A tese mais defendida pelo deputado, médico e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, foi contra o isolamento social, durante o seu depoimento aos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, nesta terça-feira (22).
O “assessor” de Jair Bolsonaro, como denominou o próprio capitão reformado, também fez a defesa de suas previsões realizadas no início da pandemia, quando sustentou o argumento da imunidade de rebanho.
Terra afirmou que não existe “nenhum trabalho científico mostrando que quarentena funciona” como medida para conter o avanço do novo coronavírus.
O argumento do deputado federal estabelece que se o isolamento social “funcionasse, não teríamos a maior parte da mortalidade de 2020 dentro de asilos, pessoas que nunca saíram e acabaram pegando de alguma maneira, através dos funcionários, e vindo a falecer”.
Fato é, no entanto, que o Brasil nunca atingiu a taxa de isolamento social necessária para conter o vírus, que é de 70%. O pico foi de 62,2%, no dia 22 de março, 11 dias depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a propagação da covid-19 como pandemia, segundo o Índice de Isolamento Social, do Inloco.
O deputado, no entanto, ignorou os dados por diversas vezes e voltou a afirmar que o isolamento social “não funciona”. Em suas palavras, “todas as pandemias tiveram um curso com medidas não farmacêuticas que não foram a de trancar as pessoas dentro de casa. Nunca houve isso na história”.
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Mas, em um artigo publicado no próprio site da Biblioteca Nacional, do governo federal, há a sinalização para o isolamento social como uma das “medidas que foram utilizadas por diversas vezes indiscriminadamente ao longo da história como recursos de controle de contaminação de doenças infecciosas”.
O ex-ministro ainda afirmou que a contaminação se dá, principalmente, em ambiente familiar, o que, por sua vez, também endossaria o argumento contra o isolamento social.
“Chegando em casa, a pessoa tira a máscara, senta em grupos pequenos e vai contaminando todo mundo”, disse. Em outro momento, disse: “Se está trancado ou não dentro de casa, o vírus se espalha.”
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Também foi para o colo dos governadores a responsabilidade pelos números exorbitantes da pandemia no Brasil. Para Terra, a testagem em massa da população é a única maneira de evitar o contágio pelo coronavírus. Mas, segundo o deputado, isso não foi feito, porque o presidente Jair Bolsonaro “está limitado” pela ação dos governadores.
Previsões equivocadas
Ao longo de 2020, Terra fez uma série de previsões sobre a pandemia de covid-19 que ficaram longe de se concretizar.
Em março, afirmou que a epidemia seria expresivamente menor do que a de H1N1. À Jovem Pan disse que durante a propagação de 2009 a 2010, "ninguém pregou quarentena e foi muito mais grave, e matou muito mais gente do que o coronavírus vai matar".
Mas os dados mostram que, a partir da segunda quinzena de abril, o novo coronavírus já tinha levado mais brasileiros a óbito do que a gripe suína. Dados do Ministério da Saúde mostram que entre 2009 e 2010, 2.098 pessoas morreram devido ao H1N1.
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Nas redes sociais, Terra chegou a afirmar que “a gripe suína, H1N1, matou 2 pessoas a cada dia no Brasil em 2019. Este número, deve ser maior que as mortes que acontecerão pelo coronavírus aqui. E não se parou o país nem se destruiu a economia, como está acontecendo agora. É o fato e a versão do fato”. Na CPI, no entanto, disse que “aquelas previsões são conclusões pessoais” baseadas em experiências anteriores.
Imunidade de rebanho
Entre 2020 e 2021, Terra também defendeu que a pandemia acabaria sem vacinas, apenas com a “imunização natural” causada pela infecção do novo coronavírus.
“É bem provável que em algumas semanas cheguemos à imunidade coletiva, ou imunidade de rebanho, e o surto epidêmico termine", afirmou em julho, à Jovem Pan.
Cerca de oito meses depois, o deputado, no entanto, ainda defendia a sua tese.
"Estamos diante de uma desinformação. Não me parece proposital, mas ela cumpre um objetivo de assustar as pessoas e parecer que nós estamos dependendo da vacina para terminar essa pandemia", afirmou.
Um mês depois, celebrou que o país tinha "mais de 100 milhões já vacinados pelo próprio vírus".
Diante dos senadores, o tom mudou ao afirmar que a imunidade de rebanho é uma falácia e que sempre defendeu a imunização. Ainda assim, voltou a mentir ao dizer que “quem se infecta pelo novo coronavírus não se infecta novamente”.
Para ele, a reinfecção é inexpressiva, sendo a “imunização natural” mais eficaz do que as vacinas. Em suas palavras, criaria “mais anticorpos”. Em resposta, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que “não é possível apontar benefícios da imunização pela covid-19 em detrimento da utilização de vacinas”.
“Gabinete paralelo”
Terra é considerado como uma das principais lideranças à frente do “gabinete paralelo”, composto por empresários e médicos que aconselhariam o presidente Jair Bolsonaro acerca do uso de medicamentos comprovadamente ineficazes pela ciência contra a covid-19, como hidroxicloroquina e cloroquina.
O deputado, entretanto, afirmou que desconhece a existência de um grupo paralelo de aconselhamento ao presidente. Mas confessou que se mantém próximo de Jair Bolsonaro e que deixa claro suas opiniões.“É natural que os presidentes se aconselhem com alguém. O que eu faço é manifestar a minha opinião”, afirmou.
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Sobre isso, o relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), citou a decisão da ministra do STF, Rosa Weber, que manteve a quebra de sigilos telefônico e telemático (mensagens e e-mails) do empresário Carlos Wizard, próximo do presidente Jair Bolsonaro.
Na decisão, Weber afirmou que “a eventual existência de um Ministério da Saúde Paralelo, desvinculado da estrutura formal da Administração Pública, constitui fato gravíssimo que dificulta o exercício do controle dos atos do Poder Público, a identificação de quem os praticou e a respectiva responsabilização e, como visto, pode ter impactado diretamente no modo de enfrentamento da pandemia”.
Cloroquina e hidroxicloroquina
Terra também afirmou que tomou cloroquina para tratar a covid-19 e que, se fosse necessário, tomaria novamente. O deputado defendeu que é “melhor tomar do que não tomar” remédios como hidroxicloroquina e cloroquina para tratar pacientes com covid-19.
Os medicamentos, assim como a ivermectina, são comprovadamente ineficazes pela ciência. Mas não só, têm reações que podem incluir problemas cardíacos, como arritmia.
“O senhor foi para a UTI com 80% do pulmão comprometido. Essa é a maior prova que cloroquina e hidroxicloroquina não funcionam”, afirma o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) ao deputado federal Osmar Terra.
A pedido do presidente da Câmara dos Deputados e aliado do governo, Arthur Lira (PP-AL), a convocação de Osmar Terra foi convertida em convite. Assim, o parlamentar bolsonarista ficou desobrigado de falar estritamente a verdade durante o seu depoimento.
Edição: Leandro Melito