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Solidariedade camponesa faz a diferença na região da Campanha Gaúcha

Assentados da reforma agrária, organizações sociais e populares somam esforços para levar alimentos a quem precisa

Brasil de Fato | Hulha Negra (RS) |
Família assentada conduz carregamento de alimentos a ser compartilhado em espaços periféricos - Arquivo ICPJ

Há um provérbio africano que diz: "Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares singelos, consegue efetivar ações extraordinários." Esse tem sido o mote para ações de solidariedade que vêm sendo praticadas na região da Campanha Gaúcha.

Puxadas pelas famílias que interagem através da Rede de Comunidades Santo Isidoro Camponês, as ações têm colhido apoios de organizações sociais e populares para garantir um mínimo de dignidade a centenas de famílias que convivem, no período da pandemia e da crise econômica, com o risco social e alimentar.

"O que temos aqui são famílias camponesas, a maior parte assentados da reforma agrária, que não aceitaram passivamente ver seus irmãos e irmãs passando por necessidade, sentindo fome, sentido frio, e resolveram iniciar ações de solidariedade e partilha, dividindo muitas vezes o pouco que têm com aqueles que por sua vez têm menos ainda ou mesmo não têm nada", explica o frei capuchinho Wilson Zanatta, que atua na coordenação da Rede, cuja área de abrangência está localizada entre os municípios de Hulha Negra, Aceguá e Candiota.

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As ações voluntárias iniciaram logo no início do período da pandemia, com atenção especial aos alimentos e à partilha de informações para conscientizar as pessoas da necessidade dos protocolos de segurança como a utilização de máscara, o uso de álcool gel e o distanciamento social sempre que possível.

Mas a realidade presenciada pelos primeiros voluntários foi mais chocante do que imaginavam: como exigir protocolos sanitários de pessoas que cotidianamente já encontravam dificuldade em manter o sustento de sua família e já viviam sob o estigma da fome?

"Infelizmente as decisões equivocadas do campo político conduziram o Brasil de volta ao mapa da fome, uma realidade que cada um pode notar olhando com cuidado ao seu redor e exercitando sua empatia com seus próximos mais necessitados. Nessa hora devemos arregaçar as mãos e nos colocar a serviço do próximo, tanto no que diz respeito a manter as ações de resistência, quanto em buscar sanar as necessidades imediatas destes irmãos necessitados", frisa frei Zanatta.


Frei Wilson Zanatta prepara alimentos recebidos de camponeses para partilha com famílias necessitadas / Arquivo ICPJ

Solidariedade e resistência

Até o momento foram 6,5 toneladas de alimentos – a maior parte partindo da produção agroecológica dos assentados -, assim como material de higiene, remédios caseiros e informativos.

A partilha estendeu-se até comunidades camponesas da região, famílias quilombolas, indígenas, pescadores, desempregados, acometidos por doenças, entre outros. Comunidades periféricas urbanas nos municípios de Bagé, Dom Pedrito, Hulha Negra e Candiota  também estão sendo atendidas.

A Rede de Comunidades também organizou uma Rifa Solidária com o objetivo de adquirir produtos que não se produz no campo, mas que as pessoas necessitam, como café, açúcar, azeite e material de higiene e limpeza. Foram arrecadados R$ 2.960 que serão aplicados para aquisição destes produtos como forma solidária de contribuir com vítimas da pandemia nas cidades da região onde o desemprego e a fome se expressam com gravidade.

"Ficamos muito tristes quando começamos a ver que muitas famílias já estavam sem ter o que comer, isso nos emocionava, mas não bastava só se emocionar, era preciso fazer algo", conta Arlete Pinto Zorzzi, cuja família é assentada da reforma agrária em Hulha Negra.

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“Lembramos quando chegamos aqui na região há 30 anos e não tínhamos nada, como era bom quando mãos solidárias se estendiam em nossa direção e nos alcançavam alimentos para compartilhar. O tempo passou e hoje somos abençoados por ter os meios de produzir alimentos a partir da terra por que tanto lutamos e o justo é que nos mobilizemos para ajudar essas pessoas que estão passando fome hoje, daí partiu da Rede de Comunidades essa corrente contra a fome, que tem dado bons resultados”, completou.

