O Haiti permanece sob um estado de tensão e indefinição. Na madrugada de quarta-feira (7), o presidente Jovenel Moise foi assassinado com 12 disparos na sua residência oficial. A primeira-dama Martine Moise permanece hospitalizada em Miami, enquanto os dois filhos do casal puderam sair ilesos do atentado.
As autoridades haitianas confirmaram que ao menos 28 pessoas estiveram envolvidas no crime, 15 já foram detidas, sete foram abatidas pela polícia e os demais estão foragidos da justiça. Há suspeitas de cumplicidade da guarda presidencial e também de algum agente estrangeiro. O ministro de Defesa da Colômbia, Diego Molano confirmou que os detidos são militares da reserva do exército colombiano.
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O Conselho de Ministros do Haiti fechou o aeroporto Toussaint Louverture, assim como as fronteiras do país com a República Dominicana, e decretou estado de sítio por 15 dias.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas realizou uma sessão de urgência, na última quinta-feira (8), e condenou o “abominável” magnicídio.
Desde fevereiro deste ano, Moise exercia o cargo de inconstitucional. Com o parlamento dissolvido desde 2020, o ex-chefe de Estado governava por decreto. As últimas medidas anunciadas era a realização de um referendo para alterar a constituição vigente desde 1987 e a realização de eleições presidenciais e parlamentares em setembro.
Vazio de poder
O assassinato de Moise gerou um completo vazio de poder no Haiti. Primeiro pela ausência de um mandato constitucional do Executivo, depois pela inexistência do Legislativo e pela falta de primeiro ministro.
Claude Joseph, que agora se autoproclamou presidente interino, havia renunciado ao cargo de primeiro-ministro na última semana.
Por isso, na segunda-feira (5), Moïse havia escolhido Ariel Henry como substituto, mas ainda não havia assumido o cargo. Por isso, nos últimos dias Joseph e Henry disputaram quem teria maior legitimidade para assumir o comando do país
Joseph declarou que irá manter o calendário de realização do referendo e das eleições gerais no dia 26 de setembro.
Crise e violência generalizada
O Haiti vive uma crise social e econômica há anos. Cerca de 46% da população vive em situação de insegurança alimentar, segundo relatório do Programa Mundial de Alimentos (PMA). Enquanto isso, segundo dados oficiais, existem 19 mil casos confirmados e 467 falecidos por covid-19. A denúncia de especialistas é que a falta de aplicação de exames do tipo PCR gere uma subnotificação de até cinco vezes a cifra real da situação epidemiológica do país.
O cenário é agravado por uma onda de violência que se aprofundou depois dos 13 anos de intervenção militar estrangeira, que representou a Missão de Estabilização da ONU (Minustah).
Existem cerca de 77 gangues armadas, que controlam regiões inteiras no país e se financiam com o tráfico de drogas e de armas. Segundo a Comissão Nacional de Desarmamento, existem cerca de 500 mil armas circulando de maneira ilegal na ilha, depois da ocupação da Minustah.
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Por outro lado, Moise governou na base da violência estatal com pelos menos 10 chacinas durante a sua gestão.
“O assassinato de Jovenel Moise é o resultado das políticas que adotou no último período. Estabeleceu uma ditadura ao não deixar o poder quando seu mandato finalizou, em fevereiro, aplicando uma política de repressão dura, de massacres. Isso desestabiliza qualquer sociedade minimamente democrática”, defende Paulo Henrique Campos, militante do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).
Cenários possíveis
As organizações de esquerda e movimentos populares haitianos condenaram o assassinato de Moise e defendem que seja formado um governo provisório de maneira imediata. “As forças de esquerda não querem restringir a democracia ou repetir o que fez Jovenel Moise e impor um regime ditatorial no país. Defendem um processo urgente de um governo de transição que coloque o país nos trilhos de um processo democrático”, sinaliza Paulo Henrique Campos.
O autoproclamado presidente já reiterou que irá seguir com os planos de realizar uma reforma constitucional e renovar o Executivo e Legislativo do país.
Claude Joseph também pediu cooperação dos Estados Unidos e da ONU para capturar os autores intelectuais do crime contra o ex-presidente.
A oposição teme que essa possa ser a justificativa para uma nova intervenção estrangeira no país caribenho.
“Só aprofundaria ainda mais a crise de segurança, de democracia e a desigualdade social no Haiti. O país não precisa de uma intervenção estrangeira ou de uma intervenção militar. O que o povo haitiano precisa é de mais democracia e soberania. Esses fatores só serão definidos pelo povo haitiano e não por interesses dos Estados Unidos ou por interesses estrangeiros”, analisa Paulo Henrique Campos, membro da brigada de solidariedade do MST com o Haiti.
Edição: Vivian Virissimo