Não é exatamente uma surpresa que o Brasil seja a nova sede da Copa América 2022. Há uma semana, quando a Colômbia desistiu de sediar o torneio, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rodrigo Caboclo, manifestou a intenção de realizar novamente a disputa no país.
Nos bastidores, a hipótese foi descartada porque o Brasil era um “covidário”. Com a desistência da Argentina, que dividiria os jogos com os colombianos, era preciso uma nova sede que tivesse bons estádios disponíveis imediatamente para únicas datas possíveis no calendário da FIFA e um governo disposto a assumir o ônus de um torneio no continente com quase 1 milhão de mortos e apenas 3% da população vacinada. O Brasil de Bolsonaro reúne as duas exigências.
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Também não é uma surpresa de que a Conmebol releve o status brasileiro de “covidário” agora. Com exceção das vendas de direitos televisivos, poucas coisas sensibilizam a Confederação Sul-americana de futebol. Há menos de 15 dias, as partidas dos times colombianos na Copa Libertadores foram mantidas normalmente, mesmo com os protestos contra o governo colombiano sendo reprimidos violentamente, literalmente ao lado dos estádios, como ocorreu com América de Cali e Atlético Mineiro, interrompido cinco vezes pelas bombas de gás lacrimogênio, ou Junior Barranquilla e River Plate.
Ironicamente, a Copa é patrocinada pelo laboratório chinês Sinovac, em troca de 50 mil doses da vacina, que são usadas pela confederação para que jogadores e cartolas furem a fila da vacinação nos seus países, como fizeram Atlético-GO e Atlético-MG.
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Já para o presidente da CBF, a vinda da Copa América pode lhe garantir a permanência no cargo. Rodrigo Caboclo é ex-assessor do ex-presidente Marco Polo Del Nero, banido do futebol pela FIFA por corrupção em 2017. Recentemente, a emissora ESPN revelou que decisões centrais na confederação, como a permanência do técnico Tite e contratos milionários foram tomadas com o aval ou a última palavra de Del Nero, um ano depois do seu banimento do esporte. Porém, desde abril, criador e criatura romperam relações e clubes e federações, também descontentes com o comportamento do presidente, articulavam um impeachment do dirigente.
Desde então, Caboclo buscava assegurar sua sobrevivência com as boas relações e troca de favores que construiu com o Planalto, como a cedência dos direitos de transmissão de jogos da seleção para a oficialista TV Brasil. Com a Copa América, Caboclo tanto mantêm o prestígio com o bolsonarismo, quanto tem em mãos a possibilidade de ofertar ingressos e mordomias para um evento restrito para os descontentes presidentes de federação.
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Caboclo tem mais chances de ser bem-sucedido do que Bolsonaro. Se o governo esperava criar um fato positivo que abafasse a crise sanitária, não entendeu o recado da Argentina e da Colômbia. Sem colocar milhares nas arquibancadas ou movimentar o comércio das cidades-sedes, há pouco o que o governo pode realmente extrair positivamente do torneio. O torneio sul-americano não tem a força de uma Copa do Mundo ou de uma Olimpíada para paralisar o país e mesmo a edição passada, vencida pelo Brasil depois de 12 anos sem títulos, despertou pouco mais do que indiferença.
Ainda que o governo nunca tenha se preocupado de fato com sua imagem no exterior, o torneio dá visibilidade para a incompetência brasileira em enfrentar a pandemia. E é pouco provável, mas não impossível que alguma equipe decida não vir disputar o torneio ou ainda que algum jogador mais politizado se manifeste.
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Mas, principalmente, dois dias depois da oposição voltar às ruas com força, Bolsonaro recuperou uma poderosa bandeira de 2013, os “hospitais padrão FIFA”. Afinal, como o país que recusou e não comprou vacinas, vai destinar recursos públicos para um campeonato de futebol durante uma crise que já matou mais de 450 mil brasileiros?
Além de uma palavra de ordem, a vinda da Copa América oferece ainda naturalmente duas datas para manifestações, a abertura e encerramento do torneio. E a última em julho quando a CPI deverá estar concluindo seus trabalhos. Na prática, graças a Caboclo, Bolsonaro e a Conmebol, a Copa América será um ato político.
* Miguel Enrique Stédile é doutorando em História pela UFRGS e integrante do Front – Instituto de Estudos Contemporâneos.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko