A coalizão formada em Israel para derrotar o agora ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu “é uma colcha de retalhos” e, com o governo do novo premiê, Naftali Bennett, nada vai mudar para o povo palestino. A opressão e a ocupação incessantes de seu território pelos colonos incentivadas pelo Estado sionista não vão continuar as mesmas. A tendência é piorar, prevê o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Reginaldo Nasser.
Os postos chave serão ocupados pela extrema direita. Bennett está à direita do próprio Netanyahu. Para se ter uma ideia, o novo chefe de governo deu a seguinte declaração em 2013: “Eu matei muitos árabes na minha vida. E não tenho problema nenhum com isso”. Avigdor Lieberman comandará as Finanças no novo governo. Até Netanyahu já comentou que Lieberman “é um radical”, o que mostra o perfil do político. Expulsar do Parlamento deputados árabes “infiéis” já foi plataforma de Lieberman em eleições passadas.
Principalmente na chamada mídia tradicional, analistas avaliaram que a mudança no comando de Israel poderia arrefecer a incessante ocupação da Palestina, apesar da sinceridade homicida de Bennett, já que, segundo essas avaliações, a coalizão que derrotou Netanyahu é ampla e conta até com o árabe Mansour Abbas, líder do partido islâmico Raam. Mas sua participação no grande acordo que venceu o ex-premier apenas enfraquece e divide os palestinos. “Abbas é um traidor”, afirma o professor. O Knesset (parlamento de Israel) aprovou o nome de Bennett pela diferença mínima: 60 a 59.
Pelo acordo, Bennett governa o país por dois anos. Depois, o primeiro-ministro será Yair Lapid, considerado um “reformista de centro-direita”, líder do partido Yesh Atid (que significa “há um futuro”, em hebraico). Seja como for, Netanyahu – cuja força política continua enorme, apesar das acusações de corrupção – será uma ameaça permanente à frágil coalizão. “Há acusações pesadas contra ele e um desgaste de 12 anos. Mesmo assim, precisou juntar todo mundo, e a diferença foi de um voto. Precisamos esperar, para ver se esse novo governo não vai cair”, observa Nasser.
A lógica israelense
Mas, para os palestinos, pouco importa. A posição de governos no espectro político não significa nada, na opinião do professor da PUC. Desde 1967, com a ‘Guerra dos Seis Dias’, os governos de Israel aumentam a ocupação de terras palestinas sem parar. “Há uma lógica de unidade nacional de Israel que é ocupar terras palestinas. A diferença é que os trabalhistas dizem defender o Estado Palestino, mas, em termos de ação concreta, não tomam iniciativa nenhuma nesse sentido.”
“Aliás, o governo israelense na ‘Guerra de Seis Dias’, que ocupou Palestina e Gaza, era trabalhista”, destaca Nasser. O conflito mencionado pelo professor foi um ataque preventivo das forças israelenses contra bases da força aérea do Egito no Sinai. Na época, Israel alegou que o Egito se preparava para atacar. A guerra envolveu ainda Síria, Jordânia e Iraque e foi vencida inapelavelmente em menos de uma semana pelas poderosas forças de Israel.
Netanyahu e Bolsonaro, Lula e Bush
Analistas de política externa avaliam que o fim do governo de Netanyahu – que ficou no poder por 12 anos, desde março de 2009 – “aprofunda” o isolamento do brasileiro Jair Bolsonaro, que fez tudo o que pôde para agradar o ex-primeiro-ministro. Para Reginaldo Nasser, essa análise “é uma bobagem”. Durante o último “confronto” entre as forças militares israelenses (na verdade um covarde e desproporcional ataque sionista aos palestinos) o presidente brasileiro declarou ser “absolutamente injustificável” o “lançamento indiscriminado de foguetes (do Hamas) contra o território israelense”.
“A relação entre países não se dá por declarações de chefes de Estado”, diz o analista. Exemplo disso é que, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, em 2002, especialistas previam um futuro nebuloso nas relações entre Brasil e os Estados Unidos então governados pelo republicano conservador George W. Bush. Mas o que ocorreu foi o contrário. Não só as relações comerciais continuaram intocadas – inclusive no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) – como as pessoais foram as melhores possíveis, apesar de o Brasil de Lula ter se colocado em oposição à guerra norte-americana contra o Iraque.
“Lula e Bush se reuniam, davam risada juntos, e não aconteceu nada”, lembra Nasser. Em 2009, bem humorado, Lula chegou a declarar em um evento: “Eu até dizia, eu queria brigar com um cara do tamanho do Bush, mas ele virou meu amigo”. Como se sabia à época, e nenhum dos dois escondia, havia brindes descontraídos com a cachaça brasileira, que Bush apreciava, e o Whisky com que presenteava Lula.
Em maio de 2019, o ex-presidente norte-americano recebeu a visita do recém-empossado Bolsonaro, no Texas. Na ocasião – relata a BBC –, “o ex-presidente George W. Bush exibe à entrada do edifício que abriga seu instituto, em Dallas, dois objetos associados à relação próxima e inusitada que o americano construiu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. A referência era a tigelas de cerâmica que a então primeira-dama brasileira, Marisa Letícia, dera de presente à colega americana, Laura Bush.