O depoimento da diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, aos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, reforçou as inconsistências na nota fiscal emitida pela empresa para a entrega da primeira remessa de doses da vacina Covaxin.
As inconsistências foram apontadas à empresa, ainda em março, primeiramente por William Amorim Santana e Luis Ricardo Fernandes Miranda, ambos integrantes da Divisão de Importação do Ministério da Saúde.
Na ocasião, foram alvos de questionamento a solicitação de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões a uma terceira empresa, não prevista no contrato, a Madison Biotech, além da redução do quantitativo de doses de quatro para três milhões.
Data da invoice
Tanto Santana quanto Luis Ricardo afirmaram à CPI que receberam a primeira invoice no dia 18 de março. Emanuela Medrades, no entanto, disse que mandou o documento ao Ministério da Saúde no dia 22 de março.
Um vídeo de uma audiência realizada no Senado Federal, no dia 23 de março, pesa contra a diretora. Na ocasião, Medrades afirmou que "na quinta-feira passada, nós fizemos o pedido, encaminhamos as 'invoices' [nota fiscal com informações da compra] e alguns documentos". “Quinta-feira passada” era justamente dia 18 de março.
"Temos alguns documentos para serem retransmitidos ao pessoal do Dimp [Divisão de Importação do Ministério da Saúde]. Estão todos super solícitos, atendendo-nos de uma forma, pensando realmente na urgência que o assunto demanda", disse Medrades na audiência de 23 de maio.
A data 18 de março é uma questão importante, porque serve como base de sustentação para um inquérito, autorizado pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que investiga suposta prevaricação por parte do presidente Bolsonaro.
Isso porque, ao tomar conhecimento das inconsistências na invoice, Luis Ricardo e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), se reuniram com o presidente, no dia 20 de março, para alertá-lo sobre uma suposta fraude no contrato.
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Bolsonaro não só confirmou o encontro à imprensa como afirmou que teria tomado providências. “Eu tenho reunião com 100 pessoas por mês, os assuntos mais variados possíveis. Eu não posso... Chegar qualquer coisa para mim e ter que tomar providência imediatamente, tá certo? Tomei providência nesse caso”, disse o capitão reformado à Rádio Gaúcha.
O presidente teria solicitado ao então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, a investigação da denúncia. Dois dias depois, no entanto, Pazuello foi exonerado, e a investigação ficou a cargo do então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco. Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), um dia depois de ter assumido a investigação do caso, Franco teria finalizado a apuração sem encontrar nada.
Se, como Emanuela Medrades afirma, a invoice foi enviada somente no dia 22 de março, não teria como os irmãos Miranda terem se reunido com Bolsonaro para tratar das inconsistências da nota fiscal no dia 20 de março.
Madison Biotech
Segundo Medrades, o Ministério da Saúde não solicitou nenhuma mudança em relação ao pagamento que seria realizado à Madison Biotech.
"O ministério poderia ter falado 'eu não quero', e nós teríamos feito a alteração, o que não aconteceu", afirmou.
Segundo a diretora, a Madison Biotech é responsável por todos os contratos da Bharat Biotech. “Em todos os países que o laboratório negociou a Covaxin, foi a Madison quem atuou”, disse aos senadores.
Outro ponto foi o pagamento antecipado de US$ 45 milhões. “O mundo inteiro pagou antecipadamente. O Paraguai pagou antecipadamente. Todos os países que compraram tiveram que cumprir e pagar antecipadamente”, conforme os termos do laboratório Bharat Biotech.
No Paraguai, o quantitativo de dois milhões de doses compradas, em 23 de abril, ainda não foram entregues.
Depois, Emanuela Medrades afirmou que não foi solicitado nenhum pagamento antecipado, mas que a informação contida na primeira invoice de um pagamento de US$ 45 milhões surgiu apenas por se tratar de um padrão das notas emitidas pela Bharat Biotech.
“Uma invoice é um documento internacional. Ninguém tem obrigação de entender como o Brasil atua. A Índia usa o padrão dela. O que não pode acontecer é, na hora da importação, esse documento estar errado”, afirmou.
Valor da dose
Uma ata de uma das reuniões de negociação entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos enviada à CPI da Covid aponta para uma oferta de US$ 10 por dose da vacina Covaxin. Segundo Medrades, a informação é “mentirosa”. O documento ainda informa que o valor poderia ser reduzido, dependendo da quantidade de doses contratada.
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O governo de Jair Bolsonaro assinou um contrato, no dia 25 de fevereiro, no valor de R$ 1,6 bilhão, para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin por US$ 15 a dose.
A título de comparação, o imunizante produzido pela farmacêutica estadunidense Pfizer foi comprado de US$ 10 a US$ 12 por dose; a dose da vacina da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), produzida em parceria com o laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford, entre US$ 3 US$ 5; da Janssen, a US$ 10; e da CoronaVac, a aproximadamente US$ 12.
Edição: Leandro Melito