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Mané e sua bodega

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E comprou cachaças de Januária, que tinham fama de ser as melhores na época, além de vodca, uísque, um monte de engradados de cerveja... Lá se foram todas as suas economias - Unsplash
Beberam tudo na inauguração. Não sobrou uma gota de bebida

Nestes tempos em que as pessoas querem tudo muito rápido, tenho saudade de umas viagens demoradas, vagarosas, de trem e de navio a vapor, com tempo para conhecer muitos passageiros, conversar bastante, contar piadas, fazer amizades e às vezes até arrumar namorada.

Na minha primeira viagem descendo o rio São Francisco, que duraria 7 dias, tinha tempo pra tudo, e as pessoas eram predispostas a conversar.

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No terceiro dia de viagem, numa parada em Bom Jesus da Lapa, embarcou um grupo liderado por um agrimensor, o Mané, que tinha um apelido interessante e vou contar o porquê.

Ele e sua turma reclamavam muito que naquela cidade não tinha um bar que prestasse. Ou bodega, como chamavam lá. Saíam do trabalho no final da tarde, iam bebericar um pouco antes de seguirem pras suas casas, mas achavam que o serviço das bodegas era ruim e faltavam tira-gostos.

Um dia o Mané resolveu: vou abrir uma bodega de primeira aqui, pra gente frequentar com gosto.

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Alugou um cômodo bom, fez umas reformas, um carpinteiro fez prateleiras, balcões, mesas e cadeiras do jeito que ele queria. Aí encomendou geladeiras grandes e boas em Salvador, contratou uma ótima cozinheira, treinou uns rapazes para serem garçons melhores do que os que existiam na cidade... gastou uma grana danada.

E comprou cachaças de Januária, que tinham fama de ser as melhores na época, além de vodca, uísque, um monte de engradados de cerveja... Lá se foram todas as suas economias. Teve até que vender um sitiozinho.

Enfim, chegou o grande dia da inauguração. Comprou muitos peixes dos pescadores locais, e para a inauguração, além da cozinheira, contratou uma ajudante pra atender os pedidos com rapidez.

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Os amigos insistiram e ele concordou: na inauguração tinha que ser tudo de graça. Foi numa noite de sábado.

Domingo de manhã, mulheres que passavam em frente à bodega para ir à missa se horrorizavam vendo aquele monte de bêbados dormindo no chão do bar e na calçada.

Beberam tudo na inauguração. Não sobrou uma gota de bebida.

Como não tinha dinheiro para repor o estoque, o Mané fechou a bodega e nunca mais abriu. E pegou o apelido que o acompanhou para sempre: Mané Seca-Bodega.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir