“Se eu assumir, não terá mais um centímetro para terra indígena”, prometeu o então pré-candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro (sem partido), em fevereiro de 2018. Desde que assumiu o cargo a que foi eleito naquele mesmo ano, a promessa de ofensiva contra os povos indígenas passou a ser uma de suas principais pautas de governo.
É o que mostram os dados publicados em maio deste ano pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no relatório “Conflitos no Campo Brasil – 2020”.
Segundo o documento, a partir de 2019, passou a ocorrer um aumento exponencial dos conflitos no campo, em especial nas modalidades de “invasão” e “grilagem”, que dão espaço ao agronegócio, desmatamento e mineração ilegal.
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Apesar da proteção de território dos povos tradicionais garantida pela Constituição Federal, em artigo publicado no relatório, o advogado e pesquisador indígena Eloy Terena alerta para as primeiras ações de Bolsonaro, que vão contra essa premissa.
“Desde o primeiro dia de seu mandato, já no ato de posse, [Jair Bolsonaro] apresentou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 8702, que retirava a atribuição de demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a transferia para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, além de retirar o órgão indigenista da tutela do Ministério da Justiça”, explica Terena.
Essas são algumas das ações que sustentam o aumento de invasões aos territórios indígenas, que, em 2019, atingiram 26.621 famílias. Em 2020, o número saltou para 58.327, o que representa 71,8% do total de invasões no campo em todo o país naquele ano.
Conforme explica o guardião da floresta Olímpio Guajajara, que coordena o grupo de protetores da floresta em um dos maiores territórios indígenas (TI) do país, a TI Arariboia, as invasões são violentas e têm como meta exterminar os povos indígenas, para dar espaço a grandes empreendimentos.
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“A invasão aumentou porque o governo Bolsonaro tem base política que visa grandes empreendimentos capitalistas, e eles estão nos atacando mesmo, inclusive aqui na Arariboia. Têm madeireiros querendo exterminar os Guajajara e os Awá-Guajá do território, que se encontram em alta vulnerabilidade, em plena pandemia do Covid-19”.
Olímpio Guajajara assumiu, em 2020, a missão que era desempenhada por Paulo Paulino Guajajara, uma das lideranças indígenas assassinadas na esteira do discurso de ódio disseminado no país.
Assassinatos
O relatório da CPT aponta que, no ano de 2020, entre os 18 assassinatos registrados no contexto dos conflitos no campo, sete foram de indígenas, 39% das vítimas. Entre as 35 pessoas que sofreram tentativas de assassinato, 12 são indígenas, 34% das vítimas. No que diz respeito às ameaças de morte, entre as 159 pessoas ameaçadas, 25 são indígenas, 16% das vítimas.
Olímpio destaca que, apesar das ofensivas, invasões e assassinatos, os indígenas são abandonados pelo governo e pela Justiça, sem a resolução e punição dos envolvidos, dando margem a índices cada vez mais trágicos e ao que identificam de genocídio.
“Do Paulo Paulino e do cacique Tomé e dos demais, a Justiça realmente abandonou a gente. Do cacique Tomé, vão fazer 14 anos que ele foi assassinado, eles têm conhecimento de tudo isso e não fizeram nada. Por isso chamamos de genocídio, porque a Justiça só prevalece para eles, mas para os pobres e indígenas, não tem Justiça, é como se fossem animais morrendo”, explica.
“Com esse governo, só tem sofrimento pela frente. Acho que é o momento do povo brasileiro se manifestar em repúdio, em qualquer momento. Momento de unir forças para podermos, nas próximas eleições nacionais, fazer uma grande mudança desse contexto atual, desse governo”, conclui.
Desmonte e militarização da política indigenista
A respeito desses dados, o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Gilderlan Rodrigues destaca o desmonte da política indigenista, que teve órgãos sucateados, extintos ou com desvio de finalidade para atender aos interesses dos próprios invasores.
“A gente tem atribuído [o aumento das invasões] à desmobilização da política indigenista no Brasil no atual governo, que tem feito com que as instituições responsáveis pela fiscalização e proteção dos territórios indígenas fiquem totalmente inoperantes ou, em alguns casos, até trabalhando em favor dos invasores, como é o caso do próprio Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, principal entidade fiscalizadora das normas ambientais do país)”.
O ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, são alvos de investigação que aponta exportação ilegal de 8.000 cargas de madeira ilegal para os Estados Unidos e Europa.
O presidente foi desmentido recentemente por servidores do Ibama a respeito de "informações" que divbulgou durante a Cúpula de Líderes Mundiais Sobre o Clima, em abril deste ano, de que teria determinado o fortalecimento dos órgãos ambientais.
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Na realidade, 2020 foi o ano em que foram constatados os maiores cortes orçamentários dos órgãos de fiscalização e proteção ambiental do país, tendo como consequência os maiores focos de desmatamentos e incêndios na Floresta Amazônica nas últimas décadas, além do menor número de fiscais do Ibama em atividade, já a partir de 2019.
Finalente, o coordenador do Cimi destaca a militarização por que passam os órgãos de fiscalização e controle ambiental. Na Funai, por exemplo, militares já ocupam quase 60% das coordenações regionais na Amazônia Legal, principal alvo de ofensivas contra os povos originários:
“Temos hoje uma Funai totalmente militarizada, cujos interesses são de abrir as terras indígenas. A instrução normativa nº 9, publicada pelo órgão no ano passado, abre mão de terras em processo de demarcação e favorece ainda mais a invasão de terras em vias de demarcação e de terras já demarcadas".
Edição: Vinícius Segalla