Não se começa uma guerra com um disparo, mas com uma sucessão de desacordos e desencontros. No caso do conflito entre Israel e Palestina, por exemplo, as recentes mortes são frutos de uma série de eventos religiosos e políticos que envolvem os dois povos e muitos agentes externos, sobretudo os Estados Unidos.
Apenas nas últimas semanas, cerca de dez israelenses morreram num ataque atribuído ao Hamas, enquanto mais de 210 palestinos, entre eles 61 crianças, morreram em decorrência da resposta israelense.
Para o professor de história da Universidade da Califórnia campus de Los Angeles (UCLA), James Gelvin, PhD em Estudos do Oriente Médio, a interferência americana nesta parte do mundo ficou mais evidente na década de 1970.
"A aproximação dos EUA e Israel foi parte de uma estratégia norte-americana que previa, por um lado, isolar a União Soviética e, por outro, fortalecer os israelenses de tal modo que o poder árabe seria obrigado a se abrir para negociações", conta à reportagem do Brasil de Fato.
Sempre tentando mostrar uma postura imparcial em relação ao conflito, os Estados Unidos atuaram de maneira incisiva na assinatura dos Acordos de Oslo, em agosto de 1993. Na época, o então presidente democrata, Bill Clinton, intermediou os termos de paz assinados por Yasset Arafat, na condição de presidente da Organização para a Libertação da Palestina à época, e o governo de Israel.
Ainda hoje, as regras previstas no compromisso são conhecidas como "Parâmetro Clinton", que previam, entre outras coisas, a retirada das forças armadas israelense da Faixa de Gaza e Cisjordânia, assim como o direito dos palestinos ao auto-governo nas zonas governadas pela autoridade palestina.
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Embora muitas das propostas não tenham sido colocadas em prática, os Estados Unidos continuaram mantendo certa neutralidade, até a chegada de Donald Trump à Casa Branca em 2017. No mesmo ano, o presidente republicano reconheceu Jerusalém como capital de Israel e transferiu, em maio de 2018, a Embaixada Americana de Telaviv para lá.
"Trump, que até hoje não reconhece sua derrota para Joe Biden, queria garantir sua reeleição agradando todos os grupos possíveis", conta Gelvin, "ele sabia que os judeus americanos são majoritariamente democratas, mas sabia também que os evangélicos apóiam mais as questões israelenses que os judeus. Então, para garantir o voto dessa população, Trump deu a Israel praticamente tudo o que queria, enquanto negava aos palestinos todas suas reivindicações".
A mudança de administração nos Estados Unidos, com a chegada de Joe Biden, trouxe a esperança de mudanças, mas primeiro seria preciso refazer a imagem americana perante o mundo.
"Depois do que aconteceu na gestão de Trump, os Estados Unidos passaram a ser visto como um negociador parcial, o que não é nada positivo", comenta ao Brasil de Fato o escritor e advogado Kenneth Stern, diretor do Centro de Estudos do Ódio da Bard University.
Ainda de acordo com Stern, o Egito talvez possa ter agora uma posição mais relevante no conflito, assumindo, inclusive, o papel de mediador. "O Egito já construiu um relacionamento com Israel e faz fronteira com Gaza, além de ter alguma influência, até certo ponto, sobre o Hamas", diz.
Isso não significa que os Estados Unidos sejam carta fora do baralho. A pressão por uma posição americana é tanta que, na última terça-feira, 18 de maio, o presidente Joe Biden "ameaçando" atropelar os jornalistas e repórteres que levantassem questões relativas à disputa de Israel e Palestina. A brincadeira do presidente americano foi feita no mesmo dia em que a Casa Branca finalmente apóia um pedido de cessar-fogo na região.
Antes disso, três reuniões do Conselho de Segurança da ONU terminaram em impasse depois que os Estados Unidos bloquearam as tentativas de emitir uma declaração conjunta pedindo um cessar-fogo e condenando a resposta de Israel aos ataques de Gaza.
A Casa Branca de Joe Biden enfatizou repetidamente o direito de Israel de se defender, recusando-se a condenar os ataques de retaliação na Faixa de Gaza.
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Para Stern, a única maneira de estabelecer paz nessa região do mundo é com os dois lados, Palestinas e Israel, abrindo mão de algumas de suas exigências, inclusive sobre assuntos religiosos.
Já para o historiador James Gelvin, os Estados Unidos e o mundo deveriam retomar os termos dos Acordos de Oslo, "mas isso é o que deveríamos fazer, e não o que vai acontecer, o que é totalmente diferente".
Segundo o professor, a política americana deve optar pelo silêncio: "Não vai acontecer nada, porque há muito interesse político do lado de Israel, da Palestina e dos Estados Unidos também". E conclui: "A Guerra Fria acabou e a gestão de Trump chegou ao fim. Qual seria o nosso interesse agora? Na administração anterior, era o 'rabo israelense quem sacudia o cachorro americano', mas isso acabou. Então o que nos sobra? Se queremos ser fiéis aos valores que afirmamos ter, então estamos do lado errado da história".
Edição: Rebeca Cavalcante