Pandemia

Mesmo com a covid-19 em queda, especialistas criticam "libera geral"

País tem 1.556 mortes pela covid em 24 horas. São Paulo anuncia afrouxamento em medidas de segurança

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Um terço das mortes registradas em cartório no 1º semestre é por covid
Um terço das mortes registradas em cartório no 1º semestre é por covid - Michael Dantas/AFP

O Brasil registrou 1.556 mortes pela covid-19 nas últimas 24 horas. Com o acréscimo, o número de vítimas desde o início da pandemia, em março de 2020, chegou a 537.394.

Em relação ao número de novos casos, o período foi marcado por 57.736, totalizando 19.209.729. O país segue com índices elevados da doença, e se mantém como epicentro global da pandemia. Entretanto, é perceptível uma tendência de queda nas mortes e casos de covid-19.

Porém, especialistas alertam que a queda nos indicadores da covid-19 não autoriza precipitações em medidas de segurança e de restrições de atividades.

Edição especial do Boletim Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgado nesta quarta-feira (14), aponta para essa tendência. Mesmo assim, existem exceções, como Manaus que indica o sentido oposto do restante do país, com aumento de casos da doença.

Assim, a atenção e os cuidados devem seguir. “A tendência de queda nos indicadores de incidência e mortalidade por covid-19 foi mantida nesta última semana, de 4 a 10 de julho, pela terceira vez consecutiva. O número de casos e de óbitos vem caindo há três semanas em cerca de 2% ao dia, mas ainda permanece em alto patamar”, alerta a entidade.

Vacinas salvam vidas

Desse modo, os cientistas argumentam que os números positivos possuem relação com o avanço da vacinação. Mesmo com atrasos e ritmo lento, os imunizantes já mostram sua efetividade em salvar vidas.

“Com a vacinação, o número de óbitos e internações diminui entre os grupos de risco ou grupos prioritários. É o caso de idosos e portadores de doenças crônicas, por exemplo. Ao mesmo tempo, a transmissão permanece intensa entres aqueles que ainda não foram imunizados”, pondera a Fiocruz.

A entidade reforça que a situação não está sob controle e que medidas para conter o vírus seguem necessárias. “O arrefecimento mais duradouro da pandemia” somente será alcançado com a intensificação da campanha de vacinação, a adequação das práticas de vigilância em saúde, reforço da atenção primária à saúde, além do amplo emprego de medidas de proteção individual, como o uso de máscaras e o distanciamento físico”, elenca a Fiocruz.

São Paulo

No estado mais atingido pela covid-19 do país, São Paulo, o recuo na pandemia é notável. Com mais de 60% da população adulta tendo recebido ao menos uma dose de algum imunizante, mortes, casos e internações recuaram.

Estão totalmente imunizados com duas doses mais de 20% da população. O número de vítimas diárias caiu 46% desde março, as hospitalizações recuaram 44%.

“A queda acentuada da letalidade do coronavírus em São Paulo é resultado dos altos índices de cobertura vacinal. A melhor forma de preservar vidas é com a vacina, e foi o que aconteceu, principalmente entre os idosos acima dos 70 anos, que já tomaram a primeira e a segunda dose da vacina. A maioria dos vacinados, 80%, com duas doses tomou a vacina do Butantan”, disse o governador João Doria (PSDB), em coletiva concedida nesta quarta (14).

A letalidade entre os internados também apresentou queda. Com pessoas de grupos de risco e de faixas etárias mais avançadas imunizadas, junho foi o mês com menor taxa de letalidade entre internados.

Foi de “19%, com 7.004 pacientes que faleceram mesmo recebendo assistência devido à gravidade clínica”, informa o governo. “Este número é três vezes menor que o registrado em março, quando a taxa foi a mais alta do semestre, de 35%, equivalente a 23.427 mortes entre os internados.”

Adesão à vacinação

O destaque positivo fica por conta da ampla adesão da população às vacinas. Todas as faixas etárias que já puderam ter acesso a um imunizante apresentaram índice de comparecimento acima de 90%. Entre os idosos com 90 anos ou mais, 95% se vacinaram; de 70 a 89 anos, 100% do público alvo foi impactado.

“Entre os grupos 100% imunizados, as quedas nas letalidades foram marcantes: de 26% entre 80 e 89 anos, e de 34% na faixa de 70 a 79 anos”, relata o governo de São Paulo.

Outro lado

Os resultados positivos, entretanto, motivam um movimento de abandono completo dos protocolos de segurança relacionados ao distanciamento social. Especialistas consideram a ação precipitada.

Mesmo o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 de São Paulo, João Gabbardo, assume que “não estamos perto da volta da normalidade, que será adquirida de uma forma gradual e diretamente relacionada ao nosso processo de imunização”.

A expectativa de Gabbardo é de que, apenas no fim de setembro, 86% dos adultos terão recebido uma primeira dose de vacinas.

Entretanto, Doria segue pressionando por liberar tudo. Durante a coletiva desta quarta, o governador anunciou a suspensão do trabalho remoto para funcionários públicos, mesmo aqueles não vacinados.

“Vamos ter uma redução acentuada do número de casos. Então o Governo do Estado de São Paulo está dando um exemplo para que aqui os seus servidores possam voltar ao trabalho presencial resguardados os devidos cuidados, mas com a indicação clara da queda do número de casos, da queda de internações e de óbitos. Isso nos permite tomar essa decisão em absoluta segurança”, argumentou.

O cenário preocupa cientistas, já que é possível um repique de casos e mortes. Entre os maiores riscos está o avanço da variante delta do coronavírus, que é até 70% mais contagiosa e derruba a eficácia das primeiras doses de vacinas.

Na terça-feira, sete estados anunciaram a antecipação do intervalo dos imunizantes da Pfizer e da AstraZeneca, que estava fixado em três meses. A ideia é previnir uma nova onda da cepa agressiva, que deixa o mundo em alerta máximo. Entretanto, em São Paulo, não existe essa orientação. Doria disse que o caso será discutido nos próximos dias.

Manaus

O epidemiologista da Fiocruz Jesem Orellana considera a pandemia “muito longe do fim” e reforça a necessidade de manter precauções.

Ele argumenta ainda que Manaus já vive um aumento notável de casos de covid-19 nas últimas semanas. “Estamos em franca retomada ou recrudescimento da segunda onda e com menos de 15% da população total com a segunda dose vacinada contra a covid-19 em Manaus. Isto significa, que estamos muito longe de controlar a epidemia”, disse.

Ele teme que falsas sensações de segurança resultem em novos picos da doença. “Se considerarmos que mesmo com a vacinação avançando, o seu ritmo lento e irregular limita seus efeitos positivos sobre a população como um todo. E deixa a impressão de que pessoas vacinadas com uma dose (esquema incompleto) podem abandonar as precauções (uso de máscaras, evitar aglomerações e higienizar, desinfectar as mãos) contra possíveis infecções do coronavírus e suas variantes de preocupação.”

Na última semana, Manaus viu um aumento de 15,5% na ocupação semanal média de leitos de UTI devido à covid-19, saltando de 173,2 para 200 em 15 dias.

“Esse é um dado triplamente trágico, porque a taxa de letalidade de pacientes intubados em UTI de Manaus é uma das maiores do país; os 61 municípios do interior dependem dos leitos de Manaus; e essas hospitalizações além de majoritariamente evitáveis, contribuem ainda mais para gastos desnecessários, em um contexto grave de subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS)”, completa o especialista.