E assim se passaram 30 anos de um marco de uma das últimas explosões autênticas do rock. Nevermind, álbum do Nirvana lançado em setembro de 1991, conectou-se perfeitamente com seu tempo: com a falta de perspectivas e de idealismo político da juventude. Não toda a juventude. A juventude da classe trabalhadora.
Kurt Cobain, o mítico vocalista, anti-herói do grunge, era filho de uma garçonete e de um mecânico automotivo que se divorciaram na década de 1970, época em que o divórcio ainda era um estigma para uma família.
Nada mais exemplar da marginalização da juventude do que a inabilidade de Kurt em lidar com a indústria e, muito pior, seu suicídio, aos 27 anos, no auge da fama, em 5 de abril de 1994.
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Sua história é símbolo do descaso social e da falência das instituições. Bipolar, deprimido e viciado ele foi a imagem triste e pulsante do grunge. Uma tristeza muito diferente daquela do pós-punk da década de 1980. Enquanto bandas como The Cure, Sisters Of Mercy, Bauhaus e Joy Division eram poéticas e caprichavam na produção e na teatralidade, os grunges dos 90´s eram simples, sarcásticos e despojados.
Nasceram, porém, os grunges e os pós-punks, da mesma origem histórica, do individualismo exacerbado, do aumento dos casos de depressão, do incentivo ao consumismo, da falta de empregos, do aumento da pobreza, do desincentivo a ações coletivas, do fim da Guerra Fria, da sensação de triunfo do neoliberalismo.
O ponto de virada que projetou aquele rock bruto da pequena Seattle para o mundo foi o álbum Nevermind. O que não deixa de ser surpreendente uma vez que as músicas não são fáceis e estão muito longe do padrão da cultura pop. "Smells Like Teen Spirit", "Come As You Are", "Lithium" e "In Bloom" são barulhentas e desarmônicas, a voz é chiada e o visual dos músicos é de dar dó.
O estrelato parece ter sido um acidente para o jovem trio Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. Um acidente que esfregou na cara da sociedade um estilo que é pura contestação. Quando a indústria quis capitalizá-lo, ela só conseguiu destruí-lo.
Desta forma, trinta anos depois de tudo aquilo, só me resta concluir que Nevermind conquistou o posto de um dos principais álbuns de rock da história pela qualidade e porque conseguiu traduzir um sentimento que pesava no íntimo de cada jovem que não vislumbrava seu lugar no mundo.
A barulheira desconexa expressava, afinal, o caos das cidades, o trânsito sufocante, os ambientes fechados e os horizontes estreitos. Era uma forma de desabafo e de ter um novo olhar, mais rebelde, sobre um mundo cada vez mais hostil e opressor.
Tive o privilégio vivenciar isso. Era adolescente quando estourou Smells Like Teen Spirit. Na hora, me rendi. No Hollywood Rock de janeiro de 1993, no estádio do Morumbi, em São Paulo, vi com meus próprios olhos Kurt não se comportar como um artista contratado, se arrastar no palco, não conseguir articular as letras e quebrar algumas coisas... Ninguém, que eu me lembre, saiu de lá contrariado pedindo a devolução do dinheiro do ingresso. Não adorávamos o Kurt apesar disso, adorávamos justamente por isso.
Carolina Maria Ruy é coordenadora do Centro de Memória Sindical
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vinícius Segalla