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É justamente nisso que Bolsonaro aposta, reforçando a narrativa de que a pandemia está no fim ao desobrigar pessoas já infectadas ou vacinadas a usar máscara - Marcelo Camargo / Agência Brasil
Mas não é apenas com os militares que Bolsonaro está se reconciliando

Olá! O exército e a seleção brasileira passaram no teste de fidelidade de Bolsonaro e, com o avanço da vacinação, o tempo agora está a seu favor. Mas ele ainda vai ter que enfrentar uma CPI, denúncias no Supremo Tribunal Federal (STF) e novas manifestações de rua.

Você talvez queira ler esta edição ouvindo Gonzaguinha.


.Fechando a janela? Há semanas diversos cientistas têm alertado para a iminência de uma terceira onda da pandemia no Brasil. Porém, talvez o avanço da vacinação compense a chegada de um novo pico, como alerta Vinícius Torres Freire.

Com isso, a terceira onda seria muito mais um prolongamento da situação atual, afetando sobretudo a população jovem e adulta e poupando os idosos já imunizados. É justamente nisso que Bolsonaro aposta, reforçando a narrativa de que a pandemia está no fim ao desobrigar pessoas já infectadas ou vacinadas a usar máscara.

Como se a situação brasileira fosse similar à da Inglaterra. E, mesmo com mais de 4 milhões de pessoas sem a segunda dose, o Ministério da Saúde decidiu iniciar a vacinação de toda a população adulta com menos de 60 anos.

A estratégia visa passar uma sensação de retorno à normalidade e parece estar funcionando. Os membros da CPI da Covid já estão preocupados em adiantar os trabalhos e o relatório final, pois temem que o tempo agora esteja a favor do governo.

É verdade que a cada dia vão surgindo novas evidências que implicam Bolsonaro diretamente no agravamento da pandemia. Dentre elas, uma carta do presidente da Pfizer endereçada ao gabinete presidencial em setembro de 2020 cobrando uma resposta sobre a oferta de vacinas e um documento do Itamaraty que revela que a empresa Sinovac recomendou ao governo brasileiro uma mudança de postura em relação à China para facilitar a chegada de insumos.

No entanto, Helena Chagas alerta que a CPI não está indo atrás das denúncias de corrupção e que alguém deve ter embolsado o dinheiro da compra e distribuição de milhões de comprimidos de cloroquina. É o que sugere a denúncia de que  Bolsonaro atuou diretamente em favor de duas empresas privadas de insumos para a fabricação do medicamento.

Mas o tema da cloroquina está ficando para trás e a CPI deve se concentrar na atuação do suposto gabinete paralelo. Já o veto do STF à convocação dos governadores tem resultado ambíguo. Por um lado, a decisão pode prejudicar Bolsonaro que pretendia pulverizar os alvos da Comissão, mas por outro dificulta o esclarecimento das negligência do governo federal na crise sanitária do Amazonas.

Além da CPI, Luis Nassif avalia que o governo ainda tem alguns pontos fracos, como uma possível prisão de Ricardo Salles e delações contra os irmãos Weintraub. E as novas mobilizações convocadas para o dia 19 poderiam dar vida a um movimento como as Diretas Já, avalia Thomas Traumann. Veremos.

.Freio de arrumação. Mais política do que a participação de Pazuello só a decisão dos generais em não punir o colega. Em uma tacada, Bolsonaro absolveu seu aliado, blindou-se na CPI e mostrou com quem o exército está. E, como era previsto, a decisão animou o baixo oficialato, que agora se sente mais à vontade para expressar apoio ao chefe. No fim das contas, mais do que a disciplina, pesou o fantasma do anticomunismo e o medo de Lula

Como resume o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza: o Exército é uma instituição politizada cuja mentalidade foi formada com base no anticomunismo. Não há divisão na cúpula das Forças Armadas, afinal eles foram os responsáveis pela eleição de Bolsonaro, e não haverá golpe agora porque os golpistas já estão no poder.

Mas em 2022? Como se pode construir uma eleição democrática quando um dos lados tem um poder imperial sobre tropas armadas?, pergunta Thomas Traumann. O roteiro é previsível: dar prosseguimento a ações para manter a temperatura política elevada, demonstrações localizadas de truculência e pressão indisfarçada sobre as instituições, escreve Luis Felipe Miguel.

Soma-se a isso o “método Trump” de alimentar a ideia de uma conspiração contra a reeleição e, em caso de derrota, uma “invasão do capitólio”, se uma parcela grande e barulhenta for fanatizada o suficiente ao ponto de querer romper a ordem institucional. E se essa “população” estiver armada e fardada, melhor.

.Que ainda você pensa muito em mim. Mas não é apenas com os militares que Bolsonaro está se reconciliando. A indicação de Marcelo Crivella para a embaixada da África do Sul acalma os ânimos da Igreja Universal, colocando o Estado brasileiro a serviço das disputas de Edir Macedo no continente.

A prorrogação do auxílio emergencial por mais dois meses fortalece o apoio de Bolsonaro entre os eleitores de baixa renda, onde mais cresceu seu apoio nos últimos anos, e ameniza uma situação econômica que só piora: energia, gás e gasolina puxaram a inflação e o preço da cesta básica subiu em 14 das 16 capitais pesquisadas.

Por consequência, segundo a FGV, a renda média domiciliar por pessoa caiu para R$ 1.065 no primeiro trimestre deste ano, uma queda de 10% em relação à 2020. Mas, no andar de cima, o bom desempenho da receita de impostos, do PIB trimestral e do comércio junto à queda do dólar amoleceu o coração do sistema financeiro.

Segundo Vinicius Torres Freire, o cálculo dos donos do capital é que a economia real sobreviveu ao morticínio deste ano; houve um alívio das condições financeiras; passou o chilique com o teto de gastos, as gambiarras fiscais são toleráveis e é plausível um crescimento de 5% do PIB.

Neste cenário, será possível garantir uma reconciliação entre Bolsonaro e o sistema financeiro para 2022 baseada em três medidas econômicas: a combinação de auxílio emergencial e bolsa família para os mais pobres, ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para a classe média e refinanciamento das dívidas das grandes empresas, escreve Adriana Fernandes. Segundo ela, os técnicos da equipe econômica calculam um espaço líquido acima dos R$ 30 bilhões para despesas no ano que vem.

.Golpes S/A. Não há segredos sobre o funcionamento da ala civil do golpismo: aliados e assessores de Jair Bolsonaro financiaram e organizaram os protestos que atacaram o Congresso e o STF, difundindo informações mentirosas através de contas de redes sociais.

A conclusão é de um relatório de mais de mil páginas da Polícia Federal que constata que 31 pessoas participaram de "operações executadas por um governo para atingir seus próprios cidadãos". Entre os integrantes da máquina do gabinete do ódio, um assessor da deputada Bia Kicis participou da organização do acampamento dos 300 de Sara Winter contra o STF, enquanto um assessor do Ministério dos Direitos Humanos alugou os carros de som para o ato de Bolsonaro em frente a um quartel do Exército.

Ainda segundo o relatório, o acesso às contas das redes sociais envolve o próprio Bolsonaro, seus três filhos mais velhos e a primeira-dama e eram feitos tanto de dentro do Planalto quanto da casa da família no Rio. Em um dos documentos apreendidos, o blogueiro Allan dos Santos escreve textualmente que objetivo era “materializar a ira popular contra governadores/prefeitos (...) derrubar governadores/prefeitos”.

A PF também apontou financiamento público ao gabinete do ódio, rachadinha entre deputados e o financiamento internacional para as ações. Em um país civilizado e onde as instituições funcionam, a denúncia de que o presidente da República conspira contra a população e os chefes dos Executivos estaduais seriam suficientes para derrubar o governo.

Mas não no país que tem Augusto Aras, alpinista social, como Procurador Geral e em campanha para reeleição. Depois de criar obstáculos para toda investigação, Aras pede o arquivamento “por falta de provas”. A decisão cabe agora ao ministro do STF Alexandre de Moraes.

.Uma aula de descaso. A peça que falta para atestar o “clima de normalidade” é a volta definitiva às aulas. Mas, em cada município a vacinação dos professores segue um ritmo diferente. Isso e o corte de verbas que inviabiliza até mesmo as mínimas condições sanitárias nas instituições de ensino.

Cobrado sobre a redução do orçamento na Comissão de Educação da Câmara, o pastor-ministro Milton Ribeiro jogou a culpa no Congresso e na regra do teto de gastos. A verdade é que o governo está mais preocupado com o conteúdo ideológico das questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que o pastor-ministro havia prometido analisar pessoalmente e agora voltou atrás, deixando a censura a cargo dos técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Outra genuína preocupação do governo é aprovar o mais rápido possível no Congresso a regulamentação do ensino domiciliar, ou homeschooling. A deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) trabalha para acelerar a tramitação da matéria dentro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

E enquanto patina no Congresso, a proposta já foi aprovada no Distrito Federal e, mais recentemente, no Rio Grande do Sul. Ou seja, o Estado brasileiro trabalha para se desresponsabilizar pela oferta da educação pública. No mesmo sentido vai a proposta do governo federal de incluir no Programa Bolsa Família vouchers para matricular as crianças em creches particulares.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Vale a pena nascer negro no Brasil? . Na Folha, Dodô Azevedo escreve uma bela e indignada despedida para Kathlen de Oliveira Romeo, grávida de 14 semanas, assassinada com um tiro na cabeça durante um confronto entre traficantes e PMs no Rio.

.“Bolsonaro é um candidato fortíssimo e as instituições estão em colapso”, alerta Marcos Nobre. Cientista social prevê um ano de 2022 difícil, com crescimento de Bolsonaro apoiado na economia e adverte que frente ampla não significa candidatura única.

.YouTube pagou R$ 6,9 milhões em dois anos a canais bolsonaristas investigados no STF. O Intercept nos lembra que é preciso discutir o papel das grandes empresas de tecnologia na máquina de financiamento do gabinete do ódio.

.Sob a sombra do apagão. Artigo da Piauí resume o histórico da crise hídrica e energética brasileira e os riscos de um apagão.

.Se liberado, trigo transgênico fará brasileiro de cobaia, diz especialista. Ex-membro da CNTBio, o professor Rubens Nodaria (UFSC) critica a ausência de debate com a sociedade e alerta que o glufosinato de amônio presente no grão transgênico é mais tóxico do que o glifosato.

.Países do G7 chegam a acordo histórico para tributar empresas multinacionais. No El País, Rafa de Miguel comenta sobre o acordo de reforma do sistema fiscal que busca regulamentar o movimento de capitais internacional.

.Peru: exame de uma vitória inesperada. No Outras Palavras, Lucas Malaspina e Marcos Doudtchitzky escrevem sobre os diversos e complexos fatores que levaram à vitória de Pedro Castillo no Peru.

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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Leandro Melito