Mesmo após pressão contrária à realização dos Jogos Olímpicos de 2020 no Japão, que foram adiados devido à pandemia de covid-19, o evento será realizado entre os dias 23 de julho e 8 de agosto deste ano. No total, serão 33 competições e 339 eventos realizados em 42 locais de competição, segundo o site das Olimpíadas de Tóquio.
O clima entre a população é de contestação aos jogos. Uma pesquisa de um dos principais jornais do país, o Asahi Shimbun, realizada entre 15 e 16 de maio, mostrou que 83% dos japoneses são a favor do adiamento ou cancelamento do evento.
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Entre os entrevistados de Tóquio, cidade que sediará os eventos, 46% acreditam que os jogos deveriam ser cancelados; 30%, adiados novamente; e 21%, realizados como atualmente previsto.
No mesmo período, um grupo de médicos do país declarou, em um comunicado enviado ao governo japonês, que é “impossível” organizar os jogos, com a garantia total de segurança.
Em nota, eles afirmam: "Nós nos opomos com força à disputa dos Jogos de Tóquio em um momento em que as pessoas em todo o mundo lutam contra o novo coronavírus. (...) Não podemos negar o perigo que representam as numerosas novas variantes do vírus que vão chegar a Tóquio a partir de todo o mundo."
Para alguns dos brasileiros que vivem no Japão, com os quais o Brasil de Fato conversou, as medidas de segurança que o governo promete implementar para realizar o evento não são suficientes.
O primeiro-ministro, Yoshihide Suga, disse a parlamentares, na primeira semana de junho, que a premissa para realizar o evento é “adotar medidas de controle de infecção para atletas e autoridades dos Jogos para que atletas de todo o mundo possam participar em segurança e para proteger as vidas e saúde do nosso povo”.
Na visão do jornalista, escritor e documentarista Ewerthon Tobace, de 45 anos - há 20 no Japão - as medidas de isolamento dos atletas e membros das delegações e as testagens previstas ainda não são suficientes, “porque tudo tem falha, ainda mais em uma pandemia difícil de controlar, com um organismo que não se vê a olho nu”.
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“É praticamente impossível a gente não ter contato com pessoas que vierem de fora. Mesmo que eles [governo e Comitê Olímpico] controlem quem está vindo, mas e o nosso contato com essas pessoas?”, questiona Tobace.
Um outro ponto levantado pelo escritor é o ritmo lento de vacinação no país asiático. Até o momento, apenas pouco menos de 10% da população japonesa já completou o esquema vacinal contra a covid-19, segundo a plataforma da Universidade de Oxford Our World In Data.
“A gente não tem vacina para os jornalistas”, por exemplo, que atuarão perto dos jogos. Nas palavras do documentarista, já é tarde para iniciar a vacinação, visto que a Pfizer, que está sendo mais aplicada, precisa de um intervalo mínimo de três semanas para ser administrada na segunda dose.
Manifestações contrárias aos jogos
Segundo Tobace, há manifestações contra a realização do evento “praticamente todos os dias”. “As pessoas estão preocupadas. Estamos em um estado de emergência, que não é um lockdown completo, mas é uma orientação do governo para que as pessoas evitem sair de casa. O comércio fecha mais cedo, os restaurantes não vendem bebidas alcoólicas depois de certo horário, e o governo pede para as empresas organizarem o trabalho a distância”, destaca Tobace.
"Várias pesquisas de várias mídias, órgãos e institutos mostram que a maioria da população é a favor do cancelamento ou de um novo adiamento”, afirma Tobace.
“Existem manifestações nos principais bairros aqui de Tóquio, nos distritos. Algumas instituições, como Associação Médica do Japão [Japan Medical Association, JMA], pedindo para que haja o cancelamento. Inclusive o Assahi, que é um dos maiores jornais do Japão e um dos patrocinadores das Olimpíadas, já se posicionou contra a realização do evento”, afirma.
Mas Tobace reconhece que “é muito difícil nesse momento eles cancelarem. Já ficou muito em cima da hora. A gente já tem equipes aqui no Japão de algumas modalidades, de alguns países. Nós já temos muita gente por aqui. Os comitês já enviaram os materiais, já está tudo meio que caminhando”, afirma.
No dia 1º de junho, as primeiras atletas desembarcaram no Japão: o time feminino de softball da Austrália. Ao chegarem ao Aeroporto Internacional de Narita, foram submetidas a testes de detecção da covid-19. Antes de iniciarem a viagem, também fizeram os testes. Ao todo, serão 11 mil atletas de mais de 100 países.
