CONEXÕES MUNDIAIS

Conservadores derrubam site de investigação sobre grupos organizados da ultradireita

Pesquisa realizada por jornalistas argentinos mostra estrutura que envolve juventude, igrejas e o uso de trolls

Brasil de Fato | Buenos Aires (Argentina) |
Mapeamento permite entender vínculos de grupos conservadores locais e internacionais, que barram avanços de direitos e ganham força com a opinião pública - Reprodução

Um grupo de jornalistas argentinos realizou uma investigação ao longo de dois anos, publicada neste último domingo (13) no portal La Reacción Conservadora. A pesquisa, desenvolvida por seis jornalistas, é publicada em artigos divididos por temas nos portais de El Diario da Argentina e da Espanha, em parceria para a divulgação do trabalho.

Desde segunda-feira (14), o site está fora do ar, fruto de uma campanha persistente impulsionada no Twitter por figuras da direita e por meios de comunicação decididos a denunciar o trabalho, jamais mencionando o que seu conteúdo revela.

:: Imaginário que vem dos barcos: por que foi racista a fala de Alberto Fernández ::

Partindo da reação antidireitos, simbolizada pelos lenços azuis, seguindo a cor da bandeira argentina, e do avanço da campanha pela legalização do aborto na Argentina, o grupo de jornalistas decidiu se debruçar sobre esse movimento conservador e averiguou que ele vai além do território argentino e do avanço da luta pelo aborto legal no país. 

Para realizar a empreitada, o trabalho foi pensado como um mapeamento dos vínculos entre grupos e figuras locais e internacionais – além do financiamento que impulsiona sua expansão.

"As distintas peças do quebra-cabeças permitem ver como se movimenta esta articulação conservadora na Argentina, em distintos espaços: o da formação de quadros jovens, o do lobby parlamentário, o do litígio estratégico, o das redes sociais, o do poder evangélico, o da direita católica",  explicam na apresentação da pesquisa no El Diario.

:: "Risco de trigo transgênico contaminar outras variedades é inevitável", diz bióloga ::

O mapa inclui um filtro de busca com pessoas, organizações e relações identificáveis com a reação conservadora. A busca define as atividades realizadas em distintos âmbitos e níveis, incluindo redes sociais, partidos políticos, igrejas, meios de comunicação, poderes do Estado, think tanks e organizações da sociedade civil.

"No final de 2019, nos juntamos para pensar um trabalho de investigação jornalística sobre um fenômeno que nos atraía e preocupava, ao mesmo tempo: a reação conservadora", explica em seu Twitter uma das jornalistas responsáveis pelo trabalho, Ingrid Beck.

"Esperamos contribuir para entender um pouco mais sobre esse fenômeno local e suas conexões no mundo, que chame a atenção dos que ainda o minimizam e que seja pontapé para mais trabalhos jornalísticos que possam se sustentar no tempo", conclui Beck. O fio de tweets apresentando o trabalho foi seguido do último tweet da jornalista até então: "Estão me ameaçando por telefone".

::  Argentina tem aumento de 35% na vacinação e passa a fabricar AstraZeneca e Sputnik V ::

Ela e os outros jornalistas do grupo de pesquisa passaram a ser perseguidos após a divulgação do mapeamento. Alguns, como Beck, viram-se obrigados a bloquear suas contas no Twitter. Seguindo o sugestivo e certeiro nome dado à investigação, a reação dos conservadores ao trabalho jornalístico comprova seu mecanismo e sua lógica. 

O máximo exemplo foi dado por um comunicado lançado pela coalizão Juntos por el Cambio, da qual faz parte Mauricio Macri, investigado por espionagem ilegal em seus anos como presidente.

A publicação oficial foi intitulada "não podemos permitir a confecção de listas persecutórias em democracia" e denunciava que jovens militantes foram "estigmatizados como 'a nova direita'".

Redes internacionais

Um dos movimentos investigados pelos jornalistas é o impulsionado pelo partido de ultradireita espanhol Vox, que aposta em um projeto internacionalista, seguindo os ensinamentos de Steve Bannon (mentor de campanhas eleitorais de Donald Trump e Jair Bolsonaro).

Em uma palestra realizada em Buenos Aires pelo deputado de Vox, Javier Ortega Smith, que visita frequentemente a Argentina por sua dupla nacionalidade, as palavras-chave reaparecem: "batalha cultural contra a esquerda", "ideologia de gênero", "correção política".

Segundo relatam os autores da investigação La Reacción Conservadora, o partido espanhol aposta nessas pontes com intuito de motivar um movimento como Vox em outros países, disseminando recomendações para impulsionar a onda ultraconservadora: partir de grupos convencidos, mesmo que pequenos, que não se importem em ser tachados de "fascistas" ou "politicamente incorretos"; "não sentir culpa"; "dizer a verdade"; e "ter uma mensagem clara".

:: Sputnik V fabricada na Argentina é aprovada por controle de qualidade da Rússia ::

Também apontam um manifesto lançado pelo partido Vox, a Carta de Madrid, que reúne várias dessas figuras ultraconservadoras da política internacional.

Assinada por nomes como o argentino aspirante à presidência e admirador do bolsonarismo José Luis Espert, o boliviano e ex-ministro de Jeanine Áñez, Arturo Miller, e Eduardo Bolsonaro, o manifesto denuncia o "avanço do comunismo" e aponta o potencial da Iberosfera, "uma comunidade de nações livres e soberanas que compartilham uma arraigada herança cultural".

Outros âmbitos desvelados pela investigação focam no movimento evangélico, que se expande pelo mundo e em direção à política, à cooptação da juventude antiprogressista e à atuação sistematizada de ataques e o uso de trolls nas redes sociais, da qual foi a alvo o próprio site La Reacción Conservadora.

:: Argentina tem recorde de vacinação: mais de 350 mil doses em um final de semana ::

O portal divulga o mapeamento realizado pelos jornalistas, que inclui uma linha do tempo e as conexões entre figuras representativas do movimento conservador a partir da Argentina.

Remete, por exemplo, ao surgimento da noção de "ideologia de gênero" no Vaticano, nos anos 90, como reação aos movimentos feministas e LGBT.

O site deve voltar ao ar em breve

"Nos propomos a mostrar como, às vezes organicamente e outras de maneira casual ou espontânea, esses atores se conectam entre si a partir, e sobretudo, de lemas e militância antigênero, da busca de inimigos comuns – defensoras e defensores de direitos humanos, as e os partidários da intervenção do Estado, as feministas e outras representantes do progressismo – com o objetivo de promover aos seus quadros e referências políticas para que ocupem espaços de decisão nos poderes do Estado, nos meios de comunicação ou, simplesmente, diante da opinião pública."

Edição: Vivian Virissimo