O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e mentiu quatro vezes durante transmissão de sua live semanal, veiculada na noite desta quinta-feira (17) pelas redes sociais.
Ele classificou o ministro Luís Roberto Barroso de "ditador" pela decisão de proibir que pessoas sejam despejadas de suas casas durante a pandemia, em casos de imóveis que estão ocupados desde antes do início do surto.
A decisão, que teve por base princípios contitucionais como o da dignidade humana e o direito à vida, visa também evitar o agravamento da crise sanitária, uma vez que há consenso na comunidade científica internacional de que o distanciamento social - com as pessoas permanecendo dentro de suas casas o maior tempo possível - é uma das medidas prioritárias para se reduzir o contágio do novo coronavírus.
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Para o presidente da República, no entanto, a decisão do ministro é "um escárnio". "Isso é típico de comunista, de socialista, de quem não é pró-mercado, de quem é ditador", disse. Em seguida, afirmou: "Barroso não tem zelo pela família tradicional. Lamentavelmente, ele é um péssimo exemplo para todos nós".
Série de mentiras
Jair Bolsonaro afirmou que o uso de máscaras causa sonolência, em função do acúmulo de gás carbônico que seria gerado próximo à boca e o nariz de quem as utiliza. "O CO2 (gás carbônico) não leva ao sono? O cara está com a máscara, o carro está fechado, ele com a máscara, respirando ali. Quer dizer, vai ter uma oxigenação menor no seu corpo. Não precisa ser médico pra dizer isso aí. Isso pode levar a acidentes".
Não é verdade. O presidente da República repetiu uma informação falsa que circula em redes sociais e que já foi desmentida uma série de vezes por autoridades médicas e entidas públicas de saúde.
Em nota enviada a uma agência de verificação de notícias falsas, o próprio Ministério da Saúde já informou que "não existe embasamento técnico científico que comprove a ocorrência de acidificação (acúmulo de gás carbônico) do sangue por causa do uso de máscaras". Na mesma nota, a pasta federal reforça a recomendação para o uso de máscara.
Em outro momento da transmissão, que durou pouco menos de uma hora, ao comentar a morte em serviço de dois policiais militares no Rio de Janeiro, Bolsonaro mentiu mais duas vezes. Primeiro, afirmou que o ministro Edson Fachin, do STF, proibiu as forças de segurança fluminenses de realizar operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante o período de pandemia.
Depois, disse que o mesmo magistrado determinou a soltura de "mais de 30 mil vagabundos" de estabelecimentos prisionais, também em virtude da crise sanitária.
"A gente lamenta o que acontece. Uma participação do ministro Fachin, que proibiu os policiais de fazer operação em comunidades, proibiu o sobrevoo de helicóptero e, se eu não me engano, foi o próprio Fachin que libertou mais de 30 mil vagabundos por ocasião da pandemia".
São mentiras. No dia 5 de junho do ano passado, decisão do ministro Fachin estabeleceu condições específicas para que as polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro executassem operações contra traficantes em comunidades populosas do Rio durante a pandemia, sem jamais proibí-las. Em agosto do mesmo ano, o plenário da corte referendou a decisão.
O duplo mando judicial estabeleceu que as operações ficassem restritas a casos excepcionais e fossem informadas e acompanhadas pelo Ministério Público. Tanto as operações não foram proibidas que, no início de maio deste ano, uma ação policial executada no Jacarezinho entrou para história do Estado do Rio de Janeiro e estarreceu o mundo, ao deixar 28 mortos sob o céu da comunidade da zona norte da capital fluminense.
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Já a medida de soltura de presos nunca existiu, e se trata de uma mentira reciclada pelo presidente. O boato circulou nas redes sociais e foi disseminado por apoiadores do presidente no ano passado. Ele teve origem na Recomendação 62/2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 14 de junho de 2020, e não tem qualquer relação com o ministro Fachin.
O documento contém orientações ao Poder Judiciário para evitar contaminações em massa da covid-19 no sistema prisional. Ele incentiva juízes a reverem prisões para detentos do grupo de risco e em final de pena, entre outras medidas.
Essa orientação não se aplica a condenados por crimes violentos ou com grave ameaça, como latrocínio, homicídio e estupro. Detentos ligados a organizações criminosas também não podem se beneficiar das medidas. A adesão à recomendação é voluntária para as autoridades prisionais.
No dia 14 de junho do ano passado, o CNJ divulgou que cerca de 32,5 mil presos de 18 Estados e do Distrito Federal tiveram a prisão alterada para outros formatos, como prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico. Esse número representa 4,8% do total de presos.
Bolsonaro também desinformou ao comemorar o acordo de cooperação assinado com a Nasa, agência espacial norte-americana, que prevê a participação brasileira no programa Artemis, com espectativa de promover voos tripulados à Lua.
"O projeto visa, daqui a dois anos, levar a primeira mulher para o espaço", afirmou o mandatário. A primeira mulher a entrar em órbita, no entanto, foi a soviética Valentina Vladimirovna Tereshkova, que deixou o planeta Terra em 1963.
Em junho daquele ano, a União Soviética colocou duas espaçonaves simultaneamente no Espaço, lançadas com diferença de dois dias, a Vostok V e a Vostok VI. A primeira foi pilotada por Valery Bykovsky, que bateu o recorde de resistência fora da Terra, quando completou uma missão de cinco dias. Já Valentina voou na Vostok VI, lançada em 16 de junho, tornando-se a primeira mulher no Espaço. Ela completou 48 órbitas ao redor do planeta, no total de 71 horas.
Bolsonaro desmente existência da "caixa preta do BNDES"
Ainda nesta quinta, o chefe do Executivo abandonou uma mentira que circulou intensamente pelas redes de fake news bolsonaristas, principalmente durante as últimas eleições presidenciais: a existência de uma contabilidade paralela no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) operando créditos secretos entre os anos de 2003 e 2016, apelidada de "caixa preta do BNDES".
"Não é caixa preta aquela lá. Tudo foi aprovado por alteração de medidas provisórias. Não foi caixa preta, na verdade, está aberto aquilo lá. Eu também pensava que era caixa preta. Está aberto no site do BNDES, os empréstimos todos para os outros países aí", disse, na saída do Palácio do Planalto, em resposta a um simpatizante. A declaração foi transmitida por um site que apoia Bolsonaro.
Durante a campanha presidencial de 2018, Bolsonaro acusou exaustivamente os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2016) de terem feito uso do BNDES para emprestar secretamente dinheiro a países sob regimes de esquerda. "Abrir a caixa preta do BNDES" foi uma de suas principais promessas de campanha.
Edição: Vinícius Segalla