A ex-tenista brasileira, Leine Ágata, de 30 anos, há quatro no Japão, também acredita que, mesmo diante da pressão da sociedade civil para que o evento não seja realizado, o Japão “vai fazer de tudo” para que os Jogos Olímpicos aconteçam.
“Hoje a gente sabe que a maioria não foi vacinada”, afirma. Sendo com público aberto, “não vai fazer sentido. Todos vão acabar se prejudicando se o Japão não for responsável o suficiente para a realização de um evento tão grande”.
A organização do evento anunciou, no dia 21 de junho, que cada evento esportivo terá um público máximo de 10 mil pessoas, respeitando o limite de 50% do local de competição.
Durante a reunião que deliberou a decisão, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, disse que "se houver uma mudança dramática na situação da infecção, talvez precisemos revisar a norma e considerar a opção de não ter espectadores nos locais de competição". Soma-se a isso a instalação de telões do lado de fora dos locais dos eventos, o que possibilitará a aglomeração da população do lado de fora dos muros, sem controle do Comitê Olímpico.
Na mesma linha, para o designer Rening Masuyama, de 37 anos, há cinco no Japão, a população está “bem desconfortável” com a realização do evento, “mesmo porque a vacinação por aqui não aconteceu ainda. A grande maioria das pessoas não foi vacinada”.
Masuyama afirma ainda que fica “um pouco preocupado com alguma outra variante que possa chegar, já que vêm atletas de todo o lugar do mundo. Além disso, sempre tem a galera local, que está trabalhando nas Olimpíadas, que vai entrar e vai sair. Apesar de algumas medidas reduzirem o risco, não vai zerar”.
Ele ainda destaca que mesmo que os atletas realizem testes antes de partirem e após desembarcarem no Japão, não será solicitado a quarentena de 14 dias, obrigatória aos estrangeiros. “Não vão passar por essa quarentena, vão entrar direito. Isso aí tem preocupado.”
Antes mesmo de os jogos começarem, um membro da delegação de Uganda testou positivo para a covid-1 ao chegar em Tóquio, no último sábado (19). Ele já havia completado o esquema vacinal e testado negativo para a doença 72 horas antes. Segundo o ministro da Olimpíada de Tóquio, o membro carregava a variante Delta, conhecida como indiana.
Segundo os dados do Ministério da Saúde, do Trabalho e do Bem-Estar Social do Japão, até a meia noite do dia 25 de junho, foram contabilizados 791.082 casos de covid-19 e 14.598 óbitos. Em um dia, foram 45 novas mortes e 1.676 novos infectados, em um país com 126,3 milhões de habitantes.
Protocolos
Apesar de os jogos ocorrerem em Tóquio, cerca de 500 locais em todo o país foram escolhidos para hospedar atletas e membros das delegações de diversos países. O Comitê Olímpico do Brasil (COB), por exemplo, irá abrigar seus atletas em cidades próximas de Tóquio, como Hamamatsu, Saitama, Sagamihara, Ota, Chiba, Enoshima, Miyagase, Koto e Chuo.
No entanto, ainda em maio, pouco mais de 30 municípios já tinham desistido de receber os atletas devido à pandemia de covid-19, segundo informações publicadas pelo diário espanhol Marca, na época.
Segundo a primeira versão do manual oficial do Comitê Olímpico Internacional (COI), que ainda será atualizado uma semana antes do evento, os participantes, seguindo as regras, só poderão se deslocar dos locais em que estão abrigados aos eventos, e em veículos oficiais, sem passar pelo transporte público.
A sanção para quem desrespeitar a medida pode variar entre uma advertência verbal até a eliminação e expulsão dos jogos. Também haverá a testagem diária dos atletas e membros das delegações.
Quanto à liberação de 10 mil espectadores aos eventos, há algumas regras: será proibida a entrada de estrangeiros, bem como gritar nas arenas e nos estádios, a fim de evitar a propagação do vírus por meio dos aerossóis.
O presidente da Associação Médica de Tóquio, Haruo Ozaki, em comunicado oficial, afirmou que a decisão de liberar o público, ainda que respeitando o limite de 50% dos locais, é “incompreensível”.
“Originalmente, havia dúvidas se os jogos poderiam ser realizados. Então, porque de repente deixamos de lado a opção de realizar os jogos sem espectadores e falamos em deixar 10 mil pessoas nos locais? Levando adiante a premissa de que os jogos acontecerão de qualquer maneira, a motivação do público para praticar o autocontrole será perdida e a situação ficará fora de controle”, afirmou Ozaki.
Para os jornalistas, a testagem será com menor frequência, a cada quatro dias, e todos serão monitorados por GPS. O Comitê espera que 6.000 trabalhadores da mídia estrangeira desembarquem no Japão para cobrir os jogos.
Edição: Vinícius Segalla