A professora Cenira Hann Gasso de Gasso, que atua junto à Escola Chico Mendes, no Assentamento Santa Elmira, também faz referência aos dias em que as famílias assentadas chegaram à região e precisaram receber solidariedade para sobreviver e resistir no espaço que hoje frutificam com seu trabalho. “Se hoje nós compartilhamos aquilo que temos, de certa forma estamos retribuindo um pouquinho daquilo que um dia recebemos”.

Para ela, a ação é urgente, porque “quem tem fome tem pressa, a fome dói, ela é triste” e faz questão de ressaltar que o alimento compartilhado não deve ser interpretado como “esmola” e sim compreendido como solidariedade. “É assim que vemos no outro hoje um pouco da nossa própria história de luta”, pontua.


Indígenas de Aceguá recebem alimentos da Campanha Solidária empreendida por camponeses assentados da reforma agrária / Arquivo ICPJ

Não é esmola, é solidariedade

Para Emerson Capelesso, assentado que coordena a Cooperativa de Produção e Trabalho Integração Ltda (Coptil), o que as famílias assentadas estão fazendo de modo concreto é estender a sua mesa em direção à população urbana e a todos que estão ao seu alcance e se encontram em situação de fome.

“Se hoje estamos aqui, vivendo e produzindo, é porque lutamos muito e porque em um determinado momento essa luta nos conduziu a acessar políticas públicas de Estado que viabilizaram a oportunidade de trabalhar e produzir, portanto entendemos que num momento como este, quando não se vê compromisso do governo atual com a sociedade, é justo que nos mobilizemos e façamos a nossa parte”, disse.

Bispo de Bagé, Dom Frei Cleonir Dal Bosco também comentou a iniciativa: “A grande desigualdade que impera na sociedade atual exige atitudes e ações de amor e compaixão. Um caminho para salvar e promover a vida é a solidariedade”.

Para ele, a atitude que vem sendo tomada pelas famílias que integram a Rede de Comunidades Santo Isidoro Camponês, arrecadando toneladas de alimentos em prol das famílias assistidas pela Ação Social Diocesana, é uma prática louvável. “Gestos como esses revelam que é possível construir um mundo mais humano, fraterno e justo. Rogo a Deus que nunca falte o alimento na mesa de cada família e, que todo gesto de amor e solidariedade com os mais pobres e necessitados, sejam recompensados com muitas graças e bênçãos”, completou.

"A campanha segue, para nós essa é uma mobilização permanente, e temos certeza que podemos fazer muito mais", disse Capelesso. “Não conseguimos fazer o que o estado deveria fazer, mas dentro da capacidade de cada um temos o dever de seguir compartilhando o pouco que temos, mas que estamos dispostos a dividir para que as pessoas mais necessitadas possam se alimentar um pouco melhor e também ampliar sua possibilidade de proteção frente a pandemia", finalizou.

Mahatma Ghandi dizia que só seremos capazes de mudar o mundo quando estivermos dispostos a mudar a nós mesmos, a mudar a realidade dos que nos são próximos e, assim sucessivamente, até que quando menos se esperar as grandes mudanças vão acontecer.

Dona Arlete, de certo modo, parafraseia o líder indiano quando afirma que “se o governo não valoriza a vida, nós mulheres e homens que trabalhamos na terra temos o desafio de defender a vida, de compartilhar o que temos, de semear a força e a esperança para fomentar a resistência e ali na frente colher as transformações que acreditamos ser necessárias para que todas e todos possam viver um novo tempo”.

Participe desta rede de solidariedade

Interessados em apoiar as ações solidárias da Rede de Comunidades Santo Izidoro Camponês com doação de alimentos, materiais de higiene, recursos financeiros ou prestação de serviços podem entrar em contato diretamente com os membros da coordenação ou através do whatsapp (53) 9 9945 9619.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira