O Brasil assumiu a presidência temporária do Mercado Comum do Sul (Mercosul), durante a cúpula de chefes de Estado, que completa uma semana nesta quinta-feira (15). Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a gestão brasileira irá modernizar a agenda econômica do bloco, que atualmente seria um sinônimo de “ineficiência” e “desperdício de oportunidades”.
Apesar das declarações de Bolsonaro, o Mercosul, que engloba o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai como membros plenos e a Bolívia como membro associados, é considerado a 5ª economia global.
Para a indústria nacional, o Mercosul é o mercado prioritário para a venda de produtos manufaturados, tecnologia e indústria automobilística. Em 2019, o Brasil teve um superávit de 6% na balança comercial com o bloco, representando um lucro de US$ 48 bilhões.
“A gente percebe o quanto o Mercosul é importante para a indústria brasileira. O Brasil não coloca muitos produtos manufaturados no exterior, nossos produtos não são tão competitivos em geral. Então é na América Latina, sobretudo para Argentina e demais países do Mercosul que a gente vende nosso produtos industrializados”, aponta a coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão em Cooperação Regional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Clarissa Franzoi Dri.
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No mesmo ano, o Mercosul teve uma atividade comercial equivalente a US$ 478 bilhões, com um saldo positivo de US$ 66,6 bilhões. Os principais produtos de exportação são soja, petróleo e minério de ferro. Cerca de 48% dos produtos são enviados para a Ásia, 20% para Europa e 16% para América do Norte. Enquanto as importações são de diesel, reagentes para refino de petróleo e fertilizantes, sendo que o Brasil é o principal comprador com 72% dos produtos importados.
A China é o principal fornecedor com 24% das importações, seguida dos Estados Unidos com 18% e Alemanha com 7%.
“Entre as dez principais empresas que negociam no Mercosul, cerca de 80% do comércio estão concentrados em multinacionais automobilísticas. Todas vinculadas a uma cadeia de insumos, suprimentos e de produtos já acabados que movimentam a balança comercial do Mercosul e a torna superavitária para o Brasil em relação aos demais países”, indica Daniel Corrêa da Silva, pesquisadora do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA – UFSC).
Na agenda de “modernização econômica” do governo Bolsonaro está a diminuição da Tarifa Externa Comum (AEC - siglas em espanhol), que incide sobre as exportações dos países do bloco, de 12,8% para 5,5%. Além disso, busca flexibilizar as cláusulas que estabelecem que todos os novos tratados de livre comércio devem ser aprovados em consenso pelos países-membro.
O Uruguai é outro país que apoia a maior liberdade para assinar acordos individuais. A professora universitária, Clarissa Dri explica que por ser uma economia menor, para os uruguaios é importante que se fortaleça o Mercosul ou então que sejam abertas as portas para outros tratados que ajudem a posicionar os produtos uruguaios em outros mercados.
A diminuição dos impostos para exportação foi criticada pela Confederação Nacional de Indústrias (CNI) e por sindicatos, já que enfraquece a capacidade de arrecadação do setor e o reinvestimento em estrutura e pessoal.
“A eficiência ou ineficiência do bloco deve vir seguida de uma pergunta: para quem? O que ele [Bolsonaro] quer, na verdade, é uma política muito limitada no que tange a integração regional, mas não significa uma negação da integração regional. É uma integração com interesses muito específicos, com essa eficiência vinculada à burguesia brasileira”, defende o economista Daniel Corrêa da Silva.
Acordo com União Europeia
A expectativa é de que nos próximos seis meses o Brasil tenha uma postura pouco propositiva dentro do bloco, no entanto um dos carros-chefes de Bolsonaro e de Guedes é a consolidação do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia.
O pacto foi assinado em 2019, mas precisa ser aprovado por todos os parlamentos dos países do Mercosul e da UE. A Argentina já declarou que irá revisar a proposta, que considera desfavorável para as economias latino-americanas.
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“A ideia é aumentar a capacidade de se integrar cada vez mais com os centros do sistema capitalista. A parte agrário exportadora primária vai cada vez buscar mais espaços dentro do mercado europeu, que é extremamente competitivo. E ainda deixa de bandeja pra União Europeia a possibilidade de impor embargos ao Brasil diante da nossa política ambiental e trabalhista”, analisa o economista.
Relaciones comerciales MERCOSUR - UE
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Para Clarissa Dri, embora economicamente interesse à Europa, é improvável que o acordo se concretize ainda em 2021.
“A má vontade da União Europeia com o governo brasileiro aumentou, principalmente da Alemanha e da França. Vai pegar mal para os países europeus assinarem um acordo com o governo Bolsonaro que é extremista, fundamentalista”, analisa a professora universitária.
Agenda econômica bolsonarista
O Brasil atravessa um processo de industrialização do campo, com o fomento do agronegócio, enquanto encolhe sua indústria de transformação – aquela responsável por produzir novos materiais com valor agregado. O caso mais evidente foi o fechamento da Ford e outras empresas do setor automotriz, considerado um dos mais dinâmicos da economia brasileira.
As exportações de produtos industrializados no primeiro trimestre de 2021 caíram 46% para 42% em relação a 2020. Por outro lado, houve uma alta de 40% nas exportações da indústria extrativa, de 13% na agricultura e de 14% na agroindústria, segundo dados da CNI.
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“O Brasil quer se incorporar às cadeias globais de valor. Quer fazer parte da festa, mas sem qualquer ambição de ser protagonista. Quer participar dessa cadeia global ainda que seja para fazer um parafuso para alguma empresa chinesa, estadunidense ou europeia. O Brasil quer participar desse jogo por isso quer a flexibilização do bloco e a redução da tarifa externa comum. Para tentar acentuar e sofisticar ainda mais os seus laços de dependência e subdesenvolvimento, em detrimento de um projeto que realmente represente a integração da América do Sul”, analisa Daniel Corrêa.
Mercado ou bloco comum?
O Mercosul completa 30 anos de história neste ano. A aliança surgiu como uma área de livre comércio e no início dos anos 2000 passou a implementar projetos de integração regional, como escolas bilíngues na fronteira e a Universidade Federal de Integração Latino-americana (Unila), em Foz do Iguaçu. Além de facilitar a circulação de pessoas dentro dos países da aliança e implementar 50 projetos de infraestrutura multinacionais, com investimento equivalente a US$ 824 bilhões.
Com ascensão de governos de caráter conservador, o bloco passou a fechar as portas para países com governos de esquerda. Em 2019, suspendeu a participação da Venezuela como membro pleno e há anos vem contendo a entrada oficial da Bolívia, que permanece como sócio.
Todos os parlamentos já aprovaram o ingresso do Estado boliviano, faltando apenas o aval do Senado brasileiro.
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“A Venezuela era um segundo país médio que equilibrava com a Argentina a presença do Brasil, e a Bolívia entrando poderia fazer esse papel de economia média. Mas acredito que os senadores não terão interesse num confronto tão grande com o governo Bolsonaro a ponto de aprovar a entrada da Bolívia”, analisa a doutora em ciência política, Clarissa Franzoi Dri.
Para os analistas, o período de presidência rotativa do Brasil deve aprofundar a proposta de que o bloco volte a ser apenas uma zona de livre comércio.
“Qual é a linha da classe dominante? Podemos manter esse espaço cativo no Mercosul, mas convertendo o Mercosul essencialmente num acordo comercial, sem nenhum tipo de projeto que avance no sentido político, social e cultural”, explica Daniel Corrêa da Silva.
“Pensando na autonomia da região, nos interesses da região, serão colocados de maneira muito mais forte se forem colocados de modo coletivo, em relação a uma inserção isolada. Nós nos fortalecemos na parceria com nossos vizinhos e essa visão que muitas vezes é relegada pelos governos de direita”, conclui Clarissa Dri.
Edição: Vivian Virissimo