Uma decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgada nesta quinta-feira (8) considerou ilegal a entrada de policiais em um domicílio sem que tenha havido investigação prévia, incontestável flagrante de crime ou mandado judicial de busca ou prisão.
O tema gerou polêmica no país quando policiais em Belo Horizonte, no dia 1º de mao deste ano, invadiram o apartamento e prenderam um homem acusando-o de atirar ovos em uma manifestação de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele foi preso com base em depoimento de trestemunhas. A Polícia Militar de Minas Gerais abriu procedimento disciplinar para investigar a conduta dos policiais que efetuaram a prisão.
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O caso, ainda que extremo, está longe de ser exceção no país. Uma dessas violações - que via de regra ocorrem em bairros de periferia e envolvendo suspeitas de porte ou tráfico de entorpecentes -, levou o STJ à decisão divulgada nesta quinta.
Em razão da ausência de mandado judicial e da realização de diligência baseada apenas em denúncia anônima – com a consequente caracterização de violação inconstitucional de domicílio –, a Sexta Turma do STJ considerou ilegal a entrada forçada de policiais em uma casa em São Paulo para a apuração de crime de tráfico de drogas.
Como consequência da anulação da prova – os agentes encontraram cerca de 12 gramas de cocaína no local –, o colegiado absolveu duas pessoas que haviam sido condenadas por tráfico.
De acordo com os autos, antes do ingresso na residência, os policiais avistaram duas pessoas em volta de uma mesa, manipulando a droga, motivo pelo qual decidiram ingressar na residência e apreender o entorpecente.
Ao manter as condenações, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que não houve ilegalidade na entrada dos policiais, tendo em vista que a diligência teve origem em denúncia e que os agentes viram a manipulação da droga antes de entraram no local – circunstâncias que, para o TJSP, afastariam a necessidade de autorização para ingresso no imóvel, já que a ação teria sido legitimada pelo estado de flagrância.
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Entrada forçada em domicílio depende de razões fundadas
O relator do recurso, ministro Antonio Saldanha Palheiro, apontou que as circunstâncias que motivaram a ação dos policiais não justificam, por si sós, a dispensa de investigações prévias ou de mandado judicial. Segundo o ministro, o contexto apresentado nos autos não permite a conclusão de que, na residência, praticava-se o crime de tráfico de drogas.
Antonio Saldanha Palheiro lembrou que o Supremo Tribunal Federal, no processo 603.616, firmou o entendimento de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em razões fundadas, as quais indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente e de nulidade dos atos praticados.
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Ao anular as provas e absolver os réus, o ministro também apontou recente precedente da Sexta Turma no HC 598.051, em que se estabeleceu orientação no sentido de que as circunstâncias que antecedem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as razões que justifiquem a diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, os quais não podem derivar de simples desconfiança da autoridade policial.
Leia o acórdão no REsp 1.865.363.
Edição: Vinícius Segalla