As bibliotecas comunitárias são espaços populares voltados para a o incentivo à leitura, à cultura e ao compartilhamento de livros, que nascem por iniciativa de moradores ou de entidades que atuam em benefício das comunidades.
Esses espaços de leitura têm o objetivo de garantir o uso público e comunitário dos livros como essência, mas também se organizam em torno de pautas sociais e de acesso à cultura. As bibliotecas permitem o contato entre as mais diversas obras e os moradores de uma região. Elas conseguem fazer com que os que não têm dinheiro para adquirir livros possam ter acesso ao mundo da literatura.
O maior estudo sobre a educação do mundo, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), apontou que o Brasil tem baixa proficiência em leitura. Segundo a pesquisa, o país ocupa a 60ª posição em um ranking sobre a média mundial em leitura entre 70 países.
Para tratar sobre o tema bibliotecas populares e o acesso à leitura, o Brasil de Fato PE conversou com Sthefano Santana Souza de Farias, mediador e articulador do Releitura - Bibliotecas Comunitárias em Rede.
Brasil de Fato Pernambuco: Sthefano, como você analisa o papel do bibliotecas populares no sentido de facilitar o acesso aos livros e incentivar o hábito da leitura?
Sthefano de Farias: A gente vive um momento histórico de negação de direitos que já vínhamos conquistando e um dos direitos que vem hoje sendo negado, subsidiado por algumas forças do poder público, é o direito humano do acesso à leitura.
A gente vê Inclusive a Receita Federal dizendo que o livro é um artigo de luxo, que as periferias não acessam livros, que a periferia não lê, então é nesse contexto que as bibliotecas comunitárias se mostram como verdadeiras fortalezas, não só como espaços de guarda desse objeto livro, mas um espaço que faz com que esses livros circulem nas mãos das pessoas das comunidades.
::Bibliotecas Comunitárias garantem acesso à leitura para jovens da periferia de Recife::
Esse é um trabalho que as bibliotecas comunitárias, sobretudo a Releitura, falando aqui no contexto das bibliotecas de Pernambuco e de Recife vem realizando desde 2007, quando iniciou esse processo de aproximação de bibliotecas que estavam espalhadas na Região Metropolitana do Recife se encontrando para trabalhar em rede.
Então é um trabalho que não começou agora, já vem sendo realizado há mais de 10 anos e impactando bastante nas comunidades. E o mais importante que a gente precisa destacar é que as bibliotecas comunitárias não atuam só na democratização da leitura, elas acabam democratizando também outros direitos, direitos fundamentais como a própria alimentação, o acesso à comunicação e diversos outros direitos humanos que infelizmente são negados às comunidades.
Então eu enxergo o papel das bibliotecas comunitárias dessa forma, de extrema importância para a garantia tanto direito ao acesso à leitura como dos demais direitos humanos.
Você acredita que as desigualdades sociais podem ser fatores que dificulta o acesso a leitura e contribuam para a baixa proficiência na leitura do Brasil?
Com certeza. A gente vê o movimento que sempre aconteceu de as elites trabalharem para impedirem que as classes mais populares não acessem os direitos que essa elite acessa e assim como em outras linguagens culturais e artísticas, acontece a mesma coisa com a literatura. Os impedimentos são diversos para que essas pessoas, para que a gente do subúrbio e que está dentro das comunidades mais periféricas acessem esses bens.
O primeiro impedimento que eu enxergo como um fator primordial para impossibilitar o acesso é o valor do objeto livro, que é exorbitante, com risco desse valor ser aumentado. Os estudantes universitários, muitos alunos, amigos, frequentadores da biblioteca que conseguiram ascender à universidade acabam sendo impedidos inclusive de progredir e se destacarem por conta deste impedimento de acesso ao livro, de comprar esse objeto.
Então a desigualdade social é também um fator primordial para aprofundar ainda mais essa falta de acesso, ainda mais quando a gente se depara com o governo que luta para manter esse status quo. É um governo que literalmente trabalha em prol desses impedimentos, para que permaneça e para que haja ainda mais um aprofundamento dessa problemática.
O front que as bibliotecas comunitárias se encontram hoje é um front muito difícil, é uma batalha mesmo, eu acho que a gente não tem como minimizar e não utilizar esses termos bélicos, porque é de fato uma guerra que a gente está enfrentando para poder permitir esse acesso.
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Sthefano, gostaria que você falasse um pouco mais sobre a importância das Redes de Bibliotecas Comunitárias como no caso da Releitura. Qual a importância dessas iniciativas e dos seus idealizadores estarem conectados?
Como eu falei anteriormente, é uma guerra que a gente enfrenta para conseguir garantir o direito das pessoas acessarem o livro, porque muitas vezes não se consegue individualmente. Não se faz incidência política sozinho, precisa da participação coletiva, estar integrado e a rede se forma primeiramente com o intuito de aprender mais sobre o que é esse espaço.
or volta do final do ano dos anos 2000, as bibliotecas comunitárias que dialogavam entre si não compreendiam ainda o potencial daquele espaço e queriam se qualificar ainda mais para promover o acesso ao livro, então elas se reuniram primeiramente para estudarem, buscarem base teórica, para entender como funciona ou como devem funcionar uma biblioteca comunitária.
A partir desses estudos, conceitos acabaram surgindo, como os de incidência política, enraizamento comunitário, comunicação… esses conceitos acabam aparecendo nesse momento de estudo e hoje ele se constituem como eixos onde a biblioteca comunitária está assentada. Talvez a gente nem conhecesse o trabalho das bibliotecas comunitárias se fosse apenas comum a algumas bibliotecas, por isso que eu enxergo o trabalho das redes como extremamente importante sobretudo no campo da incidência política.
Hoje nós estamos articulados numa Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, a RNBR, que conta com cerca de 120 bibliotecas comunitárias, presentes em nove estados brasileiros nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul, e esse coletivo é composto por 11 redes locais e todas elas fazem esse trabalho.
Conseguimos impactar todo um estado com essa atuação. Em Pernambuco tivemos a produção do Plano Estadual do Livro. Leitura e Literatura e Bibliotecas, que a gente costuma chamar de “PEOB”, e é uma luta árdua, nós só conseguimos realizar isso porque o movimento de bibliotecas comunitárias aqui acabou se organizando em um fórum pernambucano articulando outros atores do segmento de literatura, como os escritores, bibliotecários e bibliotecárias, a cadeia produtiva também que está na produção de eventos, escritores e editoras independentes, então é uma outra rede que acaba surgindo a partir desta para incidir politicamente, então essa é a importância dessa organização em rede que nos encontramos.
As bibliotecas comunitárias têm enfrentado diversos desafios por causa da pandemia, uma vez que a maioria delas são mantidas por esforços das próprias comunidades. De que forma essas iniciativas que têm como base a organização comunitária, têm contribuído para outros aspectos da vida dos moradores?
Está sendo um período muito desafiador. A gente vê que o sistema educacional como um todo não estava preparado para tudo que está acontecendo. A biblioteca comunitária sendo um espaço de educação alternativa também sentiu isso de uma maneira profunda, porque olhando para as escolas, as bibliotecas públicas, as bibliotecas da escola, elas possuem uma estrutura e possuem um recurso fixo ali.
No nosso caso não, nós contamos com o apoio das nossas comunidades que inclusive foram arrasadas com toda essa questão da pandemia, os subúrbios, as periferias são os locais dos centros urbanos que mais tem sofrido e a biblioteca acabou sentindo esse impacto também.
O que nós conseguimos realizar foram estratégias de comunicação, ideias criativas para levar a literatura neste período. O que nós conseguimos acertar foram os drops literários, que são compartilhados no Instagram e inclusive contribuíram para levar o nome da rede para outros locais onde não nos conheciam dentro desse contexto pandêmico.
Os drops literários são poesias compartilhadas por autores e autoras diversos, de diversos locais do país e eles gravam o áudio declamando as poesias e a gente compartilha na página do Instagram.
Essa foi uma estratégia muito potente que nós encontramos nesse período para poder tentar levar um suspiro poético para as pessoas da comunidade que tem acesso à internet. A
série foi criada com o objetivo de manter a comunicação aberta com todas as pessoas que frequentam as bibliotecas, leitores, mediadores, gestores, os parceiros, artistas, além de visibilizar e colocar em evidência as nossas redes sociais, que eu acredito que nesse momento que a economia acaba se encolhendo bastante, a gente tem que buscar outras alternativas também de de captação de recursos para manter as nossas ações.
Você é articulador de uma biblioteca localizada na Mangueira, bairro na Zona Oeste do Recife. Como está sendo a realidade neste período de pandemia para biblioteca?
Eu integro a biblioteca comunitária Educ Guri, que fica localizada no bairro da Mangueira, bem próximo à estação de metrô e no primeiro momento nós sentimos o impacto de uma maneira muito intensa, ao ponto de ficarmos bastante atordoados sem entender como daríamos prosseguimento a algumas atividades, mas daí quando passaram-se uns dois meses, com as articulações que nós já tínhamos entramos em contato e outras entraram em contato com a gente realizamos essas ações de caráter assistencialista, mas que são essenciais neste momento de pandemia.
::Com pandemia, bibliotecas comunitárias assumem missão de matar a fome nas periferias::
A biblioteca conta com mais duas pessoas, sou eu como articulador e mediador de leitura, a Cícera Moura que é uma articuladora também e o gestor da instituição que é Sandro Elói, que é uma pessoa que já possui experiência no campo da economia solidária, já possui articulações e essas articulações acabam ajudando bastante as instituições.
Nós estamos inseridos na Releitura, mas também dentro dos nossos territórios nós temos redes internas diversas, de várias instituições que a gente conhece e que ajudaram bastante nesse momento também. Com relação às ações culturais, a biblioteca acabou dando uma esfriada, as atividades que mais realizávamos presencialmente eram atividades de mediação de leitura, contação de histórias, oficinas, que essa é a nossa expertise.
Hoje a gente tem feito mais indicações de livros na página do Instagram, curiosidades sobre autores, então acabou dando uma estacionada, até porque a gente precisa também se preservar, nós também que estamos no grupo de risco e precisamos dar uma segurada para preservar a vida, para quando tudo voltar ao normal a gente voltar com força total.
Mas o fato que nos entristece bastante é que as ações que a gente vinha realizando, aquele enraizamento acaba sendo um pouco comprometido. Mas por outro lado a gente consegue alcançar outras pessoas e entrando na agenda da comunidade com essas ações. As pessoas passam pela biblioteca e dizem “olha foi aquele espaço ali que doou as cestas para a gente” “aqueles espaço ali volta e meia doam cestas básicas”, e isso acaba entrando na rotina da comunidade também.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Monyse Ravena