O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, indicou um militar para refutar a acusação feita pelo policial Luiz Dominguetti de que teria cobrado propina em negociação por vacinas contra a covid-19. Dias protocolou queixa-crime na última terça-feira (6), na 6ª Vara Criminal de Brasília, contra Dominguetti.
O documento foi entregue à CPI na quarta (7), quando o ex-diretor do ministério foi detido por ordem do senador Omar Aziz (PSD-AM). O Brasil de Fato analisou as 135 páginas do processo.
O indicado de Dias ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT) é o militar Marcelo Blanco da Costa, conhecido como Coronel Blanco, para ser testemunha da ação. O empresário José Ricardo Santana, que teria participado do encontro, também foi indicado como testemunha.
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A peça do processo, que acusa o policial de “crimes de calúnia, injúria e difamação”, foi registrada mais de uma semana depois da publicação da reportagem do jornal Folha de S.Paulo que revelou o caso na noite de 29 de junho.
Advogados consultados pela reportagem afirmaram que a indicação não é mera formalidade, pelo fato de o militar ter presenciado a cena. De acordo com os especialistas, a defesa do servidor não indicaria Blanco caso não tivesse certeza de que ele confirmaria a versão que consta na queixa-crime.
O alinhamento de Blanco e Dias reforça uma tese que vem sendo defendida por senadores de que houve um “consórcio” entre militares e indicados do Centrão para negociar propinas e superfaturamentos nas contratações do Ministério da Saúde. Um acordo entre os dois grupos envolvidos nas suspeitas de corrupção nos contratos de vacinas (militares e Centrão) é apontada por senadores como a motivação para que Roberto Dias não implicasse oficiais das Forças Armadas em seu depoimento.
Na sessão da CPI da Covid, Roberto Dias admitiu ter participado do encontro com Dominguetti e confirmou a presença do Coronel Blanco em jantar realizado no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, na capital federal em 25 de fevereiro. Contudo, disse aos senadores que o encontro com o PM vendedor de vacinas foi acidental e negou ter negociado a compra de imunizantes em nome do Ministério da Saúde. A posição revoltou Aziz, que alegou “perjúrio” como motivação da detenção.
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"Ele está preso por mentir, por perjúrio. E se eu tiver tendo abuso de autoridade, que advogada dele ou qualquer outro senador me processe, mas ele vai estar detido agora pelo Brasil, porque nós estamos aqui agora pelo Brasil, pelos que morreram", afirmou Aziz, que preside a CPI, para em seguida encerrar a sessão.
Blanco foi convocado pela comissão para prestar depoimento, ainda a ser agendado. O coronel ainda não se manifestou publicamente desde que foi citado como um dos participantes do encontro em que Dias teria pedido propina a Dominguetti.
Antes de decretar o pedido de prisão de Dias, Aziz chegou a citar um “dossiê” que teria sido produzido pelo ex-servidor da Saúde em que estariam arquivados e-mails com ordens da Casa Civil para que fossem privilegiados determinados fornecedores. “O senhor sabe que o senhor fez um dossiê para se proteger. Estou afirmando, não estou achando. Sabemos onde está este dossiê e com quem está”, disse o presidente da CPI.
"O senhor recebeu várias ordens da Casa Civil por e-mail lhe pedindo para atender. 'Era gente nossa', 'essa pessoa é nossa'. Dominguetti, no dia 25, às 14h55, ele recebeu um áudio dizendo: 'Está tudo certo hoje à noite o encontro seu com Roberto Dias'. Ele diz: 'Está, sim'. Não pode ser coincidência à noite ter se encontrado", afirmou Aziz
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Durante a maior parte do período de gestão da pandemia, o ministro-chefe da Casa Civil foi o atual ministro da Defesa, o general Braga Netto. Ele é um dos signatários de nota publicada na quarta-feira (7) pelos chefes das Forças Armadas com duras críticas a Aziz.
Segundo Aziz, o dossiê foi elaborado em outubro, quando Dias ficou prestes a ser exonerado do Ministério da Saúde. Na ocasião, a decisão foi revertida depois de ser encaminhada a Braga Netto. Desde então, é utilizado como ativo da negociação de militares com integrantes do Centrão para preservação mútua nas investigações da CPI.
Leia fatos da relação de militares com o Centrão no Ministério da Saúde
Maio/2020: Pazuello mantém Roberto Dias na Saúde
Nomeado como ministro interino por sua suposta expertise em logística, Pazuello manteve Roberto Dias justamente como diretor de Logística. Em depoimento à CPI, o servidor citou diálogo com Pazuello que teria afirmado a ele: “Roberto, eu estou subindo uma montanha e tomando uma montanha. E você é a pessoa que está aqui trabalhando e conhece esse caminho. Por mim, você fica”.
Junho/2020: Centrão emplaca Arnaldo Medeiros em secretaria
O governo federal nomeou Arnaldo Correia de Medeiros para o comando da Secretaria de Vigilância em Saúde. Ele foi indicado pelo líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB). O partido tem como principal cacique o ex-deputado Valdemar Costa Neto. A fiscal do contrato do ministério com a Covaxin, Regina Célia de Oliveira, trabalhava sob seu comando.
Outubro/2020: Braga Netto reverte exoneração de Dias
Em outubro de 2020, um ofício que determinava a exoneração de Roberto Dias do cargo de diretor de Logística do Ministério da Saúde chegou a ser enviado à Casa Civil, então chefiada por Braga Netto. No Palácio, contudo, a pasta não ratificou a demissão. Dias foi mantido no cargo.
Fevereiro/2021: Negociação com Davati é feita conjuntamente
O encontro na noite de 25 de fevereiro com Dominguetti, em que Dias teria pedido propina para comprar vacinas, foi presenciado por dois militares: Coronel Blanco e Coronel Martinelli. À época, os dois não atuavam mais no Ministério da Saúde, onde trabalhavam por indicação de Pazuello. Nenhum dos dois negou ter presenciado o suposto crime.
6 de julho/2021: Blanco vira testemunha de Dias na véspera de depoimento
Em queixa-crime protocolada contra Dominguetti, Dias indicou ao TJ-DFT o Coronel Blanco para ser testemunha da ação. Questionado sobre a relação com o oficial, que chegou a atuar como servidor na Saúde, Dias disse ser “um colega”.
7 de julho/2021: Dias silencia sobre e-mails da Casa Civil
Em depoimento, Dias disse que não sofreu pressões do Palácio ou de militares, mas não negou afirmação do senador Omar Aziz sobre a existência de um dossiê com e-mails enviados pela Casa Civil (então comandada pelo general Braga Netto) com pressões para atendimento de determinados fornecedores.
Edição: Rebeca Cavalcante