Serial killer não é um conceito jurídico ou psiquiátrico, mas hollywoodiano
Luís Francisco de Carvalho Filho - Colunista da Folha
Lázaro Barbosa tem 32 anos, o “título” de “serial killer” e está “tocando o terror” no país. Há alguns dias está sendo caçado “feito um bicho”, através de uma operação com mais de 200 policiais, cães farejadores, drones e com o direito a ocupar horas e horas da mídia ávida por mostrar o movimento em torno das peripécias do perigoso e astuto “criminoso”.
O que traz surpresa e fica transparente é a desmoralização e o constrangimento que um sujeito sozinho, sem equipamentos e certamente exausto física e psicologicamente, provoca na força pública em busca de sua captura.
Para uma especialista, psiquiatra que tenta construir pistas a partir das notícias da imprensa, trata-se de um “psicopata imprevisível”, “cruel”, “predador social” que precisa ser contido.
Mas como todo discurso científico responsável e consequente, não sugere a morte como resposta do Estado. Mas dificilmente Lázaro Barbosa vai sobreviver a essa travessia.
As vítimas de sua “psicopatia social”, mas sobretudo a sociedade punitivista, não têm qualquer motivação política, ideológica ou sentimentos de compaixão, piedade, empatia, para compreender a subjetividade de Lázaro Barbosa, “escutando” possível dor, memória de sofrimento, ferida moral decorrente de pancadas que o corpo de Lázaro parece ter sofrido na infância.
Isso até poderia explicar, mas não justifica a violência que traduz suas ações. Depois, não é problema do sistema de justiça criminal essa “prosa criminológica crítica”.
Aqui é Direito penal funcionalista, instrumento de política criminal protetora de vidas mas também de interesses do estado burguês. E aqui, de fato, existem condutas reprováveis contra a dignidade sexual, a vida, o patrimônio.
A regra é “aos maus, a aflição da pena”. E Lázaro Barbosa é “do mal”. Sua história de crimes não é longa. Mas existe.
A reflexão aqui não é inocentar Lázaro Barbosa. Que o sistema de justiça cumpra sua função dentro da legalidade garantista, trazendo o suspeito “com vida” para responder pelos crimes cometidos.
O que se quer é estabelecer um parâmetro entre a responsabilidade penal de um “sujeito criminalizável, desviante, pobre, sem eira nem beira, medíocre e mediano” e a de um “chefe de Estado” que carrega na trajetória política a marca de “mais de 500 mil mortes por covid”.
Segundo a afirmação de especialistas e pesquisadores, “cerca de 396 mil mortes seriam evitáveis”. Foi esse o raciocínio de Pedro Hallal, ex-Reitor da Universidade de Pelotas (UFPel), exposto em “carta publicada na revista científica The Lancet em 22 de janeiro e intitulada SOS Brasil: ciência sob ataque”.
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Afinal, quem é Jair Bolsonaro? Quem é o homem que debocha escancaradamente da morte e do luto, imita sem piedade pessoas que lutam para respirar e que morrem por falta do oxigênio que faltou, como também ausentes às políticas de enfrentamento da pandemia, de vacina para todos e todas, de evidências cientificas saltitantes no mundo e pisoteadas pelo governo brasileiro e sua claque subalternizada?
Quem é o homem que atropelou fardas, patentes e estrelas e conseguiu que fechassem os olhos para suas funções constitucionais, vestissem o corpo de ideologias, levassem a política para os quartéis e militarizassem o espaço público civil, rompendo os comandos de ‘hierarquia e disciplina’ que tanto bradam?
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Quem é o homem que se afirma atleta, chama a pandemia de gripezinha, jornalistas de quadrúpedes, povo brasileiro de “maricas” e desmorona a imagem política do Brasil perante o mundo, destituindo nosso país do respeito que merece?
Seria também um possível “psicopata social” previsível porque avisou em campanha eleitoral que essa era sua forma perversa, desumana e genocida de estar no mundo?
Lázaro Barbosa tornou-se um animal caçado ferozmente pela prática de crimes que incluem assalto, estupro e homicídio, contra uma jovem de 19 anos, quatro pessoas da mesma família e uma chácara.
Foi categorizado por “serial killer” pela mídia. Pode até ser autor dos crimes referidos, mas não existem bases criminológicas para essa nominação “hollywoodiana” que seduz pela historiografia.
A criminóloga e escritora Ilana Casoy, especializada no tema, esclarece que não há elementos que bastem para classificar a conduta de Lázaro como a de serial killer. O caso, segundo a especialista, sofre um processo de “roteirização fantasiosa”.
Não é assim com o homem que juntou comparsas ao redor de sua “necropolitica” e conseguiu driblar a consciência e a atividade mínima de “pensar como gente” e pulsar como “pessoas humanas” e conseguiu chegar ao índice de meio milhão de mortes.
“Serial Killer”? Teria o “empurrão de Hollywood” esse episódio macabro que espanta o mundo e torna escombros as conquistas civilizatórias”? Seriam as mortes por covid-19 resultantes de “necessidades objetivas, em ações atrás de dinheiro, bens e comida” de Lázaro, como enxerga a criminóloga?
Ou as mortes construídas pela ação e omissão do governo Jair Bolsonaro ocorrerem “em busca de satisfazer alguma necessidade psicológica, subjetiva e a vítima é despersonalizada”, a exemplo de um projeto político de poder, de dominação, de comando do país por forças de extrema direita e interesses estrangeiros?
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Seriam diversas as responsabilidades de Lázaro Batista e do governo Jair Bolsonaro por essas tragédias? Um, caçado como bicho. Outro, sob aplausos, silêncios e pactos que acabrunham quem discorda.
O Art. 29 do Código Penal brasileiro é claro. “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Quem é “quem”?
*Marilia Lomanto Veloso é advogada da Bahia, Mestra e Doutora em Direito Penal, Professora aposentada da UEFS, Promotora de Justiça da Bahia, aposentada, Presidente do Juspopuli Escritório de Direitos Humanos, membro do CDH da OAB/BA, da AATR, da RENAP e da Executiva Nacional da ABJD. Marília também escreve para a Coluna Política e Direito, do Brasil de Fato. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo