Veneno na mesa

Movimentos populares e pesquisadores no CE querem fim da isenção fiscal a agrotóxicos

Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor do mundo dos chamados "defensivos agrícolas", e tendência é de mais alta

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
No início do mês de maio, movimentos populares, ONG’s e ambientalistas lançaram a "Campanha Cearense Permanente Pela Vida – Agrotóxico Não, Agroecologia Sim!" - Foto: IAGRO/MS

Desde o início do mês de maio, movimentos populares, ONG’s e ambientalistas lançaram a "Campanha Cearense Permanente Pela Vida – Agrotóxico Não, Agroecologia Sim!", que traz como pauta o fim da isenção fiscal de agrotóxicos no estado do Ceará. Rafaela Lopes, geógrafa e doutoranda em geografia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), diz que é preciso compreender o motivo dos agrotóxicos terem isenção fiscal no estado. 

“O discurso que se coloca em pauta é que a isenção fiscal de agrotóxicos é imprescindível para a economia brasileira, mais especificamente, para os ruralistas”, diz a professora.

::“Assim como o coronavírus, o agrotóxico adoece e mata”, alerta imunologista::

Rafaela explica que, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), só no período de 2011 a 2016, os agrotóxicos tiveram um total de seis bilhões de reais de isenção e que, com o aumento do número de agrotóxicos liberados, este valor aumentou consideravelmente. Desde 2004, de acordo com ela, este setor vem sendo beneficiado pela lei 10.925, que prevê a isenção do pagamento na importação dos venenos e sobre a receita bruta, a partir da venda no mercado interno.

“Sabe-se que o atual governo apoia as políticas solicitadas pelos empresários do agronegócio e isso é materializado a partir das políticas criadas para financiamento e apoio ao setor. O que se prega é que o uso de veneno é necessário para a manutenção do agronegócio, setor que contribui para o desenvolvimento econômico do país”, afirma.

Sobre o fim da isenção de agrotóxicos, Rafaela afirma que a iniciativa pode contribuir para a criação de novas políticas públicas que viabilizem a produção sem venenos: “O fim das políticas de isenção de venenos traria benefícios para a população e para o ambiente, visto que estes químicos afetam trabalhadores e consumidores e que se contaminam direta e/ou indiretamente”.

Um artigo publicado no dia 20 de abril deste ano, no site contraosagrotoxicos.org, informa que durante o governo Bolsonaro, desde janeiro de 2019, foram registrados 1.059 agrotóxicos. Desses, cerca de um terço é proibido na União Europeia por conta dos riscos à saúde e ao meio ambiente. Rafaela Lopes explica que um dos agrotóxicos mais perigosos que é usado comumente no Brasil é o Paraquat.

::Artigo | A agroecologia em tempos de covid-19::

Desde 2008, de acordo com ela, o Brasil vem sendo o maior consumidor de venenos. “Estes produtos estão sendo colocados no mercado e, consequentemente, causarão uma maior exposição e danos à saúde humana e ao meio ambiente”.

Menos agrotóxicos na mesa


O projeto de indicação nº 156/15, de autoria do deputado Moisés Braz (PT), sugere a criação de uma Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica. / Foto: Cetra

Fernando Carneiro, biólogo, doutor em epidemiologia e pesquisador da Fiocruz Ceará afirma que para diminuir o consumo de agrotóxicos no Ceará é preciso ter mais apoio para a agroecologia. "Não basta proibir o uso de agrotóxicos, é preciso fomentar a agroecologia. Mais do que nunca é necessário ter uma campanha atual contra o uso de agrotóxicos e pela agroecologia”, argumenta. 

Adelita Chaves, agrônoma, mestranda em educação, educadora da Escola Família Agrícola (EFA), compartilha do mesmo pensamento sobre a importância do fortalecimento da agroecologia para a diminuição do consumo de alimentos com agrotóxicos e complementa ao dizer que são necessárias políticas públicas voltadas para a produção de alimentos com base na agroecologia, fornecendo o suporte necessário para as famílias camponesas poderem produzir alimentos sem a utilização de agrotóxicos, tendo garantido o direito à terra e aos recursos financeiros necessários. 

Lei Estadual já proíbe pulverização


A Lei Estadual 16.820/19, também conhecida como Lei Zé Maria do Tomé já existe há dois anos, ela proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará. / Foto: ALCE

A Lei Estadual 16.820/19, também conhecida como Lei Zé Maria do Tomé, já existe há dois anos, ela proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará e foi pioneira no Brasil. Para o geógrafo, doutor em geografia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Leandro Cavalcante, a aprovação da Lei representa uma conquista muito importante para todos que sofriam cotidianamente com os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos em suas comunidades.

“Na Chapada do Apodi, no Ceará, isso era uma realidade constante e que tirava o sono e a saúde dos moradores, já que era comum a prática do despejo de agrotóxicos por aeronaves nas plantações de banana, e que por vezes banhava também os quintais, os reservatórios d’água e as casas das comunidades, como ocorria sobretudo no [comunidade] Tomé”, afirma.

Os impactos dessa Lei, segundo Leandro, já são visíveis e significativos dentro desses dois anos de existência. Para ele, há um impacto positivo do ponto de vista ambiental e social direto na vida das pessoas que residem em comunidades cercadas pelo agronegócio, “especialmente naquelas onde as monoculturas de bananas eram banhadas de veneno, como ocorria na Chapada do Apodi e no Cariri”.

Para ele, essa mudança apresenta um grande alívio para as comunidades do estado do Ceará, diferente do que recentemente foi observado em outros estados pelo Brasil, a exemplo do que ocorreu no Maranhão, no Pará, em Goiás e no Rio Grande do Sul. “Nesse sentido, o Ceará é o exemplo a ser seguido no Brasil e no Mundo. É uma Lei que garante a manutenção da vida nesses territórios vulnerabilizados pela ameaça do agronegócio e dos agrotóxicos”.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Monyse Ravena