No dia 20 de maio de 2021, o general da ativa e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, retornava ao Congresso para a retomada de seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar a gestão da pandemia de covid-19.
Iniciado no dia 19, o depoimento havia sido suspenso por decisão do presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM) após o militar ter passado mal, e era um dos mais esperados da CPI da covid e, em que pesem as inferências obtidas a partir das respostas do ex-ministro, são as ausências que merecem destaque.
Apresentando-se em trajes civis, o depoimento de Pazuello foi marcado pela evocação de seu passado na caserna, uso constante de jargões militares e por informações manipuladas e reconhecidamente mentirosas em relação às posições e escolhas do governo federal durante a pandemia de covid-19.
Seu tom de voz, visto nas redes como arrogante, refletia a perspectiva de quem, ao falar a parlamentares, imaginava-se falando a subordinados nos quarteis. O militar, que fez questão de ressaltar que depunha ali como um cidadão comum, exalava sua origem.
Não foram raros os episódios em que senadores afirmaram que o general “blindava” o governo. Incomum, entretanto, foi o reconhecimento de que Pazuello blindava também sua instituição de origem e que, ao fim, foi responsável por sua ida ao Ministério da Saúde. Cabe esclarecer que, segundo a legislação vigente, nenhum militar da ativa vai para o governo sem a autorização expressa dos seus superiores, no caso do Pazuelo, o então comandante do Exército Edson Pujol.
Em 9 de abril de 2021, foi lançada a pesquisa Exame/Ideia intitulada “Avaliação e aprovação do governo federal + pandemia”. O levantamento, que ouviu 1259 pessoas entre 5 e 7 de abril, trazia dados importantes sobre a opinião pública em relação à performance do presidente, de governadores e prefeitos na gestão da crise sanitária, além de questões mais gerais sobre a pandemia no Brasil.
Os índices de confiança eram particularmente relevantes no que diz respeito às forças armadas. A instituição, que apresentava um histórico de grande prestígio junto à população – o que se confirma em pesquisas como as do Latinobarômetro –, se vê agora depositária do ônus da associação com o governo Bolsonaro e da centralidade de um general da ativa então à frente do Ministério da Saúde – tendência que vem se confirmando já há algum tempo em diversas pesquisas de opinião.
Na semana do testemunho, o receio das forças armadas em relação aos eventuais custos à imagem da instituição oriundos do depoimento de Pazuello eram evidentes. Dizia-se então que o general da ativa havia sido “orientado” a abrir mão do uniforme na CPI.
Além disso, reportagem da CNN indicava que a instituição articulou para reforçar a posição de Pazuello perante os senadores, tendo mantido contato com parlamentares e supostamente trabalhado pelo arrefecimento do tom do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), em prol do descolamento à imagem de Pazuello.
A articulação parece ter dado frutos. Enquanto assistíamos às mentiras de Pazuello sobre a gestão da pandemia, inclusive com a “negação do negacionismo”, como afirmou o senador Renan Calheiros (MDB-AL) durante a sessão, sobre o uso da cloroquina e defesa do tratamento precoce, os senadores pareciam convenientemente esquecer o papel que tiveram os militares na condução da pandemia de covid.
Não apenas pela militarização do Ministério da Saúde, senão também pela atuação direta dos militares na produção e distribuição de cloroquina, bem como no apoio a um governo que tem no negacionismo científico a essência da estratégia de ação durante a pandemia de covid-19. Pazuello implicou ainda o ex-ministro da Casa Civil e atual ministro da Defesa, Walter Braga Netto, general da reserva o Exército, nas negociações sobre o consórcio Covax Facility.
A complacência se expressava em falas que louvavam a carreira militar de Pazuello ou mesmo que utilizavam do posto de general do ex-ministro como contraponto a posturas adotadas por ele em depoimentos – como se o militar divergisse em caráter da figura inquirida. Mesmo as falas mais incisivas, como a do senador Otto Alencar (PSD-BA), deixavam de lado o fato de que foi um general da ativa o responsável pelos erros absurdos que contribuíram para a morte de milhares de brasileiros. Atrás dele, as Forças Armadas e o presidente da República.
O receio em atentar de algum modo as forças armadas se expressa em pedido feito pelo senador Omar Aziz ao comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira, para que Pazuello se apresentasse como civil, não fardado. Reflete-se ainda nas movimentações atribuídas a Renan Calheiros para apaziguar os ânimos das FFAA, ainda no início dos trabalhos da CPI.
A excessiva leniência dos senadores sobre a origem militar do depoente, somada à aparente negação em olhar para membros das forças armadas como corresponsáveis pelas ações dolosas assumidas pelo governo federal durante a pandemia é indicativo de que as forças armadas garantiram previamente a blindagem que os governistas buscam a cada sessão construir para Bolsonaro. A julgar pela postura dos congressistas, o indicativo é que o escopo da CPI é, na verdade, investigar os crimes e omissões durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil, desde que se mantenha intocada a instituição militar.
Se a opinião pública não tem tido problemas para julgar os equívocos cometidos pelas forças armadas politizadas, por que os congressistas têm tanto medo?
* Jorge Oliveira Rodrigues é doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES-UNESP).
Edição: Marina Duarte de Souza