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Brasil pode ser campeão mundial de covid-19

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Se as seringas continuarem distantes dos braços dos brasileiros, é possível presumir que, mantidos os atuais índices de vacinação lá e cá, o Brasil ultrapasse os EUA em setembro - João Viana / Fotos Públicas
Com pouca vacina, aqui as mortes a cada dia são cinco vezes mais numerosas do que nos EUA

Empenhado em vencer mais uma Copa América, o Brasil é favorito para levantar outra taça, esta trágica: pode-se tornar campeão mundial de covid-19 em números absolutos. É um troféu funesto hoje de posse dos Estados Unidos mas que corre o risco de lhe escapar como resultado da fartura de vacinas e da velocidade da vacinação.

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É verdade que a diferença entre ambos ainda é imensa, já que os EUA somam 619 mil mortes ao passo que as famílias brasileiras pranteiam 516 mil pais, mães, avós, tios, irmãos, filhos, sobrinhos e outros parentes que se foram.

O fator de desequilíbrio que empurra o Brasil para o topo do pódio é o inverso daquele que está freando o poder avassalador do coronavírus nos EUA. Aqui, ao contrário, faltam vacina. Com sua capilaridade, o SUS poderia imunizar até três milhões de pessoas/dia mas, hoje, imuniza três vezes menos.

Entre os dias 22 e 29 de junho, segundo o site Worldometers, a média de óbitos diários no Brasil foi 1.626, enquanto nos EUA ficou em 292. Ou seja, com pouca vacina, aqui as mortes a cada dia são cinco vezes mais numerosas do que lá, embora o país do norte tenha 118 milhões de habitantes a mais do que seu vizinho sul-americano.


SUS poderia imunizar até três milhões de pessoas/dia mas, hoje, imuniza três vezes menos / Jorge Leão

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O Centro de Controle de Doenças (CDC) aponta que 46,4% da população norte-americana já está plenamente imunizada. No Brasil, pouco mais de 12% goza desta condição.

Menos mal que, apesar dos pesares e graças à vacinação, está acontecendo uma pequena mas constante queda na contagem de vidas perdidas nos últimos dias.

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Porém, se as seringas continuarem distantes dos braços dos brasileiros, é possível presumir que, mantidos os atuais índices de vacinação lá e cá, o Brasil ultrapasse os EUA em setembro. Na relação de mortes pelo total de habitantes, isso já aconteceu. Temos 2.411 óbitos por milhão, enquanto eles marcam 1.862 por milhão.

Na planilha do Worldometers, também se constata que, entre os dez países com maior número de casos e de óbitos, nenhum testou tão pouco quanto o Brasil. No quesito testagem, apanhamos até do Iraque, Irã, Líbano, Palestina, nações maltratadas por guerras.

E todos sabíamos lá atrás, no começo de tudo, que testes - na ausência de remédio ou vacina - eram cruciais para identificar e isolar os pacientes, impedindo que o mal se alastrasse. Foi o que fizeram aqueles que melhor se saíram no combate ao vírus. Também não houve lockdown digno do nome.


Graças à vacinação está acontecendo uma pequena mas constante queda na contagem de vidas perdidas nos últimos dias / Foto: Thiara Montefusco /Gov. do Ceará

Faltaram vacinas

Faltaram equipamentos de proteção individual para os batalhadores da linha de frente, enfermeiros e médicos. E faltaram respiradores e, depois, oxigênio para quem precisava desesperadamente respirar. Por fim, faltaram as vacinas.

Só não faltaram bizarrices, perdigotos, fanfarronadas e cretinices variadas. Nem fake news contra vacinas, máscaras e hospitais. Tampouco cloroquina, ivermectina, azitromicina e ozônio retal.

Como chegamos a esse ponto? No começo de tudo, pensamos, com benevolência, que era apenas expressão da estupidez de um governo de boçais. Erramos. Cada vez mais, pelo que se vê e ouve na CPI da Covid, delineia-se uma arquitetura oculta de horror onde se mesclam a crueldade, a ganância e a podridão.

 

*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo