Em 24 de abril de 1954, o Congresso recebeu projeto do governo Vargas que apresentava o Plano Nacional de Eletrificação e as Centrais Elétricas Brasileiras. Era um país que se urbanizava e industrializava rapidamente e que, por isso, precisava de geração e transmissão de energia confiável.
Até então, eram comuns os apagões, como assinala matéria publicada em 2017 pela Agência Senado, com extenso histórico. O irônico é que o setor privado se opôs frontalmente ao projeto. Agora, com a Medida Provisória 1.031, aprovada ontem, deverá se beneficiar.
O texto da Agência Senado, reproduzido por El País Brasil, cita inclusive paródias musicais sobre as frequentes quedas de energia no país. Canções como Vagalume e Acende a Vela, ambas de 1954. Poderia incluir Luz da Light, de Adoniran Barbosa.
Projeto de desenvolvimento
O surgimento da Eletrobras – e da Petrobras, na mesma época – se insere no contexto de um projeto de desenvolvimento, de viés nacionalista.
Assim, os projetos de criação das duas estatais foram elaborados pela assessoria econômica da Presidência (Getúlio Vargas). E foram duramente combatidos no parlamento, com apoio declarado, ou não, de empresas privadas.
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No livro que publicou em 2014 sobre o golpe de 1964 e suas origens, o ex-ministro e ex-deputado Almino Affonso lembra que, no anos 1950, o setor de energia no Brasil estava sob controle de duas companhias estrangeiras: Light and Power e Foreign Power Company (Amforp).
A frase a seguir poderia ser escrita nos dias de hoje: “Tendo em conta o espírito privatista que dominava o Congresso Nacional, mesmo sem muita articulação, esse clima favorecia as empresas concessionárias, predominantemente estrangeiras”.
Ele acrescenta, mais adiante: “Temiam que o monopólio estatal, como ideia força, que já predominava na Europa, também se impusesse na área da energia elétrica”.
“Obstaculizada até o desespero”
O fato é que o projeto energético nacional não foi adiante. Em agosto de 1954, Vargas se matou no Palácio do Catete. Na sua carta-testamento, o presidente apontou: “A Eletrobras foi obstaculizada até o desespero”.
Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, a indústria da eletricidade teve participação predominante do capital estrangeiro até os anos 1950, “quando um novo ciclo de expansão foi inaugurado por empresas públicas federais e estaduais”.
A partir daí, a presença do Estado, com a criação da Eletrobras, “modificou profundamente a base produtiva e a estrutura de propriedade do setor de energia elétrica”.
Distribuição de energia desigual
Até então, lembra a FGV, a base produtiva consistia em sistemas isolados, a maioria de pequeno porte.
“A potência instalada de energia elétrica estava distribuída entre centenas de concessionários de forma bastante desigual.” A Light se concentrou no eixo Rio-São Paulo, enquanto a Amforp operava no interior e em outros estados.
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“Quando Vargas retornou ao poder, em 1951, o déficit de energia elétrica já era considerado sério obstáculo ao avanço do processo de industrialização”, assinala o CPDOC.
“Em sua primeira mensagem, o presidente ressaltou que as concessionárias estrangeiras não vinham respondendo satisfatoriamente ao aumento da demanda, enquanto as empresas privadas de menor porte de capital nacional não eram capazes de mobilizar recursos suficientes para realizar investimentos reconhecidamente elevados e de lenta maturação.” Assim, a intervenção do Estado era necessária para superar essas limitações.
Empresas tentam derrubar projeto
Mas o projeto que criava a Eletrobras andou lentamente, atravessando anos e governos. Só foi aprovado em 10 de dezembro de 1960 (governo Jânio Quadros).
O CPDOC-FGV aponta campanha sistemática do Sindicato das Indústrias de Energia Elétrica de São Paulo, “onde a Light tinha forte influência”, e da própria Federação das Indústrias (Fiesp), pelo veto presidencial. Somente em 25 de abril de 1961, Jânio assinou a Lei 3.890. Quatro meses depois, o presidente renunciou.
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A Eletrobras foi enfim instalada em 11 de junho de 1962, durante sessão solene no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, já com o presidente João Goulart, ainda no breve regime parlamentarista. Agora, 50 anos e 10 dias depois, o Congresso ratificou a volta da estratégica energia para o setor privado. A MP seguiu para sanção presidencial.