Eu achava divertido viajar de jardineira, escutando cacarejos de galinhas e às vezes até galo cantar
Acho que muitas pessoas das gerações mais jovens não conhecem um tipo de transporte coletivo que quase não existe mais, a jardineira.
É, ou era, um ônibus de modelo antigo, menor que os atuais mas maior do que uma van, com motor na frente, parecendo um narigão.
As jardineiras eram muito usadas no interior. Mas você já parou para pensar porque elas tinham esse nome?
Fiquei sabendo que a origem é francesa. Na França, a palavra jardim (jardin) tem um significado maior do que o dos jardins daqui. Horta e pomar também são chamados de jardim.
Os produtores de hortaliças e frutas levavam seus produtos para os mercados da cidade em veículos de duas ou quatro rodas, então jardineira, era o meio de transporte de levar essa produção dos jardins da roça para a cidade.
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No Brasil, as jardineiras eram usadas para o transporte de passageiros, mas também pegavam gente que ia dos seus sítios para a cidade levando sua produção, incluindo leitões e frangos. Eu achava divertido viajar de jardineira, escutando cacarejos de galinhas e às vezes até galo cantar.
A partir de um certo momento, isso passou a não ser mais permitido. E elas quase sempre tinham uma plaquinha dizendo: “É proibido fumar charutos, cachimbos e cigarros de palha”.
Teoricamente só se podia fumar cigarros de papel dentro das jardineiras. Mas era só uma formalidade, ninguém levava essas proibições a sério. Fumavam principalmente cigarro de palha à vontade.
Viajei muito de jardineira. Mal saía da cidade e pegava a estrada, o cobrador começava seu trabalho de conferir as passagens, e cobrar de quem entrou sem comprar. E também vendia passagens para quem pegava a jardineira no meio do trajeto.
Ele ia matraqueando um picotador de passagens. Matraqueava o picotador no ar - traque-traque-traque - e pedia:
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- A passagem... Cadê a passagem?
O passageiro entregava, ele picotava, devolvia e seguia em frente.
Uma vez, lá no fundo da jardineira, ele apertou várias vezes o picotador perto da orelha de um velho, pedindo a passagem, mas nem tchum... o velho não ligava.
Cutucou o homem e pediu:
- Cadê a passagem?
- Passagem? Que passagem? - ele perguntou.
- O senhor não comprou passagem? - indagou o cobrador.
E ele respondeu com outra pergunta:
- Ah... é aquele papelzinho azur?
- É. Cadê?
E o velho respondeu:
- Pitei ele.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Douglas Matos