Ou seja, no final a semana foi morna, mas a CPI ainda não terminou
Olá! Dentro do Senado, o general fujão sobreviveu à batalha da CPI e, no Planalto, Ricardo Salles pode estar com os dias contados. Apesar das baixas e deserções, a República Bolsonarista sobrevive com base nesse equilíbrio precário.
1. Pipoca sem sal. A expectativa com o depoimento do general Pazuello era grande. Afinal, além de poder incriminar Bolsonaro, é a primeira vez que um general da ativa é interrogado por civis, o que nem a Comissão da Verdade conseguiu fazer. Nem parecia o mesmo Pazuello que fugiu diversas vezes do campo de batalha: chegou no Senado de peito estufado ostentando uma “farda invisível”. Se em seu depoimento o ex-chanceler Ernesto Araújo buscou responsabilizar Pazuello e poupar Bolsonaro, o general se esforçou em blindar Bolsonaro mesmo correndo o risco de assumir muitos crimes sozinho. O resultado não foi nem uma fritura em óleo fervente, nem um banho de água fria. Desconsiderando posições anteriores, o ex-ministro inventou o subterfúgio “coisas de internet”, como se o que ele e Bolsonaro falaram nas nas redes não tivessem consequências reais. Sua estratégia foi a de dar respostas vagas, com enganos, omissões e imprecisões e não titubeou em mentir pelo menos 15 vezes. Foi desmentido pelo representante da Pfizer a respeito da negociação de compras de vacinas no segundo semestre de 2020, pelo TCU, que afirmou não ter desautorizado a compra da Pfizer e pelo governo do Amazonas. Mas ainda assim, inventou um conto da carochinha para explicar porque o aplicativo TrateCov estava disponível no site do Ministério da Saúde. Em contraste, ficou evidente o despreparo dos membros da CPI para contestar argumentos e fatos detalhados em tempo real. Devido ao grande número de divergências entre as versões apresentadas pelo general e os depoentes anteriores, membros da CPI cogitam convocar futuras acareações entre as partes. Ou seja, no final a semana foi morna, mas a CPI ainda não terminou e Pazuello ainda deve explicações. E no que tudo isso vai dar? É difícil dizer. Mas um dos fatores decisivos talvez não esteja no Congresso e sim num navio que chegou ao litoral maranhense vindo da África do Sul: são seis casos de infecção com a cepa indiana do coronavírus. Caso se espalhe, a nova variante pode impulsionar uma terceira onda da pandemia no Brasil e agravar a crise política.
2. A vingança de Akuanduba. Desde o início do governo Bolsonaro o meio ambiente se tornou um dos temas favoritos das narrativas negacionistas. Bolsonaro contestou dados do Inpe sobre desmatamento, atacou os indígenas e defendeu madeireiros e mineradores. O exemplo mais drástico da consequência desta narrativa é o massacre cotidiano sofrido pelo povo Yanomami, assolado pela fome, falta de atendimento médico, e pela invasões de seus territórios. Na última semana, duas crianças yanomami foram encontradas mortas depois do ataque de garimpeiros a uma reserva indígena em Roraima. Ainda, segundo pesquisadores da USP, o desmatamento em áreas de mineração ilegal aumentou 90% entre 2017 e 2020. Da mesma forma, a grilagem andou solta na Amazônia nos últimos dois anos, com a apropriação ilegal de uma área maior que o estado de Pernambuco. Agora, com a operação Akuanduba autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes entra em pauta a responsabilidade de tanta destruição. A Polícia Federal investiga a participação do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, do presidente do Ibama Eduardo Bim e de outros nove agentes públicos num esquema de exportação ilegal de madeira. As investigações tiveram início em janeiro e apoiaram-se em denúncias feitas por autoridades estrangeiras. A suspeita foi reforçada pela denúncia do superintendente da PF no Amazonas Alexandre Saraiva feita em abril de que agentes públicos estavam dificultando as investigações de crimes ambientais na região. A hipótese é reforçada pela reportagem da Pública que relata como a família Dacroce, do setor madeireiro, procurou Salles na época para resolver um “problema” com a fiscalização da PF. O deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) já pediu o afastamento do ministro. Para além dos desdobramentos específicos, com esta investigação o governo perde de vez a bandeira anticorrupção, e a decisão do ministro Alexandre de Moraes azeda ainda mais a relação entre o governo e o STF.
3. O teu futuro é duvidoso. O antibolsonarismo não só se tornou a maior força política do país, como constata Thomas Traumann, como é quem assumiu a iniciativa da disputa política com a CPI da Covid e o desempenho de Lula nas pesquisas. E os primeiros a perceberem o enfraquecimento de Bolsonaro são os próprios aliados. O PRTB se tornou o nono partido a negar o controle da legenda para Bolsonaro, que continua sem uma filiação para disputar a eleição. Ter a máquina na mão num regime presidencialista e não conseguir criar a Aliança pelo Brasil ou se acomodar em uma das dezenas de siglas existentes e ameaçadas pela cláusula eleitoral, é um mau sinal que o centrão já entendeu. Não à toa, dois dos mais leais bolsonaristas investem em suas “carreiras solo”. Ao mesmo tempo em que se tornou interlocutor com o mercado financeiro, Arthur Lira avança com as pautas conservadoras, que interessam ao governo, mas de forma independente. Já Augusto Aras, resignado com a impossibilidade de uma cadeira no STF, trabalha para a própria recondução na PGR. O descontentamento inclui a Frente Parlamentar Evangélica, que tem sua própria preferência para a cadeira do STF e que não é André Mendonça, favorito de Bolsonaro. O fracasso em campo e nas redes sociais na CPI da Covid leva ex-ministros, deputados e o próprio governo a mudarem o discurso e, depois de um ano, apoiarem as vacinas.
