Triste, louca ou má

Artigo | DJ Ivis: o retrato da violência doméstica nos lares do Brasil

"Somos violentadas de inúmeras formas por sermos mulheres e isso precisa acabar se a sociedade quiser avançar"

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Mulheres exigem: "parem de nos matar" - Fabiana Reinholz

"A cada minuto, 25 mulheres são ofendidas, agredidas física e/ou sexualmente ou ameaçadas no Brasil". Parece o trecho de um disco arranhado, repetindo-se infinitas vezes, mas é, para nosso desgosto, uma representação cotidiana da sociedade machista brasileira. E o pior: torna-se, cada vez mais, um ruído distante aos seus ouvidos.

Será que alguém pensa sobre o quanto é desgastante para uma mulher, todos os dias, ter que repetir a mesma narrativa para talvez ser ouvida? Passar por cima de humilhações para buscar o mínimo de dignidade? Será que alguém entende que não é nada gratificante ou prazeroso para uma mulher ver um caso de violência (dela mesma ou de qualquer outra) sendo exposto na mídia? 

:: Violência contra a mulher: movimentos organizam ato de repúdio a DJ Ivis em Fortaleza ::

O que vimos no último fim de semana é como um disco arranhado repetindo infinitas vezes uma melodia horrenda, que segue ferindo nossos ouvidos. O DJ Ivis é uma espécie de retrato do agressor da violência doméstica presente nos lares brasileiros. Assistimos chocadas às cenas de agressão contra, agora, sua ex-companheira, e o mais doloroso é que as ações parecem tão corriqueiras como se ele estivesse vestindo uma roupa ou calçando sapatos.

Contra nós, mulheres, sempre e veementemente, o benefício da dúvida. Nunca a razão. Há séculos inventaram que somos desprovidas dessa virtude. Hoje, pergunto: quem sustenta essa narrativa? Nossas palavras, nossos testemunhos, nossas vivências são moedas de pouco ou nenhum valor.


Ato em frente ao Congresso cobra medidas no combate à violência contra mulher / Lula Marques

Leia aqui: Parlamentares propõem instrumento jurídico para subsidiar corte no caso Mariana Ferrer

Para nós, conviver com isso é como estar correndo em uma maratona que nunca acaba. Corremos, corremos e corremos para provar o valor da nossa vida como ser humano. No caminho, precisamos escancarar as violências, expor nossos sofrimentos e calcular milimetricamente nossos passos para obter provas de que somos violentadas de inúmeras formas por sermos mulheres e que isso precisa acabar se a sociedade quiser avançar em todas as esferas.

Será que a prisão é suficiente para condenar um agressor de mulheres, enquanto a sociedade o recompensa com seguidores em redes sociais e veneração à sua masculinidade? 

::Agressão de DJ Ivis provoca revolta nas redes: "Meter a colher é salvar a mulher da agressão"::

Estamos cansadas da falta de ação e naturalização da violência contras as mulheres em todas as esferas. Enquanto o DJ Ivis batia em Pamella, a bebê chacoalhava no carrinho. Enquanto a mulher sofria as agressões, outras pessoas estavam presentes e silenciaram. Que razão é essa? 

"Eu tenho que provar que isso acontece. Se fosse só a minha palavra contra a dele eu teria que provar", disse Pamella, e é assim que as mulheres são silenciadas nos inúmeros casos de violência abafados pelas paredes dos lares brasileiros.

::Agressão de DJ Ivis provoca revolta nas redes: "Meter a colher é salvar a mulher da agressão"::

Como se não bastasse, nós, uma vez munidas de todas as provas possíveis, vemos a linha de chegada da maratona ser retirada sem explicação qualquer: sem prova, não há razão; com prova, muda-se a lógica da razão.


Em ato, manifestantes saem em marcha para denunciar violência contra mulheres / Samuel Tosta

Patriarcado

Legislações, políticas públicas e avanços, bradados e utilizados como argumento para afirmar que o feminismo é coisa do passado, que hoje as mulheres já ocupam a sociedade e têm seus direitos garantidos, caem por terra diante da banalização da violência sobre nossas mentes e nossos corpos. O patriarcado está aqui, escancarado, insistindo em nos relegar à margem, com a tutela do povo brasileiro.

Não há lógica na razão machista, mas enquanto ela for disseminada, perderemos não só as mulheres, mas a própria vida em coletivo. Mesmo sem "razão", somos o sustentáculo da sociedade; estamos na linha de frente das cadeias de produção, dos lares e dos trabalhos essenciais. E mesmo sem "razão", resistimos há séculos. O feminismo? É como uma parte de nós, que se move na luta incessante por desmascarar a invenção do patriarcado com toda a sua razão machista. Mas até quando?

 

*Danielle Alexa é Mestra em Literatura, Cultura e Tradução pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora efetiva no município de Conde - PB, atuando no Ensino Fundamental Anos Finais, e professora efetiva no Estado da Paraíba, ocupando o cargo de Coordenadora Pedagógica e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Paraíba

Edição: Heloisa de Sousa