sem casa na pandemia

Despejo pode desabrigar quase 700 famílias em Campos, no interior do Rio de Janeiro

Núcleo jurídico popular tenta conciliação para ganhar tempo e encaminhar moradores para programas de habitação

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Ocupação Campos dos Goytacazes
Moradores estão em local onde deveria funcionar o programa Minha Casa, Minha Vida, mas casas prometidas em 2016 ainda não foram entregues - Acervo Pessoal

Uma ordem judicial de reintegração de posse poderá desabrigar cerca de 700 famílias a partir do próximo dia 9 na ocupação Novo Horizonte, em Campos dos Goytacazes, na região norte do estado do Rio de Janeiro. As famílias não têm onde morar e para onde ir e estão no conjunto habitacional do bairro Parque Aeroporto desde o dia 13 de abril.

Na última sexta-feira (28), a Prefeitura de Campos, a Defensoria Pública da União (DPU), o núcleo jurídico popular que presta apoio e assessoria à ocupação, além da empresa Realiza, construtora no local de um empreendimento do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), e a Caixa se reuniram para uma audiência de conciliação, que não avançou nas negociações.

No local onde estão as famílias deveriam existir desde 2016 quase 800 residências prontas do programa MCMV, mas até hoje os sorteados não viram as chaves dos lares aos quais têm direito. A ocupação reúne contemplados pelo programa e famílias que ficaram inadimplentes por não pagarem aluguel.

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A reivindicação por parte das famílias era que houvesse um prazo maior para a saída, com o objetivo de a prefeitura e os movimentos populares conseguirem mapear todos os moradores para encaminhá-los a programas de assistência habitacional.

Mas a audiência, que contou com representantes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Militar, cujo comandante da tropa de choque afirmou que sua equipe é "muito bem treinada para esse tipo de situação", foi marcada por tensão, segundo a advogada Rafaelly Galossi.

Ela afirma que os representantes das polícias, assim como os da construtora e da Caixa, insistiram em tratar os moradores provisórios como "invasores". Segundo a advogada, um dos policiais afirmou, ainda, que sua equipe "dará conta" da reintegração forçada, que poderá ocorrer nos primeiros minutos do dia 9.

"Sabemos que esse treinamento se refere ao uso da violência policial desproporcional que conhecemos bem no Brasil. Um dos procuradores da Caixa disse que a desocupação forçada precisa ser cumprida imediatamente para que sirva de lição para a população não achar que pode invadir imóveis livremente e chamar de ocupação. Isso reforça a falta de compromisso social com pessoas em vulnerabilidade social em plena pandemia", avaliou a advogada.

O Brasil de Fato procurou a Prefeitura de Campos para um posicionamento sobre a ocupação mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Balanço

Entre as quase 700 famílias que estão ocupando o local, há 462 jovens e crianças, de acordo com dados parciais da ocupação, com base em entrevistas feitas até agora com 292 famílias. Sendo assim, o quantitativo final, possivelmente, é muito maior, tendo em vista o total de famílias em que 47,9% delas são chefiadas por mães solos.

"Falar em despejo coletivo na pandemia é falar sobre uma questão que ultrapassa a problemática do déficit habitacional. É, sobretudo, uma questão sanitária também. Permitir um despejo coletivo com esse quantitativo de famílias em insegurança habitacional é colocar em risco a vida não só dessas pessoas que ocupam o Conjunto Novo Horizonte, mas também a vida de todos os mais de 500 mil habitantes do município", argumenta a advogada.

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Segundo o boletim atualizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Campos no último sábado (29), a cidade do norte fluminense tem 31.429 casos de covid-19 confirmados, 1.299 óbitos em decorrência da doença e está com 65% dos leitos de UTI ocupados.

A DPU ingressou com uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de denunciar o descumprimento do entendimento frisado pelo ministro Ricardo Lewandowski. Em lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), estão suspensos os cumprimentos de reintegração de posse, despejos e remoções enquanto durarem as medidas de enfrentamento ao novo coronavírus.

Entre os movimentos populares e entidades que apoiam a ocupação estão o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF), o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), a Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Aduenf) e partidos políticos.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse