O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) surpreendeu sua equipe econômica ao falar, na última terça-feira (15), que seu governo irá viabilizar um novo Bolsa Família, com valor de R$ 300. A quantia atualmente paga chega, no máximo, a R$ 190. O ex-militar também adiantou que o auxílio emergencial deve ser prorrogado por dois ou três meses. Para o cientista político Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva em Minas Gerais, essa atitude demonstra que o mandatário está encurralado e na defensiva.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o especialista pondera que as ações de Bolsonaro, desde as manifestações do dia 29 de maio, que pediam o seu impeachment, apresentam um presidente preocupado com sua popularidade.
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Ainda de acordo com Ricci, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deveria comparecer às manifestações marcadas para o dia 19 de junho, sob risco de perder a confiança do eleitorado mais ao centro.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Nesta semana, Bolsonaro anunciou intenção um aumentar o valor do Bolsa Família e antecipou que o calendário do auxílio emergencial deve ser estendido. Antes disso, o presidente nunca tinha flertado com programas de transferência de renda, e o auxílio só foi aprovado por pressão do Congresso. O que aconteceu?
Rudá Ricci: Na política, não é o discurso que define a prática. Bolsonaro já pregou mais de 20 afirmações que não aconteceram de fato. Estou dizendo isso porque, se ele elevar o valor do Bolsa Família e estender o auxílio emergencial, ele vai estourar o teto de gastos que ele apoiou.
Então, ele tem que operar no Congresso para que possa fazer o que pregou, e acho que, mais uma vez, não conseguirá. Temos que observar que os discursos dele, desde as manifestações do 29 de maio, são mais tímidos, ele perdeu o protagonismo que tinha na política brasileira. Desde as manifestações, ele já falou em rede nacional, já disse que tentará suspender o uso obrigatório de máscara, já falou de vacina e fez motociata.
Em nada parece acertar, e está claro que Bolsonaro está na defensiva, e isso é raríssimo desde 2018. Desde a eleição, o presidente fez a esquerda e os movimentos populares ficarem na defensiva, e agora ele é quem está encurralado.
Com a CPI da Covid e as manifestações, que devem se intensificar no sábado (19), ele ficou completamente escanteado, e isso tem preocupado a sua equipe. Então, ele está soltando uma série de tentativas de mudança da agenda para retomar a ofensiva, mas até agora não conseguiu.
Surgiu o boato de que Lula pode comparecer às manifestações do dia 19 de junho. É um tiro no pé ou uma boa estratégia?
Seria um tiro não só no pé, mas no joelho, no cotovelo e na orelha. É um erro político grosseiro, e duvido que o Lula faça isso. Acho que o Lula apenas pautou o campo progressista para deixá-los com mais adrenalina para sábado. Veja bem, o Lula está se movimentando para atrair o eleitor do centro e da centro-direita. Se ele vai na manifestação, mostrará para esse campo que está agindo como o Lula do PT, estará agindo com revanchismo, e ele não quer passar essa imagem, ele quer mostrar que está mais centrado.
Em resumo, ele não ganha nada indo na manifestação. Essa coisa do Lula participar ou não, é apenas um fetiche político. Todo mundo sabe com quem o Lula está, ele não precisa ir lá para comprovar. A narrativa que o Lula está construindo, a picada que ele está abrindo, não vai na direção da manifestação, que não precisa do Lula e será forte de qualquer forma.
Não vejo nenhuma vantagem política, mas o Lula é muito inteligente e criou um fato político. Tenha certeza, se ele for, partidos que passaram a sentar com o Lula para negociar irão se afastar.
O apresentador de TV Luciano Huck anunciou que não será candidato em 2022. Embora pequeno, os institutos de pesquisa já previam um eleitorado disposto a votar nele. Para onde devem migrar esses votos?
Nesse momento, para nenhum lado. Veja, a fala do Luciano Huck mostra que ele deve ter em mãos uma pesquisa sobre esse eleitorado dele, porque ele disse que votou em branco em 2018, o que é mentira, ele declarou voto no Bolsonaro e isso foi publicado por ele em suas redes sociais. Para ele falar uma mentira, é porque ele deve ter dados sobre o perfil do eleitorado dele, que majoritariamente é alguém que fica em cima do muro, tipo tucano (PSDB).
O que eu penso, sem qualquer pesquisa, é que 50% ficará em cima do muro esperando a tal da terceira via, uns 30% ou 40% irão para o Bolsonaro e o que sobrar, para o Lula.
O perfil do eleitor do Luciano Huck não quer mudar o país, ao menos do ponto de vista da ordem econômica, mas ele quer algum avanço comportamental, é gente que é antirracista, que é a favor do casamento homoafetivo, mas que não abre mão de continuar rico. Esse pessoal tem medo do Lula, não pelo que o Lula é, mas pelo medo da revanche.
Edição: Vinícius Segalla