4. Trupe do Barulho. O dilema do bolsonarismo é que parte do antipetismo e dos eleitores de 2018 pularam fora do barco e não pensam em votar no capitão em 2022. Para recuperar estes eleitores, Bolsonaro precisaria mudar mas, ao contrário, sua tática continua sendo insistir no seu bolsão de cerca de 25%, seguindo o jogo a que eles estão mais habituados: criar conflitos para confundir a opinião pública e dar audiência para assuntos secundários. Vide as prioridades das ações do governo: um programa de apoio aos caminhoneiros, a deportação de diplomatas venezuelanos ou ameaças golpistas. A linha é seguida pelos parlamentares que são governistas fiéis. Uma das táticas é insistir na pauta do voto impresso, que ganhou uma comissão especial na Câmara hegemonizada pelos governistas. Outra, é tumultuar as discussões que desagradam à base conservadora, como é o caso da comissão especial que discute o PL sobre a regulamentação de medicamentos à base de cannabis. Um sinal de que esta continuará sendo a única tática do bolsonarismo está na decisão de Bolsonaro em entregar novamente toda sua estratégia de comunicação para seu filho mais psiquicamente instável. Carluxo é também responsável pela Abin paralela dos sonhos do seu pai, ainda que isto o coloque em rota de colisão com os militares aliados para favorecer uma empresa israelense na compra de um software de espionagem. Se depender do número de participantes da Marcha da Família Cristã pela Liberdade, a aposta pode ser um fracasso .
5. Transfusão de sangue. O grande eleitor de Bolsonaro pode não ter entrado em campo ainda. Se Bolsonaro sobreviver à CPI, uma melhora econômica seria uma tábua de salvação para que a avaliação do seu governo subisse. Na semana passada falamos do boom dos commodities alavancando lucros nesta área. Nesta semana, outros sinais de uma recuperação econômica aparecem, por exemplo, na arrecadação dos Estados. O ICMS de 18 Estados somou R$ 152,2 bilhões de janeiro a abril, com avanço nominal de 19,6% em relação ao mesmo período do ano passado, e de 21,4% ante o ano de 2019. É verdade que somente os bancos tiveram um desempenho impressionante. Os cinco maiores bancos do país somaram R$26,4 bilhões de lucro líquido só no primeiro trimestre. Mas, surpreende também que o lucro de empresas com capital aberto na Bovespa tenha aumento de 245% no primeiro trimestre. Mas, há de se perguntar também que economia é essa que sairá da pandemia e em que medida se aprofundam as transformações no mundo do trabalho. A desconcentração industrial está em curso, com migração de indústrias do sudeste para o sul e nordeste, mas com baixo valor tecnológico agregado ao trabalho no país. Já o reatamento do namoro entre Bolsonaro e o mercado financeiro passa necessariamente pelas reformas e pelas privatizações. E, nos bastidores, poucos acreditam que o governo consiga levá-las adiante. Por enquanto, a reforma administrativa foi a única a avançar, com a leitura do parecer do relator Darci de Matos (PSD-SC), propondo a exclusão de dois pontos do projeto do governo. O parecer exclui a proibição de que servidores de carreiras típicas do Estado (como policiais) possam exercer qualquer outra atividade remunerada e a extinção pelo Presidente de autarquias e fundações públicas por decreto. Vitória para o governo mesmo, só a aprovação da MP que permite a privatização da Eletrobrás, ainda que a oposição tente reverter ou atrasar através do STF.
6. Ponto Final: nossas recomendações.
.Os crimes que cercam a família Pazuello. Na Jacobin, a relação entre a família Pazuello e os grupos de extermínios, assassinatos e tráfico de drogas na região amazônica.
.Podcast Quem (ainda) são os bolsonaristas?. Longa e necessária entrevista da pesquisadora Isabel Kalil sobre a ideologia e o comportamento dos extratos mais radicais do bolsonarismo.
.PSDB, um partido sem futuro. O cientista político Luis Felipe Miguel escreve sobre o impacto da morte de Bruno Covas para os tucanos.
.Chile desafia o neoliberalismo – e está vencendo. Artigo de Franck Gaudichaud apresenta a jovem geração de esquerda chilena que saiu vitoriosa na formação da nova Constituinte.
.8 anos e 12 quilos, a criança com malária e desnutrição que simboliza o descaso com os Yanomami no Brasil. O El País demonstra como o abandono do Estado e os ataques de garimpeiros ameaçam à vida Yanomami.
.Comparam a vida de meu marido a de um cachorro, diz viúva de homem negro morto no Carrefour. A Agência Pública conversa com a viúva de João Alberto Freitas, seis meses após o assassinato em um supermercado em Porto Alegre.
.Venda de cosméticos cresce junto com número de revendedoras sem vínculo. Pioneiras da “uberização”, sem vínculos e nem direitos trabalhistas, as vendedoras de cosméticos foram atingidas em cheio pela crise.
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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Vivian Virissimo