Foi na minha infância quando vi pela primeira vez José Paulo Bisol. Ele apresentava o quadro local do programa TV Mulher, pela TV Gaúcha (hoje RBS TV), junto com Balala Campos, entre os anos de 1980 e 1986. Me chamava a atenção os gestos largos, as falas apaixonadas, os “escândalos”, como ele mesmo definiu em entrevista para a TV Senado.
Paixão, rebeldia, ética e sensibilidade são algumas características que podemos dizer forjaram sua existência e foram alvo de grande admiração e potentes ataques. Principalmente vindos da imprensa, a mesma onde se tornou conhecido e veio a ser eleito senador, tendo atuado na Assembleia Nacional Constituinte (1987-88).
E da qual ganhou gordas indenizações por danos morais que possibilitaram, segundo ele, adquirir a casa que passaria seus últimos anos, na cidade de Osório (RS), com sua esposa, Vera Lúcia Zanette.
::Quando ainda não era "fake news": as farsas contra Lula em sua primeira campanha::
O jornal Zero Hora, por exemplo, foi um dos condenados, em 2001. O ex-senador recebeu uma indenização de R$ 1.191.088,00, o equivalente a 7.960 salários mínimos. Segundo reportagem do Conjur, no dia 30 de junho de 1994, o periódico iniciou uma série de reportagens consideradas ofensivas pelo ex-senador, então candidato à vice-presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Foram publicados 58 textos jornalísticos contendo acusações de que Bisol teria manipulado verbas orçamentárias e superfaturado emendas para obras que beneficiavam a fazenda do ex-senador.
::Artigo | A imprensa e seu papel na construção de uma percepção distópica da realidade::
O jornal publicou ainda que o candidato teria se aposentado com apenas sete meses de atividade como desembargador; praticado nepotismo e conseguido empréstimo privilegiado da Caixa Econômica estadual, usando da sua influência política.
Ao mover a ação de indenização por danos morais contra o jornal, a defesa de Bisol mostrou que todas as acusações foram feitas sem prova alguma e causaram prejuízos irreparáveis, inclusive sua renúncia à candidatura à vice-presidência da República. A Justiça, anos depois, já sem poder remediar o impacto das ações causados nas Eleições de 1994, quando era tratado como o "vice marajá do PT", lhe deu razão..
Também foram condenados o Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S. Paulo, Correio Braziliense e a revista Istoé, pelo mesmo motivo.
“Sempre fui um rebelde”
José Paulo Bisol nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 22 de outubro de 1928. É filho de Fortunato Bisol e de Maria Rossato Bisol. Casou-se com Iolanda Bisol, com quem teve três filhos, Tula, Ricardo e Jairo. Tem nove netos e um bisneto. “Sempre fui um rebelde. Quer dizer, sempre estive em desacordo com o mundo. Estou sempre do lado de lá do comum das coisas. Eu não tenho ajuste. Nunca tive”, declarou em uma entrevista ao Sul21, em 2011.
Uma das características ressaltadas por ele mesmo, quando busca nos apresentar uma definição para sua vida, é a multiplicidade. “Eu nunca descobri quem eu sou. Eu sei que eu sou múltiplo e nem tenho ideia da minha multiplicidade”.
Com certeza, essa é uma palavra que lhe define bem: múltiplo. E podemos afirmar que Bisol participou dos mais importantes momentos políticos do nosso país desde a redemocratização. E como ele mesmo conta numa entrevista para a TV Senado, sua vida pública e de orador iniciou-se aos 10 anos, quando sua mãe pediu para fazer um discurso num casamento. Desde que subiu pela primeira vez naquela cadeira e discursou, pegou gosto e não parou mais.
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Da Academia à política, uma história de ética
Conforme uma ampla bibliografia publicada no CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Bisol se formou em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Porto Alegre em 1954. Dois anos depois, iniciou longa carreira na magistratura gaúcha, sendo mais tarde promovido a juiz de direito, função que exerceu na capital gaúcha e em várias cidades do interior do estado.
Em 1966, tornou-se professor de Introdução ao Estudo do Direito na Fundação Universitária de Caxias do Sul (RS), onde ficou até 1973. Em 1971, foi contratado para lecionar a mesma cadeira na Faculdade de Direito do Instituto Ritter dos Reis, tendo também exercido o magistério na Escola Superior de Preparação à Magistratura, da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul.
De 1974 a 1976, trabalhou como cronista esportivo na TV Educativa de Porto Alegre, e em 1975 tornou-se juiz de alçada. Em 1978, foi promovido a desembargador. Entre 1979 e 1980, foi diretor-adjunto da Rádio e TV Gaúcha, onde apresentou o programa TV Mulher. Graduado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1982, foi ainda colunista do jornal Zero Hora.
Iniciou sua carreira política em novembro de 1982, quando concorreu a uma cadeira de deputado estadual na legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Eleito, foi empossado na Assembleia Legislativa gaúcha em fevereiro de 1983, tornando-se vice-líder da bancada de seu partido e vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Em 1986, foi eleito líder do PMDB e assumiu a presidência da Comissão de Constituição e Justiça.
No pleito de novembro desse mesmo ano, candidatou-se a senador constituinte pelo Rio Grande do Sul, sempre na legenda peemedebista. Eleito com o apoio da Rede Brasil Sul de Comunicações, assumiu sua cadeira em fevereiro de 1987, logo após ter concluído o mandato estadual, quando tiveram início os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Foi relator da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, além de membro da Comissão de Sistematização.
Em junho de 1988, ingressou no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que foi criado naquele mês reunindo sobretudo parlamentares egressos do PMDB, descontentes com as posições da cúpula peemedebista na Constituinte. Promulgada a nova Carta Constitucional em 5 de outubro seguinte, voltou-se para os trabalhos ordinários do Senado Federal.
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As históricas campanhas presidenciais de 1989 e de 1994
Como Bisol mesmo diz em entrevista à TV Senado, não houve na história campanha eleitoral mais bonita do que as da Frente Brasil Popular em 1989 e 1994. “Foram campanhas de música no ouvido e criança no colo”, lembrando dos comícios com muita música e a participação de famílias inteiras, com muitas crianças.
Em novembro de 1989 ocorreu a primeira eleição direta para a Presidência da República depois do fim do regime militar. Em maio, Bisol foi convidado para disputar a vice-presidência da República na chapa da Frente Brasil Popular, coligação de esquerda formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e encabeçada pelo deputado federal Luís Inácio Lula da Silva, do PT.
Aceitou a indicação, e veio a se filiar ao PSB dois meses depois. Já como candidato, em setembro de 1989 defendeu as ocupações de terras ocorridas no Rio Grande do Sul. Argumentava que a reforma agrária era um dispositivo constitucional que, ao não ser cumprido, legitimava a atitude do movimento dos sem-terra.
Em novembro, dias antes da realização do pleito, foi acusado pelo candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT) à presidência, Leonel Brizola, de ter-se beneficiado de empréstimos do Banco do Brasil para comprar uma fazenda no município de Buritis, em Minas Gerais. Ainda no mesmo período, o jornal Folha de S. Paulo revelou que nem todos os empregados da fazenda de Bisol tinham registro em carteira, conforme determinava a Constituição federal.
Realizado o primeiro turno da eleição em 15 de novembro de 1989, nenhum dos candidatos conseguiu obter sozinho mais da metade dos votos válidos, o que tornou necessária a realização de nova disputa entre o primeiro colocado, Fernando Collor de Melo, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), e próprio Lula, que ficou em segundo lugar.
Para o segundo turno, a Frente Brasil Popular buscou o apoio de alguns candidatos derrotados no primeiro turno, entre eles Leonel Brizola. Apesar de concordar com o apoio a Lula, Brizola não deixou de lado suas divergências com Bisol, exigindo que, num comício em Novo Hamburgo (RS), o vice não estivesse presente. Evitando polemizar, Bisol acatou a exigência do líder pedetista e declarou estar mais preocupado com a candidatura de Lula.
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A difícil tarefa frente às CPIs
Passada a eleição presidencial, Bisol continuou no exercício de suas funções no Senado. Em junho de 1992, foi indicado pelo PSB para integrar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada no Congresso Nacional para investigar as atividades do ex-tesoureiro da campanha presidencial de Collor, o empresário Paulo César Farias, o PC, acusado de organizar uma rede de corrupção no interior do governo.
Presidente da subcomissão de temas bancários da CPI, Bisol propôs alterações na lei do sigilo bancário e fiscal, a fim de evitar irregularidades. Num dos principais episódios do período, comandou uma operação na empresa Veraz, de propriedade de PC Farias, e conseguiu as mais importantes provas de formação de quadrilha contra o ex-tesoureiro. Apesar de largamente utilizadas pela CPI, as revelações de Bisol seriam posteriormente desqualificadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por terem sido obtidas sem mandado judicial.
Encerrando seus trabalhos em agosto de 1992, a CPI concluiu em seu relatório final que Collor havia se beneficiado de vantagens econômicas indevidas, provenientes do esquema montado por seu auxiliar. Baseada nos resultados da CPI, a Câmara autorizou, em 29 de setembro seguinte, a abertura de um processo de impeachment contra o presidente da República por crime de responsabilidade.
Afastado da presidência após a votação da Câmara, Collor renunciou ao mandato em 29 de dezembro de 1992, momentos antes de ter sua cassação aprovada pelo Senado e de ficar inelegível por oito anos. Foi substituído na presidência pelo vice Itamar Franco, que vinha ocupando o cargo interinamente desde o dia 2 de outubro.
Tendo votado favoravelmente à cassação de Collor, Bisol destacou-se, entre 1993 e 1994, por sua atuação em outra CPI do Congresso, a do Orçamento, instituída para investigar denúncias de irregularidades na destinação de verbas públicas federais. Durante os trabalhos da comissão, declarou que havia descoberto papéis comprometedores contra a empreiteira Odebrecht e acusou o deputado pernambucano Miguel Arraes, seu companheiro de partido, de receber uma mesada de 30 mil dólares da empreiteira.
Além disso, chegou a ameaçar de prisão o presidente do Banco Central, Paulo César Ximenes, a quem acusava de negar o fornecimento de documentos solicitados pela CPI. Com suas revelações, Bisol esteve ameaçado de cassação por iniciativa do ex-presidente e senador José Sarney, que o acusou de ferir o decoro parlamentar.
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O linchamento da imprensa
Mais uma vez candidato a vice de Lula na eleição presidencial de 1994, Bisol foi acusado em junho, pelo jornal O Estado de S. Paulo, de ter favorecido seu irmão, Dirceu, ao indicá-lo para a chefia de seu gabinete durante sua passagem pelo legislativo gaúcho. Segundo a denúncia, Dirceu teria se aposentado logo após a nomeação e posteriormente teria sido recontratado por Bisol para a mesma função, passando a receber duas remunerações.
Nos 45 dias seguintes à divulgação do episódio, o jornal continuou a publicar uma série de reportagens contra Bisol, acusando-o de várias irregularidades, entre elas a obtenção de privilégios na concessão de empréstimos bancários, a apresentação de emendas superfaturadas ao Orçamento da União em benefício da cidade de Buritis e a contratação sem remuneração de um ex-empregado do lobista João Carlos Di Gênio, atuante no Congresso Nacional.
Além disso, Bisol foi acusado de não ter votado o pedido de cassação do senador Ronaldo Aragão, do PMDB de Rondônia, envolvido no escândalo do Orçamento. Por fim, seu filho Ricardo Bisol, último administrador da Cooperativa Agropecuária do Planalto Goiano (Coopago), foi responsabilizado pela liquidação judicial da empresa.
Dizendo-se vítima de uma armadilha, Bisol retirou as emendas, autorizou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal e solicitou à Polícia Federal que investigasse as denúncias. Sua atitude, no entanto, não foi capaz de reverter os abalos provocados na campanha de Lula, levando o senador a renunciar à sua candidatura a vice-presidente e ser substituído pelo deputado federal Aluísio Mercadante (PT-SP).
Em setembro de 1994, Bisol moveu uma ação de indenização contra o jornal O Estado de S. Paulo, acusando o diário de ter “promovido um linchamento moral” mediante “publicações de falsas denúncias e acusações”. No pleito realizado em outubro seguinte, Lula foi mais uma vez derrotado, sendo eleito presidente, já no primeiro turno, o ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, candidato da coligação que uniu o PSDB e o Partido da Frente Liberal (PFL).
Bisol deixou o Senado em janeiro de 1995, ao fim de seu mandato. Em junho do ano seguinte, defendeu a prisão de Collor e afirmou que o STF havia sido injusto com Paulo César Farias por não ter também condenado o ex-presidente. Segundo afirmou, a Justiça brasileira “sofria ingerências políticas” que impediam a independência do Judiciário frente às pressões do poder Executivo.
Em outubro de 1998, Bisol candidatou-se mais uma vez ao Senado, na coligação Frente Popular, composta por PT, PSB, PCdoB e Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foi derrotado pelo candidato do PMDB, Pedro Simon.
A conturbada passagem pela Secretaria de Segurança Pública
Em junho de 2000, filiou-se ao PT. Entre 1999 e 2002 foi secretário de Justiça e Segurança Pública no governo de Olívio Dutra (PT), no Rio Grande do Sul. Uma gestão marcada pela tentativa de desmilitarizar e integrar as polícias em um único sistema, perseguição da mídia e de corporações militares, mas lembrada por episódios que expressam fielmente seu caráter, sobretudo pelo episódio em que abraçou o sequestrador de uma van que pediu a presença de um representante do governo para mediar a negociação com a Brigada.
Longe da política desde o fim de sua gestão na Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Rio Grande do Sul, em 2002, Bisol ainda é lembrado como o secretário processado pela polícia gaúcha por denunciar corrupção dentro da corporação. Mas, em três ações cíveis, 141 delegados de Polícia e dois oficiais da Brigada Militar, tiveram negado o pedido de indenização por danos morais ConJur - Ações contra ex-secretário são rejeitadas pela Justiça.
Uma conversa com José Paulo Bisol – revista o Viés (2009-2016)
“Somos um caso delicado de incomunicação”
Bisol também é lembrado como poeta e escritor. Num belo artigo, chamado “Os prisioneiros do cotidiano”, discorre sobre a incomunicação, um mal que atinge a humanidade.
“Pensando bem, somos hoje um caso delicado de incomunicação. Falar a gente fala, ouvir a gente ouve, mas a comunicação não acontece. Quando muito a comunicação parcial ou distorcida, que é incomunicação na medida da parcialidade e da distorção. Somos o reino do sigilo. Aqui se legisla e se administra em segredo. Quando a gente vê, tem lei nova em cima ou trâmites do procedimento são outros. Muda-se a regra do jogo.
Ninguém sabe se as próximas eleições serão diretas ou indiretas, proporcionais ou distritais, reclama o próprio vice-governador do Estado. A anistia é prometida, mas a lei é elaborada entre quatro paredes, reclama a Ordem dos Advogados. A magistratura é equivocadamente reestruturada, reclamam os magistrados que não puderam falar a respeito da Lei Orgânica da Magistratura. As financeiras e os bancos estão fora da repressão antiinflacionária, reclamam os empresários. E a democracia? Não sabe quando e de que modo, reclama indiretamente, em silêncio, senão o general que foi preso pelo menos o fato do general ser preso por censurar o poder.
Há anos que nos enclausuraram na cotidianeidade. A única realidade para a qual temos acesso é a da rotina, os únicos dados ao nosso alcance são os já sabidos. Nossa vida não tem vida, nossa palavra é um clichê, nosso gesto uma estereotipia. Não conseguimos ir além de uma realidade homogeneizada pela abstração de sua verdade concreta. Trabalhamos, é certo, e trabalhando construímos; todavia, construímos tudo sem nos construirmos. Daí vem a pergunta: é gente a gente que não participa da construção de seu destino? É povo o povo que não delibera sobre seu futuro? Ora, saber, sabemos.
Não é de consciência que estamos carecidos. Pelo contrário, precisamos sair de seus infernos, transformar a consciência em prática social, fazer a dialexis do homem, que consiste precisamente nessa conversão. E se a palavra dialexis cheira a qualquer coisa que tememos, embora seja antiga como a Grécia antiga, está bem, renegue-se a palavra e permita-se a conversão.
A incomunicação é uma angústia universal. A própria condição humana já põe um pouco de estopa na garganta. Não dizer nada senão aquilo que podemos dizer, escreveu Wittgenstein, provavelmente em outro sentido, mas, a verdade é que temos pudor de sermos o que somos. É incrível, só somos o que somos às escondidas. Cada um de nós é um caso particular de clandestinidade. Nosso maior medo é o da própria verdade.
Gabriela Mistral, num verso comovente, disse que tinha vergonha de sua cara triste. É isso aí, na linha de intersecção entre o individual e o social estamos envergonhados de nossa tristeza, de nossa dor, de nossa crença e de nossa esperança. Estamos todos escondidos detrás do trabalho, do título da farda, do status, da exemplaridade, do álcool, da psicoterapia, do dinheiro, da rebeldia individual, do sucesso ou do poder.
Somos só o que os outros esperam que sejamos e nessa incessante gratificação das expectativas sociais, que são definidas por interesses de grupos ou classes, vamos levando a vida como se não a tivéssemos, como se fôssemos mamulengos. É por isso que eu digo: a incomunicação é uma angústia universal, uma angústia ontológica, ser homem é já sofrê-la.
Não tem sentido imprimir-lhe uma especificidade nacional. Se teve, va lá, passou. Se foi preciso, está bem, foi, já não é mais. É bom lembrar que com o tempo a incomunicação converte-se em grito que se despedaça na garganta antes de ser emitido. Converte-se em grito. Nem mesmo o êxito pessoal é capaz de sublimar esse grito sufocado.
O êxito sem os outros, o êxito em solidão, não é mais que uma morte sedutora. É preciso comunicar-se nele e comunicá-lo. Na incomunicação o homem não é humano e não se salva. Nem com todas as arcas de Sardanapalo e as mil mulheres de Mulei-Amé, como diria mediocremente Humberto de Campos, outro prisioneiro de cotidianeidade.”
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Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira