Maior procura por commodities por EUA e China impacta os países sul-americanos
Por Bruna Belasques, Bruno Castro Dias da Fonseca, Gabriel Santos Carneiro, Naomi Takada e Giorgio Romano*
A melhor estratégia a ser adotada pelo Brasil para enfrentar o novo ciclo de commodities vai ser aquela capaz de mitigar os malefícios e aproveitar ao máximo os benefícios, transformando os ganhos de curto prazo em projetos de desenvolvimento de longo prazo.
É necessário examinar o passado recente para evitar que o novo ciclo seja apenas mais um voo de galinha.
Não bastasse o preço do gás e da gasolina, explodiu também o das carnes e de outros produtos básicos para o consumidor brasileiro.
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Curiosamente, o Brasil não depende de importação desses produtos, mas a lógica do mercado livre subordina seus valores à demanda externa e à cotação do dólar, embora os itens sejam produzidos e consumidos em reais.
Na Argentina, o governo tentou garantir o abastecimento interno das carnes restringindo sua exportação. Com isso, espera-se também estancar o aumento dos preços.
Há outras formas de atuar, como impostos sobre exportação ou o uso inteligente e planejado de estoques reguladores, como a China fez em grande escala.
O que vemos no Brasil é mais uma vez omissão e descaso com o povo brasileiro. E o pior é que a tendência é o agravamento dessa situação com a retomada das economias centrais. Vamos entender isso.
Um novo superciclo de commodities no horizonte?
Conforme a pandemia passou a ser controlada em alguns países, os governos dessas nações começaram a agir a fim de retomar o crescimento econômico.
Nos Estados Unidos, debate-se neste momento dois projetos audaciosos: um plano voltado à infraestrutura e ao setor produtivo, o qual, se aprovado, deve destinar cerca de US$ 2 trilhões, e outro plano voltado para a área da educação, que totaliza US$ 1,8 trilhão.
Na China, em março, o governo aprovou o 14º Plano Quinquenal do país.
Este estabelece metas para o investimento em desenvolvimento tecnológico e política industrial, além de demonstrar preocupação com o crescimento doméstico e com a intenção de estabelecer melhorias na vida da população. Ambos os planos trazem também a intenção de transição para uma economia mais verde.
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Os planos de investimento produtivo mencionados acima, associados às elevadas taxas de vacinação contra covid-19 em países como EUA, Reino Unido, Alemanha e França, ajudam a mitigar a incerteza e estimulam o crescimento.
Assim, o crescimento da demanda, que tinha sido reprimida nos primeiros trimestres de 2020, estimula também uma maior procura por commodities, o que impacta os países sul-americanos.
No caso brasileiro, o Ibovespa (principal índice do mercado acionário do país) acumula crescimento positivo em 2021 devido ao setor de commodities, e são as empresas do setor mineral que apresentam as maiores altas.
Entre elas, pode-se citar a Vale, a CSN e a Gerdau. A demanda por soja também aumentou consideravelmente nos últimos 12 meses, de modo que seu preço duplicou. A desvalorização do real em relação ao dólar também privilegia as exportações.
Cabe, por fim, pontuar alguns aspectos nessa seção. Não é possível prever se este será um novo “superciclo” ou um “miniciclo”, embora seja provável que, se bem sucedidos, o Plano Quinquenal chinês, o Plano Biden e investimentos públicos similares na Europa elevem a demanda de commodities nos países da América Latina e também do continente africano.
Como estes planos preveem a transição para uma economia mais verde, é possível que o caráter das commodities demandadas sofra mudanças gradativas no médio prazo.
O ciclo de commodities de 2003-2013: do início glorioso ao fim melancólico
O fenômeno em questão não é desconhecido. No início do século, com a aceleração do processo de crescimento econômico de países emergentes com grande potencial de consumo, como na China e na Índia, a economia global passou por um período de boom de commodities.
Entre 2003 e 2013, observou-se um crescimento da demanda e um consequente aumento substancial nos preços das, principalmente de combustíveis, metais e produtos agrícolas.
Os países exportadores desses produtos, em particular o Brasil, alcançaram expressivos superávits na balança comercial ao longo do período ressaltado.
A alta cotação das matérias-primas e o aumento das exportações culminaram em um processo de sobreapreciação do real brasileiro.
Conforme ilustram dados do Banco Central, no período de 10 anos, entre março de 2003 e março de 2013, a cotação do dólar caiu de R$3,47 para R$1,95 devido à valorização.
Essa sobreapreciação impactou diretamente a indústria nacional de forma negativa, reduzindo a sua competitividade, tanto no mercado interno quanto externo.
Por um lado, os brasileiros encontravam facilidade em trocar os produtos industriais nacionais por produtos industriais estrangeiros importados e, por outro, com a sobrevalorização do real, os produtos nacionais perderam poder de competição no cenário internacional.
O resultado desta perda de competitividade foi o retrocesso do setor industrial nacional e uma consequente queda da participação da indústria no produto e no emprego.
Dados do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp ilustram bem as consequências do boom e da sobrevalorização cambial.
As importações se expandiram de forma expressiva – passando de 12,5% em 2003 para 25,2% em 2013, enquanto, entre 2000 e 2014, a exportação de produtos não industriais aumentou de 16,9% para 39,4%.
Nesse mesmo período, os produtos industriais e de alta tecnologia perderam participação na pauta exportadora brasileira, variando de 11,2%, em 2000, para 4,0%, em 2014. Os de média-alta tecnologia caíram de 25,2% para 16,5%.
Consequentemente, essas mudanças aceleraram a desindustrialização e levaram a um processo de reprimarização da economia brasileira, caracterizado pela consolidação do setor agroexportador como principal propulsor na geração de divisas.
Impactos
Com a expansão da demanda internacional decorrente da recuperação econômica dos países, a economia doméstica sofre pressão crescente por desabastecimento dos bens exportados.
É o caso de produtos como a soja, abundantemente utilizada na produção da carne, como alimento do gado. Tanto ela quanto a própria carne, assim como outros produtos, a exemplo dos combustíveis, estão sendo mais demandadas no mercado internacional neste início do novo ciclo de commodities, o que suscita aumento de seus preços na economia doméstica.
À medida em que a maior parte da produção nacional é voltada à exportação e, assim, o fornecimento doméstico se reduz frente à demanda nacional, culminando no aumento dos preços.
Embora a expectativa internacional acerca do acirramento do novo boom dos commodities aponte para os próximos meses, essa dinâmica de elevação dos preços nacionais por conta da demanda internacional já se manifesta no Brasil desde o final do ano de 2020, com o aumento do preço da gasolina, da carne e da inflação no geral.
Neste sentido, na medida em que este novo ciclo de exportações se intensifica, acentua-se também sua repercussão sobre os preços do mercado nacional, indicando a necessidade de o governo de atuar com políticas econômicas para lidar com essa dinâmica.
O Banco Central (BC), em suas atas do Comitê de Política Monetária (Copom) dos meses de março e maio, utilizou a intensificação da demanda internacional por commodities como uma das justificativas para os aumentos de juros de 0,75%, em ambas as reuniões.
Assim, com o aumento dos juros, espera-se uma valorização do câmbio, o que encareceria então os produtos brasileiros no mercado internacional, pressionando pela redução da demanda internacional e, portanto, diminuindo o espraiamento dos preços sobre a economia doméstica.
Lições
A melhor estratégia a ser adotada pelo Brasil para enfrentar o novo ciclo de commodities vai ser aquela capaz de mitigar os malefícios e aproveitar ao máximo os benefícios, transformando os ganhos de curto prazo em projetos de desenvolvimento de longo prazo.
Em termos de curto prazo, o desafio de lidar com a elevação dos preços nacionais da carne, de combustíveis e de produtos cuja cadeia produtiva envolve a soja é um dos primeiros que se impõe.
Como forma de evitar uma redução da oferta no mercado doméstico destes produtos, pode-se adotar várias medidas, como um esquema tarifário sobre as exportações que equilibraria os ganhos de se vender no mercado nacional e internacional e/ou o uso de estoques regulatórios.
Este artifício tarifário também poderia ser útil para se enfrentar um segundo problema esperado no médio e longo prazos: a acentuação do processo de reprimarização da economia brasileira.
Ao aumentar o valor do custo de exportação, o imposto evitaria uma sobreapreciação da moeda que derrubaria a competitividade dos setores industriais nacionais.
Além disso, os ganhos auferidos pela taxação poderiam inclusive ser canalizados para projetos de investimento de longo prazo (por meio da criação de um fundo soberano, por exemplo) capazes de estimular a transformação da matriz econômica brasileira em direção a atividades mais complexas, de maior produtividade e intensivas em tecnologia.
Evitando, dessa forma, que os ganhos do ciclo de commodities fiquem restritos majoritariamente ao setor do agronegócio e acarretem, novamente, aumento da reprimarização da economia brasileira.
Cedo ou tarde a economia brasileira deve recuperar-se da recessão e entrar em nova fase de aceleração, beneficiando-se da onda global de retomada econômica.
Cabe aos formuladores de políticas econômicas aprenderem com as lições do passado e estarem prontos para evitar que o novo ciclo de commodities seja apenas mais um voo de galinha.
E, no curto prazo, é obrigação do governo evitar que ao trabalhador sejam negados preços acessíveis daquilo que é produzido internamente.
*Os autores agradecem a colaboração do Prof. Giorgio Romano Schutte na elaboração do artigo.
**O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo