Há 123 anos, no dia 4 de junho de 1898, no interior do estado de Pernambuco, nascia um dos personagens mais ricos e controversos que este país já produziu: Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, um nome que até hoje causa polêmica.
Para uns, herói-justiceiro, protetor do povo pobre do sertão. Para outros, bandido da pior espécie, perigoso e sanguinário. O fato é que Lampião conseguiu ser um ícone dos dois extremos, uma façanha dada a poucos, e que de certa forma justifica a curiosidade que o seu nome, até hoje, suscita nas pessoas.
Antes que você me acuse de homenagear o bandido mais procurado de todos os tempos, eu peço que você deixe o maniqueísmo de lado e foque no fato de que, entre estes dois extremos, há a história de um sertanejo flagelado, forjado nas caldeiras da Caatinga, da miséria, perseguido e sentenciado por uma espécie de derrotismo histórico.
::Poeta, dançarino e artesão: conheça o outro lado de Virgulino Ferreira, o Lampião::
Um homem de sangue nos olhos que, através do cangaço, conseguiu chamar a atenção do país inteiro para a importância de uma região que, há séculos, convivia com o descaso e o preconceito governamentais.
Talvez você não goste dele, mas o fato é que o Capitão Virgulino não construiu sua fama à toa. Lampião foi capaz de arregimentar uma legião de colaboradores, uma malha de informantes e mensageiros, numa época em que a telefonia ainda engatinhava no Brasil.
Assim, construiu uma rede de comunicação tão grande que nenhum outro homem na região foi capaz de fazer – um verdadeiro mestre do network, uma figura lendária cujo nome, até hoje, povoa o imaginário popular com um cabedal de histórias verdadeiras e inventadas.
Virgulino Ferreira da Silva é considerado a segunda pessoa mais biografada das Américas, atrás apenas do argentino Che Guevara. Já foi notícia até no New York Times. Sua fama gira em torno de cifras milionárias, e há décadas movimenta indústrias como as da música, da literatura, do cinema e das artes plásticas. E se você pensa que essa influência econômica Lampião só conseguiu depois de morto está enganado.
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O arqui-cangaceiro era um líder influente, e detinha um poder enorme entre políticos, fazendeiros e até na cúpula religiosa. Era um articulador respeitado por sua capacidade de fazer transitar informações nos mais diversos círculos sociais, desde os mais nobres até os mais humildes.
A simples notícia da sua presença já era capaz de influenciar a economia de toda a macrorregião, um verdadeiro influencer das Caatingas. De tão poderoso, Lampião chegou a ser chamado de o “Governador do Sertão”, e até hoje ostenta o título de o “Rei do Cangaço”.
Outra curiosidade sobre Virgulino, que talvez você não saiba, é que ele era alfabetizado, uma qualidade rara naquele tempo. Além disso, com suas roupas de couro e indumentárias exóticas, influenciou até a moda da região – um bandoleiro fashion, com estrela de estilista, considerado tão importante para o cenário insurgente latino-americano quanto os revolucionários Emiliano Zapata e Simón Bolívar, em que pese as suas devidas diferenças de atuação.
Hoje, portanto, os meus parabéns não vão apenas para o cangaceiro-chefe, mas, principalmente, para a região Nordeste, para a arte e para cultura brasileiras que, neste dia, através da saga do inesquecível Lampião, tem os olhos do mundo voltados para si.
* Aroldo Veiga é professor e escritor, autor do livro “Trono de Cangalha”.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante