O nível do rio Negro subiu um centímetro nesta terça-feira (1º) e atingiu 29,98 metros, um novo recorde histórico em 119 anos de medição no Porto de Manaus, ultrapassando a marca do ano de 2012, que era de 29,97 metros. A cheia histórica é causada pelo alto volume de chuvas nos primeiros meses de 2021. Entre as causas das chuvas acima da média está o fenômeno La Niña (esfriamento do Oceano Pacífico) em parte da Amazônia Ocidental. Estimativa dos especialistas em hidrologia é que o nível do rio continue subindo e poderá chegar a 30 metros acima do nível do mar.
A Defesa Civil do Amazonas estima que 455.576 pessoas afetadas pelas enchentes dos rios Negro e Solimões e seus afluentes em 58 dos 62 municípios amazonenses. Mas o montante de recursos previsto para socorrer os afetados pela maior enchente em pouco mais de 100 anos, 30 milhões de reais, só deve contemplar 100 mil pessoas por meio do auxílio-enchente, no valor de 300 reais para cada família. A dona de casa Pâmela Gomes não está entre elas.
Em 20 de seus 26 anos, Pâmela vive com a experiência de morar com a água do rio Negro invadindo sua casa no bairro Educandos, um dos mais antigos pelas enchentes recorrentes e localizado na zona sul de Manaus. A jovem e o marido estão desempregados e vivem com a ajuda do programa Bolsa Família. O casal não conseguiu o auxílio emergencial da pandemia concedido pelo governo federal. O sogro dela é o único que tem renda fixa. Ela disse que ele pegou Covid-19 no ano passado.
Pâmela é uma das mais de 24 mil pessoas, que vivem em 15 bairros atingidos este ano pela cheia histórica do rio Negro na capital amazonense. Além das casas de alvenaria e de madeira (palafitas), as águas escuras invadem ruas, interrompem o comércio e mudam o funcionamento da cidade. Na cheia de 2012, ela disse que estava grávida do primeiro filho. Na ocasião, a marca do nível que o rio atingiu ficou estampada na frente da residência. “A casa ficou submersa”, disse.
Em dezembro de 2018, Pâmela testemunhou outro desastre: um incêndio que afetou aproximadamente 600 casas do bairro do Educandos. Sua casa não foi atingida pelo fogo, mas os rastros da destruição pelas chamas foram encobertos pela enchente do rio Negro daquele ano.
Em 2020, nasceu o segundo filho de Pâmela. “Com duas crianças pegando na água o tempo todo, resolvemos mudar de casa”, disse ela sobre a cheia recorrente.
A prefeitura de Manaus apressou-se em construir pontes suspensas de madeira, uma forma de adaptação para que as famílias atravessem o período da cheia, que deve se estender até os meses de junho ou julho de 2021. Uma dessas pontes foi erguida próxima da rua Ana Nogueira, onde fica a casa de Pâmela Gomes.
“Mas faltou o nosso lado. Disseram que não tinha mais madeira e que não tem dinheiro mais”, lembra a jovem. Com as poucas economias que possuíam, ela e o marido ainda conseguiram comprar um pouco de madeira para garantir um trânsito mínimo entre as residências que estão na água e a terra firme. Mas permanecer naquelas condições ficou inseguro para viver com crianças.
Dos 58 municípios que sofrem as consequências das cheia dos rios, de acordo com dados da Defesa Civil, 25 estão com decretos de situação de emergência homologados.
Nos últimos dez anos, ocorreram seis das dez maiores cheias da história no Amazonas, cuja referência é a medição feita desde 1902 no porto de Manaus. O principal fator para a grande magnitude da cheia deste ano é o fenômeno La Niña, que causou um grande volume de chuva nas cabeceiras dos principais rios da bacia, como Solimões, Negro e Juruá (atingindo também o estado do Acre).
Desde o final março de 2021, o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM), que tem um Sistema de Alerta Hidrológico no Amazonas, já alertava para superação da cheia de 2012 no rio Negro, recorde até então, mas poucos previram que ela viria nos primeiros dias de junho.
A pesquisadora Luna Gripp, do Sistema de Alerta Hidrológico no Amazonas, explicou porque o nível do rio Negro pode continuar subindo em média de 1 a 2 centímetros por dia. “O nosso modelo prevê é que o rio Negro comece a baixar ao longo da próxima semana. Hoje (31/05) ele atingiu 29,97. É provável que atinja os 30 metros. Mesmo que não alcance, o fenômeno já está instalado, com inundação e impactos. Ainda assim, teremos algumas semanas de impacto contínuo. O centro de Manaus continuará inundado nas próximas semanas até o rio tomar seu lugar original. Os impactos não vão se encerrar de um dia para outro, mesmo com o rio parando de subir”, explicou.
De acordo com a pesquisadora, a cheia deste ano se destaca principalmente por seu comportamento na região do Alto Rio Negro. Em São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus), o Negro ultrapassou a cota máxima de toda sua série histórica (iniciada em 1993), batendo o recorde de 2002.
“Para a bacia do Solimões, em algumas estações como em Tabatinga (no Alto Solimõs, fronteira com Colômbia) já observamos uma redução do seu nível. Em Coari e Manacapuru, no Médio Solimões, a velocidade de subida também vem diminuindo. Então a expectativa é que pelo menos para a bacia do Solimões o nível do rio deve se estabilizar e começar a reduzir. Manaus ainda tem um comportamento bem parecido a 2012”, explica Luna.
Na segunda-feira (31), no terceiro e último Alerta de Cheia, evento que o Serviço Geológico do Brasil realiza anualmente, em Manaus, ela reiterou que o nível dos rios começam a se estabilizar e, nas próximas semanas, deverá começar o período da vazante. A vazão do rio Negro estava em 50 metros, segundo Luna. O nível do rio associa profundidade ao nível que ele atinge. Vazão é o volume de água escoada pelo rio.
O meteorologista Renato Senna, do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), disse que o volume de chuvas continuará elevado e acima do normal apenas em Roraima e no noroeste do Amazonas, na região do Alto Rio Negro. No entanto, segundo o meteorologista, o fenômeno La Niña já chegou ao fim.
“Agora estamos na transição da estação chuvosa para a seca. A gente começa a ter mais incidência da radiação solar. A perspectiva é que os eventos de chuva fiquem mais espaçados, com temperaturas elevadas e poucos eventos de chuva”, disse Senna.
Segundo o meteorologista, a previsão é de tempo mais seco a partir de agora, sobretudo no sul do Amazonas, Rondônia e Acre, situação que pode agravar o período de queimadas no Amazonas. “A expectativa é de chuvas abaixo da climatologia. Isso preocupa nessa temporada de seca na nossa região”, disse ele.
Além de São Gabriel da Cachoeira, os municípios de Itacoatiara, Manacapuru e Parintins também estão com cheias extremas, e em vias de bater recordes históricos. “Todos estes municípios estão passando por eventos extremos. Quase todos eles, de maneira equivalente às cheias históricas. Isso independente de ficar um centímetro abaixo das cotas anteriores”, disse Luna Gripp, da CPRM.
Com a experiência de quem acompanha as cheias da Amazônia há mais de quatro décadas, o engenheiro Valderino Pereira afirma que esse fenômeno natural ainda não foi completamente desvendado pela ciência. Pereira é funcionário do Porto de Manaus e desde o final da década de 70 ele faz a medição e o cálculo da cota do Negro, com base no nível do mar.
“Respeito aqueles que estudam a natureza, mas até hoje ninguém a conhece direito. Conhecer exatamente, o homem ainda não conseguiu”, diz Valderino.
“O que vai acontecer? Ninguém pode falar. O que a gente vê aqui é estatística e um pouco de experiência. Isso é um termômetro para que as autoridades tomem conhecimento do que tem que providenciar para ajudar as pessoas. A enchente é o aviso para as autoridades tomarem o cuidado que tem que ter com a população”, ensina.
No “termômetro” de Valderino Pereira, quando o rio atinge a cota de 27 metros a cheia é pequena. A partir de 28,5 metros já se fala em cheia média. Ao alcançar os 29 metros, trata-se de uma cheia grande.
“As enchentes, em sua maioria, ocorreram em meados de junho e também no início de julho. A de 2012, a máxima ocorreu em 29 de maio. Na última semana, o rio diminuiu o ritmo de subida, mas ainda continua enchendo”, descreve Valderino. No ano da cheia recorde de 2012, o ritmo era semelhante ao deste ano, com a subida diária de 1 a 2 centímetros. “Ao longo dos anos tive que aumentar a régua de medição, porque a maior era de 1953, quando marcou 29,69 metros.”
Destruição da natureza
Há décadas, o pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Javier Tomasella, acompanha as cheias na Amazônia. Ele afirma que as políticas públicas “têm sido sempre reativas e nunca preventivas”, fazendo com que os dramas das famílias se repitam ano a ano.
“Pouco têm sido feito em termos de mitigação ou adaptação e as atualizações das normas ambientais, ou mesmo mudanças na legislação em discussão no Congresso, vão em direção contrária às práticas recomendadas para a mitigação desses efeitos”, observa.
Tomasella alerta que “inevitavelmente, o relaxamento ambiental vai prejudicar toda a população, inclusive aqueles setores que defendem essas políticas”. Como exemplo, cita o déficit hídrico observado na região Centro-Oeste, que tem levado à diminuição dos volumes de energia armazenados no sistema interligado nacional.
Desde 2011, as usinas térmicas, que têm um custo de geração muito maior, têm sido acionadas, encarecendo o preço da energia elétrica. Tomasella adverte para futuros conflitos entre os setores ligados à geração de energia e ao agronegócio, ambos competidores no uso de água. “Por outro lado, políticas ineficazes na área ambiental estão prejudicando o acesso das commodities agrícolas brasileiras a mercados consumidores da Europa e dos Estados Unidos, que cada vez mais exigem o cuidado com a proteção ambiental. Assim, não há ganhadores neste contexto”, diz.
Essa falta de estratégia para antecipar e planejar os efeitos de fenômenos naturais, aliada ao incentivo pela destruição acelerada da natureza, tem causado cenas opostas no Brasil. A região Norte vem sofrendo com cheias recordes, enquanto no Sul do País já se pratica o racionamento de energia por causa dos baixos níveis dos reservatórios.
“As evidências científicas indicam que mudanças climáticas globais tendem a acentuar eventos extremos”, diz Tomasella, doutor em Engenharia Civil pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas
A recorrência das cheias grandes em um curto intervalo de tempo – 10 anos – poderia ser explicada por um maior volume de água (chuva) que está entrando no sistema bacia amazônica e estas podem estar sendo afetadas pelo fator humano, segundo o pesquisador do CPRM, Marco Antônio Oliveira, que tem nome vinculado ao ciclos hídricos no Amazonas porque, durante anos, era o principal porta-voz dos alertas de cheias da instituição.
“Como as condições estruturais da Terra, a direção dos ventos de leste para oeste que chamamos de zona de convergência intertropical, trazendo a umidade do Atlântico e a barreira orográfica da cordilheira dos Andes são imutáveis no tempo humano, o único fator novo seria uma terra mais quente, com maior evaporação da água do oceano atlântico tropical”, explica.
Há décadas, o pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Javier Tomasella, acompanha as cheias na Amazônia. Ele afirma que as políticas públicas “têm sido sempre reativas e nunca preventivas”, fazendo com que os dramas das famílias se repitam ano a ano.
“Pouco têm sido feito em termos de mitigação ou adaptação e as atualizações das normas ambientais, ou mesmo mudanças na legislação em discussão no Congresso, vão em direção contrária às práticas recomendadas para a mitigação desses efeitos”, observa.
Tomasella alerta que “inevitavelmente, o relaxamento ambiental vai prejudicar toda a população, inclusive aqueles setores que defendem essas políticas”. Como exemplo, cita o déficit hídrico observado na região Centro-Oeste, que tem levado à diminuição dos volumes de energia armazenados no sistema interligado nacional.
Desde 2011, as usinas térmicas, que têm um custo de geração muito maior, têm sido acionadas, encarecendo o preço da energia elétrica. Tomasella adverte para futuros conflitos entre os setores ligados à geração de energia e ao agronegócio, ambos competidores no uso de água. “Por outro lado, políticas ineficazes na área ambiental estão prejudicando o acesso das commodities agrícolas brasileiras a mercados consumidores da Europa e dos Estados Unidos, que cada vez mais exigem o cuidado com a proteção ambiental. Assim, não há ganhadores neste contexto”, diz.
Essa falta de estratégia para antecipar e planejar os efeitos de fenômenos naturais, aliada ao incentivo pela destruição acelerada da natureza, tem causado cenas opostas no Brasil. A região Norte vem sofrendo com cheias recordes, enquanto no Sul do País já se pratica o racionamento de energia por causa dos baixos níveis dos reservatórios.
“As evidências científicas indicam que mudanças climáticas globais tendem a acentuar eventos extremos”, diz Tomasella, doutor em Engenharia Civil pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas
A recorrência das cheias grandes em um curto intervalo de tempo – 10 anos – poderia ser explicada por um maior volume de água (chuva) que está entrando no sistema bacia amazônica e estas podem estar sendo afetadas pelo fator humano, segundo o pesquisador do CPRM, Marco Antônio Oliveira, que tem nome vinculado ao ciclos hídricos no Amazonas porque, durante anos, era o principal porta-voz dos alertas de cheias da instituição.
“Como as condições estruturais da Terra, a direção dos ventos de leste para oeste que chamamos de zona de convergência intertropical, trazendo a umidade do Atlântico e a barreira orográfica da cordilheira dos Andes são imutáveis no tempo humano, o único fator novo seria uma terra mais quente, com maior evaporação da água do oceano atlântico tropical”, explica.
Vidas submersas
Para quem está com a casa atingida pelas águas, o fenômeno das cheias no Amazonas se repete como uma espécie de tragédia anunciada. “Nesse tempo todo, só recebemos promessas, principalmente na época de campanha. Lembro que teve vezes que entrava em casa pela janela, pois não tinha condições de abrir a porta no meio da água”, conta a dona de casa Sônia Freitas Silva, 57. Mãe de sete filhos criados à beira do Negro, Sônia acompanhou 7 das 10 maiores cheias históricas registradas. Atualmente, vive com o filho caçula, 13, em uma casa flutuante alugada, no beco do São Raimundo, bairro homônimo, na zona oeste da cidade.
“Só não nasci aqui nessa beirada, mas me criei na beira do rio pela Matinha e São Raimundo (zona sul e oeste de Manaus). Esta é uma das enchentes que mais está prejudicando a gente. A casa é flutuante, mas já perdemos muitas coisas ao longo desses anos”. O celular da família, por exemplo, caiu na água.
Questionada se gostaria de sair da casa onde está há seis anos, Sônia responde: “Até agora não veio ninguém de prefeitura, nem de governo, mas gostaria sim.”
Sem constar em nenhum cadastro, à margem da sociedade e do rio, Sônia afirma que a ajuda tem vindo da igreja que frequenta, a Assembleia de Deus, que fornece ‘o rancho do mês’. “É uma grande ajuda. Quando peguei covid, não consegui fazer nada. Peguei muito forte e tratei em casa mesmo, mas até agora ainda sinto os sintomas dela”, conta.
Mais da metade das 654 mil moradias em Manaus, 53% ou 348,7 mil são consideradas aglomerados subnormais, definidos pelo IBGE como palafitas, ocupações e loteamentos com difícil acesso a saneamento básico e serviços essenciais. Nesse contexto, Manaus ocupa o segundo lugar no ranking de cidades com mais domicílios em aglomerados subnormais proporcionalmente ao quantitativo da população, atrás apenas de Belém, com 55,5%.
Em todo o Amazonas, 28 municípios possuem aglomerados subnormais. Segundo o levantamento do IBGE, divulgado há um ano, quem vive nesse tipo de moradia está mais exposto aos riscos de contaminação pelo coronavírus.
Tanto a prefeitura de Manaus, administrada por David Almeida (Avante), quanto o governo estadual de Wilson Lima (PSC) foram questionados sobre políticas públicas para as vítimas das cheias, mas não responderam à reportagem da Amazônia Real.
Recurso insuficiente
A cheia do rio Negro também afeta comunidades da zona rural e bairros de periferia localizados à margem do rio, como é o caso da Colônia Antônio Aleixo e Puraquequera.
Gésito da Silva Machado, 60, vive em uma casa alagada na rua Inocêncio Araújo, também no bairro Educandos de Manaus. Passa o dia com os pés na água, porque não tem madeira para levantar o piso da casa onde vive com os dois filhos, uma menina de 10 anos e um de 11, e outras três famílias de venezuelanos. Seis crianças, com idades que variam de 2 a 11 anos, vivem no local.
“Olha como estamos aqui. Somos quatro famílias nesta situação e não tem ninguém trabalhando. Sei fazer de tudo, mas está tudo parado. Sinto muito porque tem criança pequena que corre risco. A prefeitura passa aqui de vez em quando para saber como estamos, mas dizem que não têm mais madeira, que não têm mais nada e, no momento, é o que estou precisando”, afirma.
Natural de Borba (a 230 quilômetros de Manaus), município à margem do rio Solimões que também está impactado pela grande cheia, Gésito comprou sua casa no bairro para viver com os filhos há quatro anos, depois de ter se separado da mulher.
“Investi o que tinha para viver com meus filhos. Eu recebo 130 reais do Bolsa Família. Não recebi auxílio na pandemia, mas pelo menos meus filhos estão estudando pelo celular”, conta. Perguntado sobre o que pensava ser a causa da cheia, respondeu: “A gente não sabe, isso é Deus que faz, não tem uma certeza, é Deus que faz mesmo.”
Na comunidade São Francisco do Mainã, localizada à margem esquerda do rio Amazonas, na zona rural de Manaus, a dona de casa Rosa Maria de Almeida, 40, afirma que sofreu muito ao pegar Covid-19 e agora vê a água se aproximar do nível de sua casa de alvenaria.
No dia 24 de maio, quando a reportagem da Amazônia Real a encontrou, Rosa afirmou que ainda não tinha levantado maromba, como são chamadas os currais suspensos para colocar roçados e animais, mas que possivelmente teria que mudar de casa se o nível da água subir mais.
Na mesma comunidade, a dona de casa Kátia Vasconcelos, 42, afirma que com a cheia acima do normal, até serviços como lavar a roupa e não ter onde estender viram uma dificuldade. A pequena plantação em uma horta da casa foi perdida. Há dois meses ela começou a levantar sua maromba. “É uma dificuldade que não tem terra pra nossas galinhas e porcos que criamos”, diz.
No bairro Colônia Antônio Aleixo, na zona leste de Manaus, a ajuda chegou a algumas famílias. O pescador aposentado José das Chagas Monteiro, 67, morador de Manacapuru, está hospedado na casa do irmão no bairro.
Ele veio para Manaus para fazer tratamento médico e ter mais facilidade de atendimento nos hospitais da capital. Com problema na visão, ele aguarda para fazer exames na casa onde a ponte levantada há cerca de um mês. “Pelo menos, a prefeitura fez essa ponte na rua, mas já estou acostumado com isso. Fui pescador e sempre morei na beira do rio”, diz sem se incomodar com o teto baixo da casa por causa das marombas.
A prefeitura afirma que construiu 5 quilômetros de pontes para a locomoção da população. Foram utilizadas 28.136 unidades de madeira e distribuídas 1.450 cestas básicas nos bairros Puraquequara, Educandos, São Jorge, Glória, Mauazinho e Vila da Felicidade. A previsão é que os investimentos com a Operação Cheia 2021 cheguem a 48 milhões de reais.
A Operação Enchente
O custo com a Operação Enchente 2021 tem a previsão inicial de 67 milhões de reais, de acordo com o governo do Estado, que informou ainda ter enviado humanitária aos municípios como alimentos, água potável, kits de higiene, dormitório, remédios, e madeira para a construção de marombas, em um total de 43 mil metros cúbicos.
“O governo realizou, ainda, aporte financeiro no valor de 4,4 milhões de reais para dez municípios, recursos que serão utilizados em ações para diminuir os impactos da enchente, como a compra de madeira para atender a população”, informou por meio de nota o governo do Amazonas.
Já a prefeitura de Manaus informou ter feito o cadastro de mais de 3 mil famílias na área urbana e rural para o pagamento do auxílio moradia no valor de 300 reais por três meses, e auxílio enchente, que completará o recurso com mais 200 reais, durante dois meses. A previsão é chegar a 5 mil cadastros. Os bairros atendidos são São Jorge, Raiz, Educandos, Betânia, Presidente Vargas, Mauazinho, Centro, Aparecida, Puraquequara, Colônia Antônio Aleixo, Compensa, Santo Antônio, Tarumã, São Geraldo e outras 10 comunidades rurais localizadas nos rios Negro e Amazonas.
Prejuízos econômicos
O prejuízo com perdas agrícolas no Amazonas ocasionadas pela grande cheia de 2021 já somam mais de 189 milhões de reais, segundo informações do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam). O valor se refere às perdas de 25 municípios. Até o momento, 16.639 famílias tiveram suas produções atingidas. Entre as principais culturas estão banana, hortaliças, mamão e mandioca.
Ações de crédito emergencial estão sendo liberadas para os produtores dessas localidades, segundo o Idam. Até o início de abril, foram registrados 2,6 mil nomes de proponentes ao crédito da Agência de Fomento do Amazonas (Afeam), além de ações itinerantes de cadastramento para emissão do Cartão do Produtor Primário (CPP), Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e Cadastro Ambiental Rural (CAR), que são documentos essenciais para acesso às políticas públicas do setor primário. Mais de 42 toneladas de sementes de diferentes tipos de hortaliças, frutas e grãos já foram entregues.
As grandes inundações causam prejuízos também à fauna e flora local, conforme mostra um estudo do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) de 2017. Os pesquisadores Aurelio Diaz Herraiza, Paulo Mauricio Lima de Alencastro Graça e Philip Martin Fearnside, este último colunista da Amazônia Real, constataram a morte de castanheiras que ficaram submersas por mais de 83 dias, por asfixia radicular. Isso ocorre porque, por ser uma espécie de terras altas, a castanheira sofreu um sufocamento da raiz sem oxigênio. O fenômeno foi ocasionado pelo aumento de chuvas na região da bacia do Madeira, atingindo o município de Manicoré no Amazonas.
Os 15 bairros atingidos pela cheia deste ano, divulgados pela prefeitura de Manaus, são os mesmos que sofreram com a cheia de 2012. Há nove anos, um relatório do CPRM já indicada necessidade das autoridades públicas adotarem medidas de prevenção contra os impactos da cheia.
“É necessário que o poder público e a sociedade continuem os esforços no sentido de minimizar o sofrimento dessa parcela considerável da população. O desejável é continuar a transferência da população para áreas mais altas, com cotas acima de 30 metros, dotadas de infraestrutura urbana, porém, enquanto todos os moradores dessas áreas não forem transferidos, devem continuar a ter assistência”, que aponta ainda a necessidade de revitalização dos igarapés, de investimentos em saneamento básico como forma de proteção dos recursos hídricos. (Colaborou Elaíze Farias)
Cidades atingidas pelas cheias:
Rio Negro – Barcelos, Manaus e Novo Airão, São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro;
Calha do Madeira – Borba, Manicoré, Nova Olinda do Norte e Novo Aripuanã;
Calha do Baixo Solimões – Careiro Castanho; Codajás
Calha do Médio Solimões – Jutaí, Fonte Boa, Japurá, Maraã, Uarini, Alvarães, Tefé e Coari;
Calha do Baixo Solimões – Anamã, Anori, Caapiranga, Manacapuru, Careiro da Várzea, Iranduba e Manaquiri;
Calha do Médo Amazonas – Itacoatiara, Silves, Autazes, Urucurituba e Itapiranga;
Calha do Baixo Amazonas – Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Nhamundá, Urucará, São Sebastião do Uatumã, Parintins e Maués;
Calha do Alto Solimões – Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Iça, Atalaia do Norte, Tonantins e Tabatinga;
Calha do Juruá – Guajará, Envira, Eirunepé, Itamarati, Ipixuna, Carauari, Juruá;
Calha do Purus – Beruri, Pauini, Boca do Acre, Lábrea, Canutama, Tapauá.
Fonte: Governo do Estado do Amazonas