.
Entre os bens declarados nas últimas eleições há um posto de gasolina, o Geller Auto Posto, avaliado em meio milhão de reais, dois terrenos em Lucas do Rio Verde, com 650 m2 e 800 m2, avaliados, respectivamente, em R$ 438.112,00, e R$ 140.000, além de um apartamento no valor de R$ 715.000. O deputado declarou quase R$ 3 milhões em máquinas agrícolas.
Em 2018, o principal doador individual da campanha de Geller, com doação de R$ 100 mil, foi Elizeu Zulmar Maggi Scheffer, primo do ruralista Blairo Maggi, ex-governador do Mato Grosso, conhecido como “rei da soja”.
Geller foi secretário de Política Agrícola quando Blairo Maggi esteve à frente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2016-2019).
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O núcleo familiar Maggi Scheffer já foi multado pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento. Eraque Maggi Scheffer foi autuado por destruição da flora na Fazenda Iguaçu em Rondonópolis (MT).
Outros doadores individuais da campanha de Geller foram autuados pelo Ibama. É o caso de José Izidoro Corso, que colaborou com a campanha do parlamentar com R$ 25 mil, e foi autuado em Gaúcha do Norte, por desmatar a reserva legal do Pontal do Piranha.
A campanha recebeu ainda R$ 19 mil de Inácio Camilo Ruaro e outros R$ 10 mil de Murilo Antonio Ruaro, parentes de Ivo Luiz Ruaro, autuado seis vezes pelo órgão ambiental entre 2012 e 2014.
Preso pela Lava jato, ele foi acusado de participar de esquema da JBS
Ainda em 2018, após ser eleito para o terceiro mandato como deputado federal, Neri Geller foi preso pela Operação Capitu, um desdobramento da Operação Lava Jato, acusado de participar de um esquema de propinas da empresa JBS. Na mesma ocasião foram detidos dois executivos da JBS, Joesley Batista e Ricardo Saud, e o vice-governador de Minas Gerais Antônio Andrade (MDB).
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O inquérito contra o deputado foi instaurado em maio daquele ano, baseado em declarações do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, que denunciou pagamentos de propinas a servidores públicos e agentes políticos que atuavam direta ou indiretamente no Mapa em 2014 e 2015.
A Polícia Federal apurou a atuação de uma organização criminosa formada por empresários e executivos do ramo de processamento de carne bovina. O grupo dependia de normatizações e licenciamentos do ministério e teria pago funcionários do alto escalão em troca da eliminação da concorrência e de entraves no licenciamento de atividades econômicas.
Geller foi solto após três dias, por habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O deputado nega irregularidades
O ex-ministro da Agricultura também foi investigado por abuso de poder econômico pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MT), acusado de realizar doações ilegais, que teriam extrapolado o limite de gastos, para onze candidatos ao cargo de deputado estadual em 2018, promovendo uma relação “íntima e perigosa” com os candidatos.
A Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) pediu a cassação do mandato de Geller e a declaração de sua inelegibilidade para as duas eleições seguintes. Em setembro de 2020, a maioria do Pleno julgou a ação improcedente. O TRE negou no dia 04 recurso da Procuradoria que insistia na acusação.
A denúncia apontava a participação do filho do deputado, Marcelo Piccini Geller, no esquema. Em janeiro de 2020, Marcelo teve seu sigilo bancário quebrado para a apuração de abuso de poder econômico.
Segundo o PRE, entre julho e outubro de 2018, Geller transferiu R$ 4,8 milhões ao seu filho, que, por sua vez, transferiu R$ 2.332.240 ao pai. A ação julgava a movimentação de recursos incompatível com o patrimônio declarado por Marcelo. Este alegou que o dinheiro era proveniente da venda da safra de milho.
Segundo a PRE, o filho de Neri Geller movimentou, entre setembro e novembro de 2018, em outra conta bancária, a quantia de R$ 7,2 milhões a crédito e R$ 7,2 milhões a débito.
Projeto de lei é o maior retrocesso ambiental da história do país
A nova lei de Licenciamento Ambiental proposta por Geller vem sendo amplamente criticada por setores progressistas e ambientalistas por enfraquecer completamente uma das principais ferramentas de regulação da Política Nacional do Meio Ambiente.
Suely Araújo, ex-presidente do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renoáveis (Ibama) e coordenadora do Observatório do Clima, acusou os deputados federais de promoverem o mais grave retrocesso ambiental de décadas. Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), chamou a Lei Geral de “estopim de novas tragédias”.
Organizações não-governamentais, movimentos sociais, parlamentares e ativistas avaliam que a discussão sobre o licenciamento deve chegar no Supremo Tribunal Federal (STF) por considerarem que as alterações no licenciamento contidas no texto de Geller reúnem diversas inconstitucionalidades.
O projeto simplifica processos e cria uma modalidade de autodeclaração, a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que, na visão de especialistas, tornará o licenciamento uma exceção.
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Entre os pontos mais polêmicos da lei está a exclusão de terras indígenas e terras quilombolas não homologadas da avaliação de impacto e adoção de medidas preventivas, apesar de a Constituição prever que terras indígenas e quilombolas ainda em fase de demarcação devem ser igualmente consideradas.
A mudança impactaria 297 terras indígenas, ou 41% do total de áreas com processos de demarcação já abertos na Fundação Nacional do Índio (Funai), além de 84% dos mais de 1.770 processos de oficialização de quilombos já iniciados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A lei dispensa do processo de licenciamento ambiental a pecuária extensiva, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte, obras de serviço público de distribuição de energia elétrica, sistemas e estações de tratamento de água e esgoto sanitário, obras em rodovias, manutenção ou melhoramento de infraestrutura em instalações pré-existentes e pesquisas de natureza agropecuária.
Em suas redes sociais, Neri Geller comemorou a aprovação do PL na Câmara e, em entrevistas, afirmou que o projeto visa destravar e desburocratizar a legislação ambiental.
Em resposta a ex-ministros do Meio Ambiente contrários ao texto, que se manifestaram em carta publicada no dia 10, por considerarem uma ameaça para os biomas brasileiros, Geller afirmou que o relatório não traz “uma vírgula” sobre desmatamento: “Eles que me apontem onde tem alguma vírgula que abre exceção para fazer desmatamento ou degradação”.
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O deputado defende ainda que a nova lei pode gerar mais de R$ 130 bilhões em investimentos, além da criação de empregos e renda no país. Em reportagens publicadas na imprensa regional do Mato Grosso e de Lucas do Rio Verde, a proposta de Geller é elogiada, e seu trabalho, considerado um “avanço para o meio ambiente e para o desenvolvimento de forma sustentável”.
Esse não foi o primeiro projeto do deputado contra o ambiente. Historicamente, Geller se posiciona a favor do uso de pesticidas. Em seu mandato como Ministro da Agricultura ele defendeu que o impedimento do uso de agrotóxicos já banidos em outros países, como o glifosato, relacionado ao desenvolvimento de câncer por inúmeras pesquisas científicas, pode “banir a agricultura brasileira”.