Desde que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) iniciou viagens pelo país com o objetivo de ampliar a divulgação do projeto "Titula Brasil", movimentos populares têm criticado as concessões de títulos que possuem potencial para fragilizar assentamentos da reforma agrária e favorecer o agronegócio.
Segundo Ramiro Téllez, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-MA), o processo de titulação acontece sem diálogo sobre as possibilidades e modalidades existentes no país e acaba por retirar benefícios de agricultores, sem o seu conhecimento, favorecendo a mercantilização da terra pelo agronegócio.
“Essa titulação torna o assentado como um pequeno proprietário, mas não dá as condições para esse assentado ter incentivo a melhorias, realmente. Esse processo de titulação não passou por uma apresentação dos tipos de títulos que as famílias podem acessar, eles simplesmente levaram aquele título que torna o Incra uma entidade que se desresponsabiliza pela estruturação e consolidação de um assentamento”, explica Ramiro Téllez, do MST-MA.
Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro fez a entrega de 287 Títulos de Domínio (TD) para famílias que vivem no Projeto de Assentamento Açaí, no município de Açailândia, localizado a 526 km de São Luís.
Em fevereiro de 2021, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou em Diário Oficial, a instrução normativa nº 105, que regulamenta o programa Titula Brasil.
Em contraponto a essa prática, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão ligado ao Ministério Público Federal (MPF), lançou inclusive o Guia para Reforma Agrária e Formalização do Acesso à Terra.
:: Incra regulamenta programa que terceiriza titulação de terras e favorece grilagem ::
Movimentos reagem
Movimentos populares e entidades como o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos, a organização Justiça nos Trilhos e o MST reagiram à passagem do presidente pelo município.
No Maranhão, os movimentos alertam que não foram apresentadas as possibilidades de títulos às famílias, mas sim, imposto o TD, que retira os benefícios e acessos às políticas públicas relacionadas à reforma agrária, tais como os do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e da linha de crédito Fomento Mulher, muito utilizados no estado.
Sem condições básicas para viver no local, tais como saneamento básico, acesso aos meios de produção e assistência para agro industrialização em pequena escala, os agricultores familiares ficam sujeitos a vender essas propriedades para o agronegócio depois de 10 anos.
Município da amazônia maranhense, Açailândia é um estratégico corredor de exploração e exportação de recursos naturais, palco de conflitos com a presença maçante de projetos desenvolvimentistas de agronegócio, siderurgia e mineração. Com a implantação da empresa Suzano Papel & Celulose, nos últimos anos se espalham ainda os extensos corredores de eucalipto na região, que podem ser vistos por mais de meia hora de viagem na região.
Reunidos na BR-222, representantes de entidades e movimentos populares ergueram, durante a sexta-feira (21), faixas que repudiavam a gestão do presidente, tais como “Aqui não tem idiotas, tem famílias em luto!”, em resposta ao comentário de que somente pessoas idiotas ainda ficam em casa durante a pandemia.
Valdênia Paulino, representante da Rede Justiça nos Trilhos, premiada internacionalmente por defender comunidades impactadas pelo setor da mineração explica que o governo tem atacado os movimentos populares por ser contrário a todas as políticas de avanço e conquistas dos direitos humanos.
“Desde o seu ingresso no governo, nós temos tido problemas com os direitos já conquistados. No nosso caso, que trabalhamos com as comunidades atingidas pela mineração, temos a flexibilização e os projetos de lei que favorecem os garimpos, a grilagem de terra, o esvaziamento do ministério do meio ambiente, dos conselhos de direito, inclusive a extinção de muitos deles”.
Do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán (CDVDHCB), Mariana de La Fuente lamenta o apoio dos políticos locais, que sequer falaram sobre covid-19, quilombolas, sobre os impactos causados pela mineração e outras questões pertinentes à região.
“Ele se mostrou um genocida e só vem aqui ao município de Açailândia para fazer propaganda. E o que é mais triste, é isso, ver o município, a Câmara de Vereadores, o Poder Legislativo respaldar um genocida, porque em todos os sentidos, é isso o que ele é”.
:: Em medida inédita, Dino vai multar Bolsonaro por promover aglomeração no Maranhão ::
Por desrespeito às medidas de prevenção à covid-19 durante a agenda no Maranhão, em medida inédita o governo do estado autuou Bolsonaro por infração sanitária durante a pandemia. Entre as irregularidades apontadas estão a falta de uso de máscara e a promoção de evento com aglomeração de mais de cem pessoas em Açailândia.
Edição: Vivian Virissimo