É importante começar dizendo: é a agricultura camponesa e familiar quem alimenta o povo brasileiro. Cerca de 70% dos alimentos diversificados que chegam as mesas da população vêm da produção das camponesas e dos camponeses.
Com apenas perto de 2,3% das terras agricultáveis no país, o campesinato, junto ao povo das florestas e das águas, produz o verdadeiro alimento que chega às feiras, aos espaços de acesso à população.
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Se fizermos um recorte de gênero e raça/etnia ao dado de 2,3%, ampliamos ainda mais o entendimento do lugar que ocupam mulheres e povos tradicionais na produção de alimentos diversificados, mesmo em espaços ainda mais reduzidos.
Mulheres e pessoas não brancas têm ainda menos terras, mas seguem produzindo com variedade e no caminho da agroecologia como modo de vida e projeto de sociedade, no caminho da comida de verdade e da soberania alimentar.
Destacamos, com toda a veemência, que não é o agronegócio quem alimenta o povo com suas monoculturas.
O agronegócio alimenta o próprio bolso, avança, junto à mineração e aos grandes empreendimentos do capital, com sanha voraz e com muita violência sobre os territórios camponeses, indígenas e quilombolas, querendo ampliar ainda mais seus lucros, plantando, colhendo e exportando commodities. E envenenando o Brasil.
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Aumento da fome
É do lado do agronegócio, e só dele, que está o atual governo genocida brasileiro. Se eles propagam o “aumento do Produto Interno Bruto (PIB)” gerado pelo avanço do agronegócio, nós denunciamos o aumento da fome gerado por suas políticas voltadas apenas para o grande capital.
O povo não come PIB ou commodities, o povo precisa de comida de verdade.
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Dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da covid-19 em nosso país apontam que 19,1 milhões de pessoas passaram fome e 55% não se alimentavam adequadamente no final de 2020.
E vejam que no mesmo período o agronegócio festejou recorde de grãos e crescimento de 5,7% em relação à safra anterior.
Nós, mulheres camponesas, falamos direto de nossos quintais e roçados produtivos em todo o país, onde cultivamos a diversidade e cuidamos das sementes crioulas construindo um futuro sem fome e com soberania alimentar.
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Nós denunciamos o governo Bolsonaro e salientamos o impacto de sua necropolítica, tanto na gestão da pandemia quanto do alimento para o povo, sobre a vida das mulheres trabalhadoras do campo, das águas, das florestas e das cidades. Continuamos produzindo e muito foi doado às populações mais fragilizadas.
Produção de alimentos
Resistimos também a partir da produção de alimentos. Nesse período da pandemia, as mulheres camponesas foram duramente afetadas no que se refere à renda.
As vendas diretas às/aos consumidoras/es e as feiras livres, que são as grandes responsáveis pela renda das mulheres, foram inviabilizadas sem que fossem construídas formas de colocar nossa produção a serviço de quem precisa. Mas nós optamos, ao contrário do agronegócio, pela solidariedade.
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As camponesas e os camponeses do Brasil expressaram a solidariedade de classe de diversas formas: na doação de alimentos, na confecção e doação de máscaras, produtos de higiene e limpeza, na partilha de saberes sobre o uso das plantas medicinais e chás, das receitas fortalecedoras da imunidade, preparos de pratos mais nutritivos.
Ao mesmo tempo, atuamos politicamente na pressão por políticas públicas emergenciais para o campo continuar produzindo alimentos.
Desde o começo da pandemia, em 2020, nós dos movimentos populares do campo, dos partidos de esquerda e do movimento sindical da agricultura familiar atuamos para enfrentar a crise alimentar, a pandemia da fome que já apontava.
Novas políticas públicas
A Lei Assis Carvalho (PL 735/2020), construída pela maioria das organizações que representam as trabalhadoras e os trabalhadores do campo, das florestas e das águas, possibilitava a ampliação da produção de alimentos saudáveis a partir de crédito e fomento.
Essa lei dá ênfase ao trabalho das mulheres e com políticas específicas para nossa produção, como também garantia de que o auxílio emergencial pudesse chegar à agricultura camponesa, aos indígenas e quilombolas.
Aprovamos no Congresso Nacional, depois de muita luta, mas Bolsonaro vetou praticamente todos os itens da lei, o que a impediu de ser um instrumento real de combate à fome.
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Em 2021, como continuidade da luta, propusemos com o mesmo conjunto de sujeitas e sujeitos políticos e sociais do campo, o Projeto de Lei Assis Carvalho II (PL823/2021).
Neste momento estamos pressionando para aprovar com urgência no Congresso, mas sabemos da dificuldade pela complexidade política que enfrentamos, com uma base bolsonarista ligada ao capital, ao agronegócio, e com a possibilidade de veto caso chegue à avaliação de Bolsonaro.
Por isso, reafirmamos: se, mais uma vez, nossos esforços por garantir políticas públicas de enfrentamento à fome e à insegurança alimentar forem barrados, só aumenta a força de nossa denúncia constante: Bolsonaro incentiva a pandemia da fome.
Existe um culpado
Se os preços não param de subir, se a fome aumenta, se a carestia atinge o povo em cheio, principalmente as mulheres trabalhadoras urbanas e do campo, existe um culpado e uma estrutura que o mantém no poder.
Nossa luta e resistência é camponesa, feminista e popular e denunciaremos todos os dias, somando às vozes de toda a classe trabalhadora: Bolsonaro não preveniu vacina e também não previne alimento. Bolsonaro quer a pandemia da covid-19 e também a pandemia da fome.
Nós, camponesas e camponeses, lutamos pela vida do povo produzindo alimentos saudáveis e exigindo políticas públicas a serviço da classe trabalhadora, defendendo o Sistema Único de Saúde (SUS) e as conquistas históricas do povo. Exigimos #VacinaNoBraço e #ComidaNoPrato. Para nós, a vida do povo deve estar sempre em primeiro lugar.
*Justina Cima, Catiane Cinelli, Sandra M. da Rocha Rodrigues e Adriane Canan são do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC Brasil)
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo