A menos de uma semana do início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que começam oficialmente no próximo dia 23 de julho, o contágio por covid19 volta a preocupar. Com o aumento do registro de casos da doença na capital japonesa, ainda na terça-feira (13), foi instaurado estado de emergência em toda região metropolitana da cidade que sediará os jogos. Esta é a quarta vez, desde o início da pandemia, que essa medida é adotada.
Além disso, na última quarta-feira (14), foram identificados casos da doença no hotel que abriga a delegação brasileira de judô. Protocolos de segurança estão sendo reforçados para esta edição que, por conta da pandemia, não contará com a presença do público nas competições.
“Tanto a delegação brasileira quanto a delegação de vários países, chegam a Tóquio sem ter muita certeza do que vai acontecer. Eu penso que a única certeza é que é uma edição olímpica única, singular, onde a perspectiva de congraçamento entre os povos fica reduzida à necessária competição”, avalia Katia Rubio, professora da USP, jornalista, psicóloga e autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros”
Mesmo diante de tantas incertezas e limitações, a participação do Brasil no torneio, segundo dados do Governo Federal, possui recorde no número de atletas competindo. Ao todo, serão 301 esportistas em 35 modalidades.
"Agora, se o Brasil classificou tantas pessoas, quais foram os países que não conseguiram? Quais foram os motivos desses países não conseguirem concorrer com o Brasil? Será que foi a gente que melhorou muito ou foram outros países que decaíram? Não sabemos.”, avalia Diogo Silva, atleta Olímpico e membro da Comissão dos Atletas do Comitê Olímpico Internacional.
Diante de um cenário incerto, muitos são os questionamentos sobre como serão os Jogos Olímpicos em um mundo ainda sob a ameaça da covid 19.
“Com certeza, daqui a 50, 100 anos, essa edição será estudada”, avalia Diogo.
Nesse contexto, o Brasil não será estudado apenas pela pandemia.
Olímpiadas das incertezas
No caso específico da delegação brasileira, as omissões e escolhas equivocadas na gestão federal no controle da pandemia, são mais um obstáculo rumo aos pódios.
“O caos urbano que aconteceu no Brasil, pela nossa mortalidade, fez o Brasil ficar extremamente atrasado próximos aos países que ele sempre concorre, no bloco entre os 20 melhores do mundo. Então, isso impacta muito. E nós veremos isso em Tóquio”, explica Diogo.
“Além disso, haverá também um impacto muito grande na diferença da qualidade técnica entre as delegações. Países como o nosso, que ficaram muito mais tempo sem serem vacinados, os atletas tiveram um intervalo maior nos treinos”, pontua.
No entanto, não é apenas a má gestão no controle da pandemia que compromete as chances da delegação brasileira em conquistar uma medalha olímpica.
“Neste ciclo olímpico, os atletas enfrentam a pior pandemia do esporte brasileiro nos últimos dez anos, que foi a ausência de patrocínios e de apoio público, apoio federal às iniciativas. Esse era um temor que nós tínhamos depois dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, e que, efetivamente, aconteceu”, explica Kátia Rubio.
Esse enxugamento de recursos é ainda mais danoso quando se olha para a forma com que o esporte se viabiliza no país.
“O esporte nacional é 100% financiado pelo Estado, se o governo não investir, o esporte quebra”, destaca Diogo.
Atualmente, as três principais fontes diretas de repasses financeiros aos atletas brasileiros são: as bolsas Atleta e Atleta Pódio, além do Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR), das Forças Armadas.
A Bolsa Atleta, custeada com recursos das loterias, é a de maior alcance, com 7.197 esportistas atendidos, que recebem valores entre R$ 370 e R$ 3.100, dependendo da categoria de atuação. Nas Olimpíadas de Tóquio, cerca de 95% dos atletas participantes recebem esse incentivo.
“Esse programa foi criado há cerca de 16 anos. Agora, vamos pensar no Brasil. Em 16 anos nós ficamos um país mais caro ou mais barato? Em 16 anos, o salário mínimo diminuiu muito ou aumentou muito? Quando fazemos essas perguntas e encontramos as respostas, entendemos que é insuficiente, porque ela mantém os mesmos valores de 16 anos atrás”, afirma Diogo.
Como exemplo dessa distorção, Diogo cita a Bolsa Atleta, concedida dentro do programa:
“Ela foi pensada como um auxílio para a participação de torneios internacionais. Mas com o dólar em cinco para um, seis para um, significa que esse atleta tem 500 dólares, ou até menos. Com esse valor, ele não compete um torneio internacional”, explicou.
A saída para o impasse, segundo Diogo, seriam novas formas de captação de recursos para o Programa, além de correções do valor que seguissem o índice de inflação.
Gestão do Esporte em desmonte
Também soma-se ao quadro de desmonte dos programas, as recentes mudanças na configuração na gestão do Esporte no país. Entre elas, a perda do Ministério do Esporte, que hoje é uma Secretaria subordinada à pasta de Cidadania.
“A extinção do Ministério do Esporte e transformação de uma Secretaria dentro de outro ministério já implica numa perda de braços para lidar com o Esporte. É claro que o Comitê Olímpico do Brasil fez aquilo que estava ao alcance dele enquanto entidade para proporcionar as condições de treinamento para a maioria dos brasileiros. Mas isso não era suficiente”, avalia Kátia.
“Nós também tivemos mudanças radicais no Comitê Olímpico do Brasil que implicaram não apenas na mudança de cadeiras mas, principalmente, no manejo das verbas dos recursos, e da ausência dos recursos também”, pontuou.
Em Tóquio, os atletas, além de enfrentarem os oponentes de outros países, também enfrentarão as consequências da falta de incentivos.
Políticas Públicas: articulações
Enquanto isso, fora dos torneios, aqui no Brasil a luta de entidades e atletas é para buscar meios para reverter o desmonte do setor e dar celeridade ao processo de reformulação da Lei Pelé, tida como marco relatório do esporte nacional, com especial atenção para a tramitação do Plano Nacional do Desporto (PND).
“Com a intenção de ser uma política de Estado que proporcione a democratização do acesso ao Esporte para toda a população e, de certa forma, corrija a distorção que hoje temos na locação de recursos públicos, ainda muito voltada para alto rendimento, para que ela possa priorizar também o esporte de base conforme previsto na própria constituição federal”, avalia Rafael Lane, Coordenador de Políticas Públicas e Advocacy da ONG Atletas pelo Brasil.
O PND, que caminha em passos lentos desde 1998, atualmente tramita entre os ministérios da Cidadania e Educação. Após essa etapa, será analisado pela Casa Civil, que deverá encaminhar para o debate e aprovação do Legislativo. A previsão é de que isso ocorra ainda no segundo semestre de 2021.
“Outra iniciativa seria dar prosseguimento ao Sistema Nacional de Esportes, pois ele busca um entendimento do Esporte, “E” maiúsculo, e não apenas com o foco no alto rendimento”, aponta Rafael.
“Esse projeto também é fundamental, pois vai trazer as definições de competências que cabem aos municípios, estados e executivo, dentro das políticas para o Esporte. Com a ausência dele, o PND pode ser entendido como um primeiro elemento capaz de garantir a coordenação do setor”, avalia Rafael
Esse projeto chegou a ser debatido no âmbito do extinto Ministério dos Esportes, mas não chegou a se constituir enquanto Projeto de Lei.
Segundo Rafael, a retomada desses projetos – em diálogo com organizações e entidades que têm atuado em áreas em que o Estado se mostra ausente, é fundamental.
“Hoje, nós temos 64% das escolas de educação básica no país sem quadras poliesportivas. O que mostra um pouco do descaso ao Esporte que tem sido dado no país”, avalia.
O esporte de amanhã como reflexo do hoje
Quando se pensa em Olimpíadas, segundo Kátia, é preciso entender que o evento em si é só uma parte de um ciclo que envolve muitos anos.
“Então, eu espero com bastante expectativa ver como serão os desempenhos dos atletas nesses jogos de Tóquio, diante dessa nova realidade que é a ausência de recursos”, avalia.
"Além de pensar nessa geração que está chegando agora aos jogos, é preciso também pensar nas gerações que se preparam para os próximos jogos. E a redução do espaço do Esporte no governo federal, implica também na perda de oportunidades para esses novos talentos, que podem estar nos próximos jogos de 2024 e 2028”, conclui.
Edição: Isa Chedid