“Enquanto morriam mais de 3 mil pessoas de covid-19 por dia no Brasil, a cúpula do Ministério da Saúde negociava com estelionatários, no golpe da vacina. Se negavam a se reunir com a Pfizer, e se reuniam com (Luiz Paulo) Dominguetti e com a Davati.”
As declarações são do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, após a sessão desta quinta-feira, que ouviu o representante de vendas da empresa Davati no Brasil, Cristiano Carvalho.
Durante sua inquirição ao depoente e a fala a jornalistas, o parlamentar destacou como importantes e graves as informações levadas por Carvalho à comissão. Randolfe afirmou que a oitiva desta quinta-feira (15) abre uma nova fase: o papel das fake news no agravamento da pandemia.
Carvalho esclareceu mais alguns elos da teia que envolve as negociações de vacinas. A Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), ONG chefiada pelo “reverendo” Amilton Gomes, se valeu do Instituto Força Brasil (IFB) como “intermediário” para chegar ao alto escalão do Ministério da Saúde, segundo ele.
“O IFB foi o braço que a Senah utilizou para chegar frente a frente com Élcio Franco”, afirmou Cristiano Carvalho, sobre o ex-secretário executivo da pasta.
Da Saúde ao Planalto
O vice-presidente do IFB é o empresário Otávio Fakhoury, investigado nos inquéritos sobre atos antidemocráticos e das fake news no Supremo Tribunal Federal. Os senadores têm apurado que a participação de Élcio Franco nas negociações eram intensas.
O coronel foi demitido da Saúde, mas passou a ocupar cargo no Palácio do Planalto, como assessor especial da Casa Civil, em “sala contígua à do presidente”.
“O Instituto Força Brasil patrocina sites e redes investigadas nos inquéritos do STF e divulgava notícias falsas contra membros da CPI da Pandemia”, afirmou Randolfe.
Uma das redes patrocinadas pelo IFB na mira da CPI é a “Critica Nacional”, em cujo site se encontra verdadeira apologia ao negacionismo e ataque explícito à vacina da Pfizer, esquecida pelo governo enquanto corriam céleres as negociações com atravessadores e “picaretas” por vacinas “imaginárias”.
Postagens em tal rede, lidas pelo senador na sessão da CPI, não deixam dúvidas sobre sua orientação ideológica: “Vírus chinês é uma falácia”, diz uma. Outra é intitulada “Quase duzentos americanos morreram devido à vacina da Pfizer”. “Vacinas contra a covid podem afetar a fertilidade masculina”, afirma ainda uma terceira, entre muitas outras. Na sessão de hoje, a CPI encontrou “o liame entre o papel das fake news no agravamento da pandemia e a atuação de alguns destes personagens no apoiamento ao governo”, sublinhou o vice do colegiado.
Religião em ação
Já a Senah de Amilton Gomes, segundo Carvalho e informações já levadas à CPI anteriormente, poderia ser um elo com o presidente Jair Bolsonaro. Segundo mensagens do celular do PM Dominguetti, a ligação entre o grupo do qual ele faz ou fazia parte e o presidente seria o “reverendo”.
O pastor evangélico Amilton Gomes de Paula deveria ter falado à comissão na quarta-feira (14), mas ele apresentou um atestado alegando problemas de saúde. Documentos apresentados pelo Jornal Nacional na segunda-feira (15) mostraram que o suposto religioso teria tido aval do Ministério da Saúde para negociar a compra das 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com a Davati Medical Supply.
Mais um coronel: Hélcio com H
A oitiva de Cristiano Carvalho revelou que uma verdadeira constelação de coronéis teve participação ativa. Ele introduziu o papel de um novo personagem: o coronel Hélcio Bruno. “No dia 12 de março eu estive no Ministério da Saúde.
Me levaram ao Ministério da Saúde o reverendo Amilton, o Dominguetti, o coronel Hélcio Bruno, do Instituto Força Brasil. Lá nós estivemos com o coronel Boechat, coronel Pires e com o coronel e secretário Élcio Franco (então secretário executivo da pasta)”, afirmou Carvalho. O aparecimento de outro Hélcio, agora com “H”, virou motivo de brincadeira. “Já estou me perdendo”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Briga de quadrilhas
“Havia no Ministério da Saúde uma briga de quadrilhas para vender vacinas”, continuou a senadora. De acordo com o depoente desta quinta, existiam “dois caminhos dentro do ministério, aparentemente. Um era via Elcio Franco e outro era via Roberto Dias”. Carvalho disse ainda que “um não sabia do outro”.
A Davati chegou ao ministério com a estranha proposta de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca. Mas a fabricante do imunizante negou qualquer ligação com intermediários e esclareceu que só negocia com governos.
Desse modo, aprofundar a investigação sobre o caso Covaxin/Precisa, o “golpe dessa empresa singular, a Davati, em que se envolve a cúpula do Ministério da Saúde, e ouvir o reverendo Amilton, um dos personagens disso”, são alguns dos próximos passos da CPI, disse Randolfe. Segundo ele, é possível que até setembro a comissão apresente o relatório.
O senador informou que as sessões serão suspensas no recesso parlamentar (18 a 31 de julho) e retomadas em 3 de agosto.