A imprensa comercial brasileira deu destaque às manifestações deste sábado (19) contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o que representou uma mudança de postura de alguns dos maiores jornais do país.
O Globo e O Estado de SP, que haviam "escondido" de suas capas do dia 30 de maio as repercussões dos protestos do dia 29, desta vez reconheceram a importância dos atos.
Para a coordenadora executiva do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), Ramênia Vieira, a mudança de postura da imprensa pode estar relacionada à pressão vinda das redes sociais após o ato do dia 29 de maio.
"Nós tivemos uma pressão muito grande, principalmente no Twitter, questionando os meios de comunicação por não estarem fazendo uma cobertura da forma como costumam fazer com outros atos. Em alguns casos até tornando o ato invisível."
Manchete principal da edição do Globo deste domingo (20), os atos contra Bolsonaro foram associados pelo jornal à trágica marca de 500 mil mortes por covid-19, registrada no sábado (19).
O tratamento é diferente ao da edição do dia seguinte às primeiras mobilizações, publicada no domingo (30 de maio). Naquela data, o veículo destacou uma matéria sobre perspectivas de crescimento PIB nacional, deixando as manifestações para uma chamada secundária e sem imagem.
Embora tenha publicado foto na capa e matéria com quatro imagens dos atos anti-Bolsonaro, o jornal O Estado de S. Paulo cedeu espaço apenas em página par, local considerado de menor destaque na prática jornalística, para os protestos massivos registrados no último sábado (19).
No dia 30 de maio, o jornal havia limitado sua repercussão à um título secundário e sem foto “Milhares vão às ruas contra Bolsonaro e causam aglomeração”, optando por priorizar na manchete do dia uma reportagem sobre a reinvenção do turismo em cidades brasileiras.
Desta vez, o jornal também convidou o cientista político Carlos Melo para analisar as manifestações sinalizando em sua manchete que o maior desafio das manifestações é serem "amplas": "O maior desafio das manifestações - que certamente continuarão - será não se perderem como instrumentos eleitorais de partidos e candidatos", apontando nas entrelinhas descontentamento por eventual participação nos atos do petista Luiz Inácio Lula da Silva, único candidato até o momento capaz de fazer frente à reeleição de Bolsonaro.
Leia também: Meio milhão de mortos por covid: o que Bolsonaro (não) fez até esta marca
Em contraste ao seu concorrente, o jornal Folha de S. Paulo destinou 5 páginas para tratar da repercussão das manifestações contrárias à gestão de Jair Bolsonaro. A publicação segue na mesma linha da cobertura dos atos do dia 29 dando a devida atenção aos desdobramentos do fator "povo na rua" na correlação de forças da conjuntura política brasileira.
No impresso distribuído neste domingo (20), orientou repórteres a analisarem os efeitos dos protestos no tabuleiro da eleições de 2022 e também se dedicou a ouvir os bolsonaristas descontentes que atenderam ao chamados da Frentes Brasil Popular, Povo Sem Medo e da Coalização Negra por Direitos.
Na comparação com o 29 de maio, o Correio Braziliense, principal veículo impresso do Distrito Federal (DF), onde se concentra a sede dos Três Poderes, resolveu diminuir ainda mais o tamanho da divulgação dos atos contra o governo federal. Mesmo com o aumento do número de participantes, alcançando 750 mil pessoas, segundo os organizadores, o jornal do DF avaliou que os protestos não mereciam nem mesmo uma fotolegenda e destinaram uma foto pequena com a genérica chamada "Protestos pelo país", sem mencionar as mais de 400 cidades que registraram ações políticas. Assim como O Estado de S.Paulo, também julgou que apenas uma página par seria suficiente para dar conta do fato jornalístico.
Relembre: Estadão e O Globo evitam colocar protestos anti-Bolsonaro na manchete do dia
Abertura e editorial
O Jornal Nacional – da TV Globo, parte do maior conglomerado de mídia brasileiro – do último sábado iniciou com uma reportagem de quase 6 minutos sobre os protestos para pedir “vacina para todos e o impeachment de Bolsonaro”.
Com tom simpático em relação aos protestos, a locução da matéria destacou bandeiras do Brasil e faixas em verde e amarelo, apesar de as imagens mostrarem bandeiras, camisetas e cartazes majoritariamente vermelhas.
O jornal salientou, ainda, que as manifestações foram pacíficas e convocadas por movimentos sociais e estudantis.
Na mesma edição, os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos, leram um contundente editorial em que a emissora voltou a questionar a condução do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia, destacando os "muitos –e muito graves– os erros cometidos".
"Eles estão documentados por entrevistas, declarações, atitudes, manifestações. A aposta insistente e teimosa em remédios sem eficácia, o estímulo frequente a aglomerações, a postura negacionista e inconsequente de não usar máscaras e, o pior, a recusa em assinar contratos para a compra de vacinas a tempo de evitar ainda mais vítimas fatais."
O editorial terminou defendendo a cobertura da pandemia com base em informações com comprovação científica.
“Porque tudo tem vários ângulos e todos devem ser sempre acolhidos para discussão. Mas há exceções. Quando estão em perigo coisas tão importantes como o direito à saúde, por exemplo. Ou o direito de viver numa democracia. Em casos assim, não há dois lados. E é esse o norte que o Jornalismo da Globo continuará a seguir”.
*Com informações do Poder 360.
Edição: Rodrigo Chagas